Fui desafiado pelo editor da
Gazeta Rural a produzir um balanço sobre os principais acontecimentos ocorridos
no sector florestal durante 2018. Um desafio abrangente e para o qual me
socorri das declarações proferidas pelo Secretário de Estado das Florestas e do
Desenvolvimento Rural, Miguel Freitas, em duas Conferencias organizadas pela FORESTIS –
Associação Florestal de Portugal, no âmbito das comemorações do 25.º
aniversário daquela Federação florestal.
Começo por relevar o papel de
charneira que a FORESTIS (movimento FORESTIS, como se chamava à data da sua
constituição) tem desempenhado ao longo destes 25 anos no dinamismo do
associativismo florestal no nosso pais. E aqui quero felicitar o trabalho
meritório que tem sido desenvolvido sob a coordenação da minha colega Rosário
Alves e a acção decisiva da liderança do Prof. Carvalho Guerra na determinação
para o justo reconhecimento pelo Estado do papel insubstituível das
Organizações de Produtores e Proprietários Florestais na promoção da atividade
florestal e a enorme crença que sempre depositou no associativismo florestal.
Em Janeiro ultimo, o testemunho passou para o Eng. Luis Braga da Cruz e
acredito que irá manter a mesma determinação e o mesmo empenho em prol do
associativismo florestal e da promoção de uma melhor educação florestal dos
proprietários e produtores florestais, bem como dos cidadãos.
Feito o preâmbulo, em Janeiro, na
Conferência intitulada “Reinventar a Floresta, Reconstruir Oportunidades”, o
discurso político tinha por tema os incêndios florestais e era sublinhado pelo
governante que “Portugal não pode perder mais qualidade de solo”, numa clara
alusão aos riscos reais da erosão dos solos desprotegidos dos espaços
florestais queimados. O mote estava dado e os incêndios florestais continuaram
a dominar a agenda política.
O inicio do ano ficou,
indelevelmente, marcado pela grande mobilização das populações e das autarquias
na protecção das habitações e dos aglomerados populacionais. No balanço da
iniciativa governamental sobressaem os programas “Aldeia Segura” e “Pessoas
Seguras”, sob coordenação da Autoridade Nacional de Proteção Civil e têm como
principal alvo os 189 municípios que possuem freguesias de risco no âmbito da
defesa da floresta contra incêndios. No entanto, do rescaldo dessa grande
campanha nacional resulta um dado negativo frequentemente omitido do discurso
político e que se prende com o anormal número de vítimas mortais ocorrido em
resultado de queimas dos sobrantes dessas operações de limpeza.
Entretanto, em Abril tinha inicio
o processo de contratação pública da estrutura técnica da futura Agência para a
Gestão Integrada de Fogos Rurais, cuja Lei Orgânica foi aprovada pelo Governo
logo em janeiro. Tratou-se de um processo que mobilizou centenas de candidatos
de todo o país e que é demonstrativo da relevância institucional deste novo
organismo, que irá entrar em funções no inicio de 2019 e sobre o qual recaem
grandes expectativas na capacidade de introduzir as necessárias mudanças na
abordagem ao problema dos incêndios florestais em Portugal.
Sobre este aspeto, importará ter
presente as conclusões do estudo apresentado pelo perito norte-americano Mark
Beighley em Abril, um conhecedor profundo da realidade deste problema em
Portugal e que deixou o alerta para o risco de ocorrência de uma tragédia ainda
mais grave do que aquela que aconteceu no ano passado se o Pais não operar uma
profunda mudança na abordagem ao problema dos incêndios florestais, com uma
maior valorização das políticas de prevenção e se não se preparar para os impactos
das alterações climáticas no agravamento das condições meteorológicas do risco
de incêndio. Os trágicos acontecimentos registados em Paradise, no norte da
Califórnia, em Novembro constituem mais um testemunho das mudanças climáticas
em curso.
Chegados à “época de fogos”, o
balanço governamental apresentado no Conselho de Ministros Extraordinário
dedicado à temática das florestas também foi positivo. Na verdade, atendendo às
condições meteorológicas registadas neste ano, não é difícil alinhar por esse discurso
perigosamente positivo e enaltecedor do empenho dos meios mobilizados no
combate às chamas. O problema é que o grande incêndio de Monchique não pode ser
encarado como um mera “anomalia” na estatística oficial dos incêndios
florestais. Foram quase 30 mil hectares da mais importante mancha florestal do
Algarve consumidos pelas chamas em meia dúzia de dias. Acima de tudo, deixou
uma importante lição que não pode ser ignorada – Portugal continua sem
estratégia e capacidade operacional para lidar com grandes incêndios florestais
complexos!
Em Novembro, na abertura da
Conferência “Reforma
da Floresta — Capacitação dos Agentes e Dinâmicas Institucionais”, o Secretário
de Estado Miguel Freitas fez o anuncio da criação de “planos-poupança
florestal” para ajudar o financiamento do setor florestal, chamando a indústria
a desempenhar um papel mais interventivo. Pese embora a ideia da criação de uma
contribuição da industria transformadora não seja propriamente nova, não deixa
de ser relevante o empenho do Governo na promoção uma maior integração dos
vários elos que compõem a fileira florestal.
Ainda no que respeita à política
florestal, a decisão de “regionalizar” os apoios comunitários do PDR2020 para a floresta,
também abordada no citado discurso, terá sido, do meu ponto de vista, o marco
mais significativo e constituiu um passo importante no sentido de aprofundar a
regionalização da política florestal junto das várias realidades que compõem a
diversidade da floresta portuguesa. Mesmo sem ter o alcance da abordagem
regional que é promovida na vizinha Espanha, onde cada comunidade autonómica
tem o seu próprio PDR, trata-se de um dos mais significativos avanços para o
desbloqueio da absorção dos fundos comunitários para a floresta nos territórios
do norte e centro do Pais.
Mas, nem tudo são rosas neste
balanço. Os Programas Regionais de Ordenamento Florestal continuam a ser a
maior pedra no sapato do Ministério da Agricultura e poderão vir a ser o
equivalente daquele conhecido rato que foi parido pela montanha. Após
sucessivos anúncios públicos (e respectivos adiamentos), foi anunciado em
novembro pela Tutela que os PROF seriam publicados até ao final do ano[1].
No entanto, ao basearem-se numa informação de inventário desatualizada, estes
PROF (ditos de 2.ª geração…) irão resultar num “gigante de pés de barro”, que
vão orientar as políticas regionais para a floresta com base em premissas
desfasadas da realidade e que irão vincular os investimentos futuros dos
privados nos espaços florestais em resultado da anunciada obrigatoriedade da
sua integração nos PDM até 2020.
O parecer desfavorável,
recentemente emitido pela Comunidade Intermunicipal de Aveiro sobre o Plano
Regional de Ordenamento Florestal da Região Centro Litoral, em que denuncia a
falta de rigor na descrição e definição das diferentes áreas de atuação e uma
cenarização que assenta em cenários com pouca visão, sem ter em conta as
indústrias da região e o rendimento que é necessário garantir ao produtor
florestal para que a floresta possa ser gerida de forma profissional, evidenciam
a fragilidade latente dos novos PROF. Aliás, o Observatório Técnico
Independente, criado este ano no seio da Assembleia da Republica, afina pelo
mesmo diapasão, ao afirmar que as medidas preconizadas não respondem aos
problemas e sem ter em conta “as lições dos incêndios ocorridos em 2017”,
denunciando a necessidade urgente da criação de um “novo programa para o
Inventário Florestal Nacional”.
Os novos PROF, que deveriam assumir um
papel estratégico na orientação do desenvolvimento do sector florestal nas
várias regiões, na valorização do território e do papel das explorações
florestais no fornecimento de serviços e produtos florestais, na integração da
industria de base florestal e no aumento da resiliência do território aos
incêndios florestais, provavelmente irão resultar nuns documentos densos, com
um diagnóstico pesado alicerçado em elementos de base desactualizados e,
consequentemente, com uma cenarização que não contribui o desenvolvimento do
território e do sector florestal.
Termino esta reflexão com o discurso
do Secretário de Estado das Florestas no Porto, onde sublinhou a visão da
Tutela de “assumir riscos, derrubar barreiras e fronteiras, inovar modelos e
restabelecer a confiança de novo no setor florestal”. As palavras são
estimulantes e é salutar esta determinação em mudar o estado das coisas, que é
a imagem de marca política do atual titular da pasta das florestas. De facto,
esse é o caminho, mas não basta ter a vontade política. É preciso dar
consistência ao empenho que o Secretário de Estado tem colocado na liderança da
política florestal e aqui que reside a principal falha, na passagem da vontade
política para a concretização no terreno. Para tal, é urgente reformar o ICNF e
dotar esse organismo do necessário capital técnico, sobretudo nas regiões, para
que a visão política do Terreiro do Paço chegue efectivamente ao terreno.
Pode ser que a nova orgânica do
ICNF, aprovada no Conselho de Ministros Extraordinário realizado em Mafra, no
passado dia 25 de outubro, possa vir a concretizar esse desígnio, pois o atual
ICNF é uma sombra daquilo que foi há 25 anos o Instituto Florestal, cada vez
mais limitado a um papel meramente burocrático/administrativo …
A cooperação entre o Estado e os
vários agentes do setor é a chave para o sucesso da floresta em Portugal. A ENF
e os PROF poderiam ser a plataforma para o desenvolvimento desse desiderato. No
entanto, a realidade é bem distinta. Aguardemos para conhecer o teor do relatório
de diagnóstico e as medidas de atuação para a valorização do território
florestal e de incentivo à gestão florestal ativa, resultante de um grupo de
trabalho interministerial, que foi aprovado em Conselho de Ministros no final
de novembro. Certamente, que encerrará as linhas mestras de orientação da
política florestal para os próximos anos.
Termino com uma nota final para a
comemoração do centenário do Ministério da Agricultura, no decurso do qual foi
prestada uma justa homenagem ao colega Octávio Ferreira, que se aposentou este
ano e dedicou toda uma vida profissional ao Pinhal do Rei.
Miguel Galante (Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 330 (16.12.2018)
[1] LUSA, 14 de novembro de 2018
- Governo | Programas Regionais de Ordenamento Florestal publicados até final
do ano