O Sobreiro, pintura de D. Carlos I |
O mês de Maio marca o início da
extracção da cortiça. Este ano, tudo indica que a campanha irá decorrer num
ambiente de optimismo quanto ao aumento da procura e consequente valorização do
preço da cortiça, que se traduzirá numa melhor remuneração ao produtor e na
criação de mais riqueza no país
Maio é também o mês da FICOR - a
Feira Internacional da Cortiça que anualmente se realiza em Coruche, “a capital
mundial da cortiça”. Um certame que visa a promoção internacional da cortiça e o
debate do sector corticeiro, o único sector da economia em que Portugal é líder
mundial na produção, na transformação e na comercialização.
Apesar da importância deste
sector para o País (as exportações da fileira da cortiça ascendem a 800 milhões
de euros), a sustentabilidade do sobreiro e do sector corticeiro continua a estar
muito dependente da rolha de cortiça. Nesse sentido, é fundamental que o
Governo legisle sobre a informação ao consumidor do tipo de vedante utilizado das
garrafas de vinho. Seria o cumprimento da promessa que a Ministra da
Agricultura anunciou aquando do segundo Congresso Mundial da Cortiça, realizado
em Setembro último. Na ocasião, Assunção Cristas prometeu fazer “todos os
esforços para que todas as garrafas de vinho identifiquem o tipo de vedante”,
tendo assegurado ainda que iria tentar, junto da Comissão Europeia, alargar
esta obrigação a todo o espaço comunitário. (Também era importante rever a
legislação de protecção do sobreiro e da azinheira, mas essa matéria sensível “são
contas de outro rosário”…)
Falar do sobreiro não é só falar
de rolhas e de cortiça. O sobreiro, ou melhor, os montados de sobro, são um
elemento marcante da cultura e da paisagem a sul do Tejo, onde desempenham um
papel insubstituível como barreira ao avanço da desertificação. Contudo, o
sobreiro é uma das espécies mais sensíveis às alterações climáticas. Os
cenários dos modelos científicos apontam para a redução significativa de
precipitação primaveril, o que pode motivar o fim desta espécie em algumas
zonas do país, nomeadamente na Serra do Caldeirão e nas Serras de Grândola/Cercal
onde o declínio tem avançado de forma mais marcada nos últimos anos.
O combate ao declínio dos
montados constitui o principal desafio com o sector se depara. Portugal precisa de melhores montados, para produzir mais e melhor cortiça e, de
preferência, certificada. As boas práticas de gestão do sistema
agro-florestal e o adensamento dos montados são determinantes para travar o
avanço do declínio do montado. Essa foi a principal conclusão que retive da
visita que realizei, recentemente, à Herdade do Freixo do Meio, em
Montemor-o-Novo. Nessa herdade, que constitui um marco na mudança do paradigma
que se começa a operar no montado, a gestão procura retomar o equilíbrio com a
natureza; um equilíbrio frágil, alicerçado na multifuncionalidade do sistema.
O declínio do montado também coloca
em causa a manutenção de um dos mais importantes habitats para a
conservação da biodiversidade na Europa, de acordo com os estudos internacionais
da WWF. Esse vai ser um dos assuntos em foco na FICOR 2012: a valorização do
papel do sobreiro no quadro da “Década da Biodiversidade”, declarada pelas
Nações Unidas.
O pagamento dos serviços do
ecossistema é um outro assunto que vai marcar o debate na FICOR e que estará no
topo da agenda da Conferência RIO+20. No futuro, segundo afirmam alguns
subericultores, a sustentabilidade do montado será assegurada pela cortiça e,
também, pela remuneração dos serviços públicos do ecossistema. O trabalho que
tem sido desenvolvido no montado da Companhia das Lezírias é disso um bom
exemplo. Em termos simplistas, a gestão da Companhia das Lezírias visa compatibilizar
a conservação da biodiversidade com a produção silvo-pastoril, numa mudança do tradicional
sistema agro-silvo-pastoril para um sustentável sistema bio-silvo-pastoril.
De facto, existe um mundo de
oportunidades para o sobreiro e para os produtos de cortiça, desde a tradicional
rolha à moderna indústria química e de compósitos. Com uma aposta forte na
qualidade e na inovação (o produto “CorkSorb”,
desenvolvido pela Corticeira Amorim, ganhou, recentemente, o prémio do concurso
nacional Inovação COTEC) e na promoção internacional das vantagens comparativas
da cortiça para a Economia Verde, acredito que o sector poderá aumentar as
exportações e continuar na senda do crescimento. A boa aceitação que os
produtos de cortiça para a construção têm recebido nos mercados internacionais,
mostram que é esse o rumo a seguir.
Mas, para que o futuro se
concretize, Portugal precisa de uma estratégia
de longo prazo para a fileira da cortiça. Uma estratégia que identifique,
claramente, o papel do Estado, da produção, da investigação e da indústria no
desenvolvimento do sector. É por toda esta envolvência que o
sobreiro e o sector corticeiro são estratégicos para Portugal.
Termino com uma “frase lapidar” do Deputado Miguel Freitas, o primeiro subscritor da Resolução da Assembleia da Republica que instituiu o sobreiro como árvore nacional: “A partir de agora, sempre que abaterem um sobreiro, não se abate apenas uma espécie protegida, abate-se um símbolo da nação”.
Termino com uma “frase lapidar” do Deputado Miguel Freitas, o primeiro subscritor da Resolução da Assembleia da Republica que instituiu o sobreiro como árvore nacional: “A partir de agora, sempre que abaterem um sobreiro, não se abate apenas uma espécie protegida, abate-se um símbolo da nação”.
Miguel Galante(Eng. Florestal)
Publicado na Gazeta Rural, edição n.º 178 (Mai.2012)