quarta-feira, 16 de outubro de 2013

As lições de 2013

O período crítico de incêndios florestais chegou ao fim com mais um ano negro para a floresta portuguesa. Com cerca de 135.000 ha de área ardida contabilizados no final de Setembro, 2013 apresenta a pior registo desde 2005 e confirma a tendência dos últimos anos de agravamento do problema dos incêndios florestais em Portugal. Num primeiro “rescaldo” analítico, destacaria três lições a retirar dos incêndios florestais em 2013.

Lição 1: O reforço do peso orçamental do combate aos incêndios florestais - a verba do Orçamento de Estado atribuída este ano à Protecção Civil teve um acréscimo de 5%, não contribuiu para reduzir a área ardida. Existem estudos científicos que concluem que a concentração dos gastos no combate aos incêndios florestais, em detrimento da prevenção, tem efeitos perversos a longo-prazo, levando a um aumento da intensidade dos fogos.

Lição 2: Mantem-se uma excessiva dependência das condições meteorológicas, que associada a um elevado número de incêndios, determinou que na segunda quinzena de Agosto tenha ardido mais de metade do total contabilizado até final de Setembro. Foi neste período que se perdeu a guerra e pôs a descoberto as muitas fragilidades ainda existentes no combate aos grandes incêndios florestais.

Lição 3: Os incêndios de grandes proporções, como aquele de devastou a serra do Caramulo, dado o elevado grau de complexidade que apresentam, carecem de equipas pluridisciplinares especializadas na organização do combate. Este ano, 51 grandes incêndios (com área superior a 500 ha) foram responsáveis por mais de 60% da área ardida.

Portugal a arder visto do espaço - 29 de Agosto de 2013
(a coluna de fumo tem origem no incêndio do Caramulo)

Numa leitura mais estrutural, dificilmente compreendo a perda de força do ICNF, enquanto estrutura de coordenação do pilar da prevenção, que tem estas competências alojadas numa “mera” divisão orgânica. Este é um sinal claro da pouca importância que o actual Governo atribuiu a este domínio da intervenção pública tão importante para a sustentabilidade da floresta portuguesa.

E o resultado é evidente. As autarquias que devem assumir um papel de primeira linha na prevenção dos incêndios florestais não estão integradas numa politica nacional (ou regional) de prevenção de incêndios florestais, o que agravou a atomização da intervenção e a consequente definição de prioridades na alocação dos dinheiros públicos destinados à prevenção dos incêndios florestais.

Mas, na essência, porque continuam a arder as florestas em Portugal? O estudo coordenado pela Universidade de Aveiro é claro nas suas conclusões - "Portugal dispõe de orientações nacionais e instrumentos de planeamento para uma gestão florestal sustentável, mas é geral o desconhecimento e a reduzida participação dos proprietários nos processos de decisão", afirmou a Prof. Celeste Coelho. Conclusões objectivas e assertivas que devem merecer uma reflexão séria da parte da Assembleia da República, do poder político e também dos agentes do sector.

Ou seja, numa floresta maioritariamente privada, o Estado desenvolveu desde 2006 o enquadramento político, legal e institucional da politica de Defesa de Defesa da Floresta Contra Incêndios, mas tarda a sua efectiva concretização no terreno, apesar da existência de um Plano Nacional e dos muitos milhões de euros disponibilizados para o efeito no ProDeR.

Na prática, as reestruturações operadas quer nos Serviços Florestais, quer nos Ministérios (com a separação do Ministério da Agricultura do Ministério do Ambiente, actualmente, o ICNF tem “dupla Tutela”…), têm condicionado a capacidade de transposição das politicas para o terreno. Depois, o afastamento dos técnicos florestais do combate aos incêndios florestais. Uma decisão política que tenho dificuldade em compreender, quando Portugal precisa exactamente do oposto, de criar um corpo técnico especializado, estável e integrado na estrutura de combate aos incêndios florestais para abordar com sucesso o combate a incêndios com dimensões cada vez maiores e de um grau de complexidade crescente. Um estudo recentemente publicado por investigadores da Universidade do Minho[1], que analisa os grandes incêndios nos últimos 30 anos, é claro quanto ao aumento das dimensões dos grandes incêndios nos últimos dez anos.

Mas, nem tudo são más noticias. Está em curso um projecto de investigação (FIRE-ENGINE), enquadrado no programa MIT-Portugal, que visa encontrar novos modelos mais flexíveis para apoiar as decisões de políticas públicas e estratégias de operações no sistema de gestão de prevenção e combate a incêndios florestais, por exemplo, no sentido de permitir uma gestão mais eficiente na alocação dos meios de combate consoante a probabilidade de ocorrências, baseada em factores climáticos e geográficos.

É imperativo voltar a investir na prevenção. Aprofundar a cooperação com os proprietários florestais e com as suas organizações, no sentido da promoção de uma gestão florestal profissional. Aliás, tem sido o caminho seguido com sucesso há muitos anos no Sul de França – a aposta na promoção da gestão florestal e da silvicultura preventiva como principal vector para a prevenção dos incêndios florestais. E, para isso, o envolvimento activo dos principais interessados, os "donos das matas”, é fundamental.

E é este caminho que Portugal tem de retomar urgentemente – a adopção de políticas de prevenção de incidência local, adaptadas às especificidades sociais e biofísicas de cada território. Um caminho que exige uma maior intervenção técnica da parte das organizações de produtores florestais e dos Municípios, nomeadamente das Comissões Municipais, na coordenação da actuação dos vários agentes presentes no terreno.

Sinceramente, espero que os Executivos Municipais que resultaram das eleições autárquicas de 29 de Setembro reconheçam a importância dos recursos florestais e inscrevam a Defesa da Floresta Contra Incêndios como uma prioridade na acção governativa. Espero, também, que o Grupo de Trabalho constituído na Assembleia da República analise os incêndios de 2013 e, produza um conjunto de recomendações para que o Governo retome o processo desencadeado em 2006 da consolidação de uma estratégia nacional para a prevenção dos incêndios.

Termino com uma palavra de pesar para as famílias enlutadas das mulheres e homens que perderam a vida este ano em consequência dos incêndios florestais. No caso particular dos oito bombeiros falecidos, julgo que valia a pena, de uma vez por todas, avançar na estruturação de um gabinete de estudos destes acidentes alicerçado na ANPC/Escola Nacional de Bombeiros para retirar as necessárias lições e evitar acidentes semelhantes no futuro.

Miguel Galante
(Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 211 (16.10.2013)



[1] FERREIRA-LEITE, Flora et al. Grandes Incêndios Florestais em Portugal Continental como Resultado das Perturbações nos Regimes de Fogo no Mundo Mediterrâneo. Silva Lus., Lisboa, v. 21, n. Especial, jun. 2013 .