O período crítico de incêndios
florestais chegou ao fim com mais um ano negro para a floresta portuguesa. Com cerca
de 135.000 ha de área ardida contabilizados no final de Setembro, 2013 apresenta
a pior registo desde 2005 e confirma a tendência dos últimos anos de
agravamento do problema dos incêndios florestais em Portugal. Num primeiro
“rescaldo” analítico, destacaria três lições a retirar dos incêndios florestais
em 2013.
Lição 1: O reforço do peso
orçamental do combate aos incêndios florestais - a verba do Orçamento de Estado
atribuída este ano à Protecção Civil teve um acréscimo de 5%, não contribuiu
para reduzir a área ardida. Existem estudos científicos que concluem que a
concentração dos gastos no combate aos incêndios florestais, em detrimento da
prevenção, tem efeitos perversos a longo-prazo, levando a um aumento da
intensidade dos fogos.
Lição 2: Mantem-se uma excessiva
dependência das condições meteorológicas, que associada a um elevado número de
incêndios, determinou que na segunda quinzena de Agosto tenha ardido mais de
metade do total contabilizado até final de Setembro. Foi neste período que se
perdeu a guerra e pôs a descoberto as muitas fragilidades ainda existentes no
combate aos grandes incêndios florestais.
Lição 3: Os incêndios de grandes
proporções, como aquele de devastou a serra do Caramulo, dado o elevado grau de
complexidade que apresentam, carecem de equipas pluridisciplinares especializadas
na organização do combate. Este ano, 51 grandes incêndios (com área superior a
500 ha) foram responsáveis por mais de 60% da área ardida.
Portugal a arder visto do espaço - 29 de Agosto de 2013 (a coluna de fumo tem origem no incêndio do Caramulo) |
Numa leitura mais estrutural, dificilmente
compreendo a perda de força do ICNF, enquanto estrutura de coordenação do pilar
da prevenção, que tem estas competências alojadas numa “mera” divisão orgânica.
Este é um sinal claro da pouca importância que o actual Governo atribuiu a este
domínio da intervenção pública tão importante para a sustentabilidade da
floresta portuguesa.
E o resultado é evidente. As
autarquias que devem assumir um papel de primeira linha na prevenção dos
incêndios florestais não estão integradas numa politica nacional (ou regional)
de prevenção de incêndios florestais, o que agravou a atomização da intervenção
e a consequente definição de prioridades na alocação dos dinheiros públicos
destinados à prevenção dos incêndios florestais.
Mas, na essência, porque continuam
a arder as florestas em Portugal? O estudo coordenado pela Universidade de
Aveiro é claro nas suas conclusões - "Portugal
dispõe de orientações nacionais e instrumentos de planeamento para uma gestão
florestal sustentável, mas é geral o desconhecimento e a reduzida participação
dos proprietários nos processos de decisão", afirmou a Prof. Celeste
Coelho. Conclusões objectivas e assertivas que devem merecer uma reflexão séria
da parte da Assembleia da República, do poder político e também dos agentes do
sector.
Ou seja, numa floresta
maioritariamente privada, o Estado desenvolveu desde 2006 o enquadramento político,
legal e institucional da politica de Defesa de Defesa da Floresta Contra
Incêndios, mas tarda a sua efectiva concretização no terreno, apesar da
existência de um Plano Nacional e dos muitos milhões de euros disponibilizados
para o efeito no ProDeR.
Na prática, as reestruturações
operadas quer nos Serviços Florestais, quer nos Ministérios (com a separação do
Ministério da Agricultura do Ministério do Ambiente, actualmente, o ICNF tem
“dupla Tutela”…), têm condicionado a capacidade de transposição das politicas para
o terreno. Depois, o afastamento dos técnicos florestais do combate aos
incêndios florestais. Uma decisão política que tenho dificuldade em compreender,
quando Portugal precisa exactamente do oposto, de criar um corpo técnico
especializado, estável e integrado na estrutura de combate aos incêndios
florestais para abordar com sucesso o combate a incêndios com dimensões cada
vez maiores e de um grau de complexidade crescente. Um estudo recentemente
publicado por investigadores da Universidade do Minho[1],
que analisa os grandes incêndios nos últimos 30 anos, é claro quanto ao aumento
das dimensões dos grandes incêndios nos últimos dez anos.
Mas, nem tudo são más noticias.
Está em curso um projecto de investigação (FIRE-ENGINE), enquadrado no programa
MIT-Portugal, que visa encontrar novos modelos mais flexíveis para apoiar as decisões
de políticas públicas e estratégias de operações no sistema de gestão de
prevenção e combate a incêndios florestais, por exemplo, no sentido de permitir
uma gestão mais eficiente na alocação dos meios de combate consoante a
probabilidade de ocorrências, baseada em factores climáticos e geográficos.
É imperativo voltar a investir na
prevenção. Aprofundar a cooperação com os proprietários florestais e com as
suas organizações, no sentido da promoção de uma gestão florestal profissional.
Aliás, tem sido o caminho seguido com sucesso há muitos anos no Sul de França –
a aposta na promoção da gestão florestal e da silvicultura preventiva como
principal vector para a prevenção dos incêndios florestais. E, para isso, o
envolvimento activo dos principais interessados, os "donos das matas”, é
fundamental.
E é este caminho que Portugal tem
de retomar urgentemente – a adopção de políticas de prevenção de incidência
local, adaptadas às especificidades sociais e biofísicas de cada território. Um
caminho que exige uma maior intervenção técnica da parte das organizações de
produtores florestais e dos Municípios, nomeadamente das Comissões Municipais, na
coordenação da actuação dos vários agentes presentes no terreno.
Sinceramente, espero que os
Executivos Municipais que resultaram das eleições autárquicas de 29 de Setembro
reconheçam a importância dos recursos florestais e inscrevam a Defesa da
Floresta Contra Incêndios como uma prioridade na acção governativa. Espero,
também, que o Grupo de Trabalho constituído na Assembleia da República analise
os incêndios de 2013 e, produza um conjunto de recomendações para que o Governo
retome o processo desencadeado em 2006 da consolidação de uma estratégia nacional
para a prevenção dos incêndios.
Termino com uma palavra de pesar
para as famílias enlutadas das mulheres e homens que perderam a vida este ano
em consequência dos incêndios florestais. No caso particular dos oito bombeiros
falecidos, julgo que valia a pena, de uma vez por todas, avançar na
estruturação de um gabinete de estudos destes acidentes alicerçado na
ANPC/Escola Nacional de Bombeiros para retirar as necessárias lições e evitar
acidentes semelhantes no futuro.
Miguel Galante
(Eng. Florestal)
(Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 211 (16.10.2013)
[1] FERREIRA-LEITE, Flora et al. Grandes Incêndios Florestais em
Portugal Continental como Resultado das Perturbações nos Regimes de Fogo no
Mundo Mediterrâneo. Silva Lus., Lisboa, v. 21, n. Especial, jun. 2013 .