O Banco de Portugal apresentou no final de Janeiro um estudo
em que analisa a situação económica e financeira das empresas dos Setores da
Madeira, da Cortiça e do Papel no período 2010-2015, e que merece um olhar
atento sobre um setor da actividade económica que no final do 1.º semestre de
2015 era o quinto principal setor exportador da nossa economia e representava
7,9% das exportações de bens.
Trata-se de uma análise setorial que surge num momento
oportuno, de início de um novo ciclo político e que deve olhar para a floresta
como um setor estratégico para a revitalização da economia nacional. O estudo
do Banco de Portugal, ainda que de forma bastante sintética, apresenta um
retrato objetivo da actividade económica empresarial do setor e permite uma
visão clara das quatro componentes principais que o compõem: as empresas de
silvicultura, a montante, e a jusante o segmento transformador da Madeira e Mobiliário,
da Cortiça e do Papel.
Numa primeira leitura, evidencia-se a recuperação da crise
económica internacional que afetou o setor em 2008-2010 e que fruto de um
conjunto de medidas tomadas na altura (recordo o Plano de Apoio à Industria da
Cortiça de 2009, que constituiu a alavanca para o setor enfrentar a crise),
hoje apresenta-se em ascensão, como sublinha João Ferreira do Amaral,
Presidente da Associação das Industrias da Fileira Florestal (AIFF). Os números
da actividade económica falam por si: o volume de negócios dos setores da
madeira, cortiça e papel cresceu cerca de 5% em 2015, mais 3% do que o conjunto
das empresas nacionais.
Apesar das boas notícias, uma leitura mais fina do estudo aponta
um conjunto de situações que importa ter em linha de conta na perspectiva do
desenvolvimento sustentável do Setor Florestal em Portugal. Desde logo a
natureza distintiva das características do tecido empresarial de cada segmento,
com destaque para o conjunto de microempresas empresas de silvicultura (mais de
80% das empresas deste ramo), que operam muitas vezes sem respeito pelas
condições de segurança do trabalho florestal e que podem condicionar, no médio
prazo, a necessária aposta na certificação florestal da cadeia de valor. Este é
um aspeto que realça ainda mais a urgência de regulamentação desta actividade,
através da obrigatoriedade do “alvará florestal” que há anos é reivindicado
pela ANEFA.
Na vertente industrial, os subsetores da Cortiça e do Papel revelam
fileiras consolidadas, com estruturas bem definida e com empresas líderes de
mercado, já no subsetor da Madeira e Mobiliário (a “fileira do pinho”), são
muitos os problemas que subsistem.
Esta é uma nota importante, pois este subsetor congrega cerca
de 60% do emprego e das empresas que laboram no Setor Florestal, assente num
tecido empresarial onde as PME assumem um peso relevante (os gastos com pessoal
registam o maior peso relativo dos 4 subsetores, com 20%) e com maior
concentração nos distritos de Coimbra e Castelo Branco, territórios de
interior, onde o emprego é um fator critico para a fixação de população.
Em 2014, segundo o estudo em análise, o rácio de autonomia
financeira das empresas do subsetor da Madeira e Mobiliário cifrava-se em 33%,
o que implica uma dependência de capital alheio e passivos preocupantes e que
contribuem para um elevado nível de pressão financeira que pode condicionar no
médio-longo prazo a sustentabilidade desta fileira, que era era apontada no
famoso Relatório Porter, de 1992,
como um dos clusters (produtos
florestais) em que Portugal apresentava uma vantagem competitiva.
Não obstante o investimento realizado neste subsetor na
inovação tecnológica e no design e
que tem permitido um registo interessante nos mercados externos e o
desenvolvimento da indústria do mobiliário na “capital do móvel” (Paredes e
Paços de Ferreira), a montante, a indústria de serração e a silvicultura do
pinho continuam a definhar.
Ainda recentemente, em Vouzela, o Secretário de Estado das
Florestas sinalizou a persistência das debilidades na gestão da floresta,
nomeadamente no pinhal, que contribui para que sejam criadas condições para a
propagação de incêndios e para a proliferação de problemas fitossanitárias, com
natural destaque para o Nemátodo da Madeira do Pinheiro.
Apesar de todas estas fragilidades, a fileira
floresta-madeira-móvel constitui um setor em que Portugal deve apostar. O
programa do Governo aponta o reforço do ordenamento florestal e da
produtividade das principais fileiras silvo-industriais, o apoio à melhoria das
organizações de produtores e da gestão interprofissional como linhas
orientadoras para o desenvolvimento do Setor Florestal.
E é nesse sentido que termino com palavras do Presidente da
AIFF, que corroboro: “Existe grande
capacidade empresarial e de inovação no setor florestal. Há condições para
manter e até desenvolver estas capacidades. O ponto essencial é que a produção
florestal consiga ter as condições para corresponder com mais e melhor madeira
e mais e melhor cortiça”.
A floresta está na base de uma actividade económica que em
2014 representava cerca de sete mil empresas (2% das empresas portuguesas) e geria
3% do volume de negócios e de número de pessoas empregadas em Portugal. No
entanto, faltam as medidas concretas para concretizar a floresta como um
recurso económico com futuro aos seus proprietários, para atrair investimento e
gerar mais riqueza. Veremos que anúncios o Governo fará por ocasião das
comemorações do Dia Internacional das Florestas, pois está na hora de passar
das palavras à ação!
Miguel Galante (Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 266 (16.3.2016)