quarta-feira, 16 de março de 2016

A floresta, uma atividade económica com futuro

O Banco de Portugal apresentou no final de Janeiro um estudo em que analisa a situação económica e financeira das empresas dos Setores da Madeira, da Cortiça e do Papel no período 2010-2015, e que merece um olhar atento sobre um setor da actividade económica que no final do 1.º semestre de 2015 era o quinto principal setor exportador da nossa economia e representava 7,9% das exportações de bens.

Moeda comemorativa da Presidência Portuguesa da União Europeia de 2007.
A face nacional contém, ao centro, a representação do sobreiro, simbolizando uma das maiores fontes de riqueza nacional. (fonte: INCM)


Trata-se de uma análise setorial que surge num momento oportuno, de início de um novo ciclo político e que deve olhar para a floresta como um setor estratégico para a revitalização da economia nacional. O estudo do Banco de Portugal, ainda que de forma bastante sintética, apresenta um retrato objetivo da actividade económica empresarial do setor e permite uma visão clara das quatro componentes principais que o compõem: as empresas de silvicultura, a montante, e a jusante o segmento transformador da Madeira e Mobiliário, da Cortiça e do Papel.

Numa primeira leitura, evidencia-se a recuperação da crise económica internacional que afetou o setor em 2008-2010 e que fruto de um conjunto de medidas tomadas na altura (recordo o Plano de Apoio à Industria da Cortiça de 2009, que constituiu a alavanca para o setor enfrentar a crise), hoje apresenta-se em ascensão, como sublinha João Ferreira do Amaral, Presidente da Associação das Industrias da Fileira Florestal (AIFF). Os números da actividade económica falam por si: o volume de negócios dos setores da madeira, cortiça e papel cresceu cerca de 5% em 2015, mais 3% do que o conjunto das empresas nacionais.

Apesar das boas notícias, uma leitura mais fina do estudo aponta um conjunto de situações que importa ter em linha de conta na perspectiva do desenvolvimento sustentável do Setor Florestal em Portugal. Desde logo a natureza distintiva das características do tecido empresarial de cada segmento, com destaque para o conjunto de microempresas empresas de silvicultura (mais de 80% das empresas deste ramo), que operam muitas vezes sem respeito pelas condições de segurança do trabalho florestal e que podem condicionar, no médio prazo, a necessária aposta na certificação florestal da cadeia de valor. Este é um aspeto que realça ainda mais a urgência de regulamentação desta actividade, através da obrigatoriedade do “alvará florestal” que há anos é reivindicado pela ANEFA.
Na vertente industrial, os subsetores da Cortiça e do Papel revelam fileiras consolidadas, com estruturas bem definida e com empresas líderes de mercado, já no subsetor da Madeira e Mobiliário (a “fileira do pinho”), são muitos os problemas que subsistem.

Esta é uma nota importante, pois este subsetor congrega cerca de 60% do emprego e das empresas que laboram no Setor Florestal, assente num tecido empresarial onde as PME assumem um peso relevante (os gastos com pessoal registam o maior peso relativo dos 4 subsetores, com 20%) e com maior concentração nos distritos de Coimbra e Castelo Branco, territórios de interior, onde o emprego é um fator critico para a fixação de população.

Em 2014, segundo o estudo em análise, o rácio de autonomia financeira das empresas do subsetor da Madeira e Mobiliário cifrava-se em 33%, o que implica uma dependência de capital alheio e passivos preocupantes e que contribuem para um elevado nível de pressão financeira que pode condicionar no médio-longo prazo a sustentabilidade desta fileira, que era era apontada no famoso Relatório Porter, de 1992, como um dos clusters (produtos florestais) em que Portugal apresentava uma vantagem competitiva.

Não obstante o investimento realizado neste subsetor na inovação tecnológica e no design e que tem permitido um registo interessante nos mercados externos e o desenvolvimento da indústria do mobiliário na “capital do móvel” (Paredes e Paços de Ferreira), a montante, a indústria de serração e a silvicultura do pinho continuam a definhar.

Ainda recentemente, em Vouzela, o Secretário de Estado das Florestas sinalizou a persistência das debilidades na gestão da floresta, nomeadamente no pinhal, que contribui para que sejam criadas condições para a propagação de incêndios e para a proliferação de problemas fitossanitárias, com natural destaque para o Nemátodo da Madeira do Pinheiro.

Apesar de todas estas fragilidades, a fileira floresta-madeira-móvel constitui um setor em que Portugal deve apostar. O programa do Governo aponta o reforço do ordenamento florestal e da produtividade das principais fileiras silvo-industriais, o apoio à melhoria das organizações de produtores e da gestão interprofissional como linhas orientadoras para o desenvolvimento do Setor Florestal.

E é nesse sentido que termino com palavras do Presidente da AIFF, que corroboro: “Existe grande capacidade empresarial e de inovação no setor florestal. Há condições para manter e até desenvolver estas capacidades. O ponto essencial é que a produção florestal consiga ter as condições para corresponder com mais e melhor madeira e mais e melhor cortiça”.

A floresta está na base de uma actividade económica que em 2014 representava cerca de sete mil empresas (2% das empresas portuguesas) e geria 3% do volume de negócios e de número de pessoas empregadas em Portugal. No entanto, faltam as medidas concretas para concretizar a floresta como um recurso económico com futuro aos seus proprietários, para atrair investimento e gerar mais riqueza. Veremos que anúncios o Governo fará por ocasião das comemorações do Dia Internacional das Florestas, pois está na hora de passar das palavras à ação!

Miguel Galante (Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 266 (16.3.2016)