domingo, 28 de fevereiro de 2016

PDR 2020, um instrumento de apoio à recuperação da floresta?

Amândio Torres, Secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural, anunciou há dias, na primeira reunião do Conselho Florestal Nacional, o objectivo do Governo de recuperar 150 mil hectares de floresta no prazo de duas legislaturas. Ainda que apresentado de uma forma vaga, este é um objectivo importante, sobretudo quando o ultimo inventário florestal nacional reporta a regressão da área florestal em Portugal e sinaliza a degradação da floresta existente.

Para concretizar esta desejável reabilitação da floresta, importa recorrer aos fundos comunitários para estimular o investimento na gestão florestal e também em novas arborizações. Na programação do PDR 2020 foram canalizados cerca de 540 milhões de euros de financiamento público para o sector florestal, representando 13% dos fundos europeus desse programa operacional e um aumento do envelope financeiro superior a 10% comparativamente ao ProDeR. Trata-se, portanto, de uma verba significativa que pode (e deve) contribuir, de forma relevante, para alavancar o investimento produtivo na floresta.


No entanto, conforme alertou recentemente a ANEFA em comunicado, uma parte significativa dessa verba já está comprometida. Os próprios documentos da Autoridade de Gestão do PDR 2020 são claros quanto aos valores já comprometidos no período de transição – 215 milhões de euros, ou seja, quase metade da verba destinada ao apoio do setor florestal.

Contudo, uma leitura com maior profundidade evidencia um problema maior, ou seja, mais de 212 milhões de euros estão comprometidos com os apoios destinados à Medida 8 “Proteção e reabilitação de povoamentos florestais”, onde se inscrevem as linhas de apoio ao investimento na gestão activa da floresta, mas também o financiamento da protecção da floresta contra os incêndios e contra os agentes bióticos. Esta situação levanta um sério problema de capacidade efectiva de realização de investimento privado na gestão florestal, pois verifica-se que cerca de metade da verba destinada para esta Medida transitou comprometida nas linhas destinadas à protecção florestal quando ainda não chegámos a meio do período de execução do PDR 2020. Aliás, impunha-se que a Autoridade de Gestão do PDR 2020 publicasse, de forma sistemática, informação atualizada da verba comprometida e das verbas ainda disponíveis nas várias linhas de apoio.

Ainda tendo presente os objectivos apresentados pelo Secretário de Estado das Florestas, existe um outro aspeto que importa ter em linha de conta – o desinteresse na realização de novas arborizações. Na vigência do ProDeR, segundo dados oficiais, pouco mais de 16.000 hectares foram florestados com recurso aos apoios comunitários, o que revela uma perda muito significativa da dinâmica de florestação registada no âmbito do Reg. (CEE) n.º 2080/92. É muito pouco, diria mesmo, demasiado pouco para um setor da actividade económica que tem uma indústria de base florestal forte, geradora de riqueza para o País e com capacidade de produção instalada, mas que se vê confrontada com um deficit de crescente matéria-prima nacional para laborar.

De igual modo, importa perceber se o actual Governo vai manter inalterado o regulamento do Fundo Florestal Permanente. Nos moldes em que foi desenhado pelo anterior Governo em pouco contribuía para um apoio efectivo da floresta portuguesa, permitindo até canalizar verbas para “financiar” a comparticipação nacional dos apoios públicos das Medidas Florestais do PDR 2020, contrariando os propósitos que estiveram subjacentes à criação deste fundo de financiamento do setor florestal inscritos na Lei de Bases da Política Florestal e no diploma que o criou em 2004.

Em suma, quando o Governo assume uma aposta forte nas principais fileiras florestais seria importante que a evolução recente do setor e os problemas estruturais que continuam a condicionar o desenvolvimento da floresta portuguesa, associado ao longo retorno do investimento realizado, fossem bem ponderados antes de apontar publicamente metas concretas. Embora ambiciosa, considero que a meta anunciada é desejável e exequível no prazo apontado.

Competirá agora ao actual Governo ter o engenho e a vontade política necessárias para encetar a apregoada “Reforma estrutural do setor florestal” e para dotar o PDR 2020 de capacidade efectiva de apoiar essa reforma, reprogramando as verbas associadas às Medidas Florestais se necessário.

O PDR 2020 (e em certa medida também o Fundo Florestal Permanente) deve constituir um instrumento central no financiamento da política florestal em Portugal. Nessa perspetiva, era importante que em 2016 fossem dados claros sinais políticos nesse sentido, criando a necessária base de confiança para quem pretender investir na floresta em Portugal.

Miguel Galante (Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 264 (15.2.2016)