domingo, 14 de junho de 2015

Fundo Florestal Permanente com novo regulamento, mas… o que inova?

O Fundo Florestal Permanente, criado em 2004, emana da Lei de Bases da Política Florestal de 1996. Constituído nessa altura como um organismo autónomo destinado para promover o investimento, a gestão e o ordenamento florestal, actualmente este fundo financeiro público é gerido pelo Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), sendo o seu financiamento assegurado por uma “eco-taxa” (concretamente, um adicional do imposto sobre o consumo de produtos petrolíferos e energéticos) que gera cerca de 20-22 milhões de euros anuais.

O Fundo Florestal Permanente "nasceu" da Reforma Estrutural do Setor Florestal emanada dos grandes incêndios de 2003


O Governo publicou na Portaria n.º 77/2015, de 16 de março, um novo regulamento de gestão do Fundo Florestal Permanente (FFP) com o objetivo de promover a simplificação das regras aplicáveis ao procedimento concursal e à formalização da atribuição dos apoios, introduzindo o regime forfetário de pagamento de apoios ao funcionamento das equipas de sapadores florestais. O novo regulamento também estabelece uma alteração no quadro de elegibilidade das ações a financiar, em reforço e complementaridade com o Programa de Desenvolvimento Rural (PDR2020) e autonomiza a competência para a decisão e controlo da execução das candidaturas de que o ICNF, I. P. seja beneficiário, sendo criada para o efeito a Comissão de Acompanhamento e Análise de Candidaturas (CAAC).

Portanto, evidencia-se que o Governo pretende inovar este instrumento financeiro de apoio ao setor florestal. No entanto, para uma análise mais fina sobre o novo regulamento do FFP importa fazer um pouco de retrospectiva na vigência do atual Governo e nessa perspetiva, sobressai na linha cronológica a “manchete” que a ministra da Agricultura Assunção Cristas fez, em Novembro de 2011, quando foi ao Parlamento determinar uma auditoria sobre este Fundo para “averiguar como foi usado o dinheiro”.

O resultado da auditoria realizada pela Inspeção-Geral do Ministério da Agricultura não deu provimento às suspeitas panfletárias da Ministra Cristas, tendo tecido nas suas recomendações que o Governo “reflectisse sobre a manutenção das despesas de funcionamento das equipas de sapadores florestais e dos gabinetes técnicos florestais no Fundo Florestal Permanente”, despesas que no seu conjunto representam uma parte muito significativa das verbas distribuídas anualmente e que verificamos com alguma surpresa que são mantidas neste novo regulamento no eixo II “Defesa da Floresta Contra Incêndios”.

Também não posso deixar de comentar uma das principais inovações introduzidas no novo regulamento: a criação da Comissão de Acompanhamento e Análise de Candidaturas. Sem questionar a bondade que presidiu à criação desta “unidade externa” de aprovação, fiscalização e acompanhamento dos projetos da responsabilidade do ICNF - uma comissão constituída por dois (!) elementos, um nomeado pelo IFAP que preside e um outro nomeado pelo membro do governo que tutela as florestas que garante o quorum – sim, porque em caso de desempate entre ambos, o presidente da referida Comissão tem voto de qualidade… resulta numa formulação caricata e muito pouco transparente para a aplicação dos dinheiros públicos.

Ainda sobre a transparência e rigor, recorde-se que esta foi a grande preocupação da Ministra Cristas sobre a gestão do Fundo Florestal Permanente. No entanto, numa consulta da página do ICNF, a entidade gestora do FFP, constata-se que nada existe sobre o destino dado a estes dinheiros públicos, nem é possível escrutinar o plano de actividades para 2015, o que, aliás, contraria as disposições regulamentares.

Mas, voltemos ao novo regulamento e aqui quero lamentar, de forma bem vincada, a ausência dos apoios ao associativismo florestal, uma reivindicação antiga do sector e que passo a citar: “A Forestis defende que os serviços de Extensão Florestal (serviços de transferência de conhecimento e tecnologia aos proprietários) sejam contratualizados com as OPF, com recurso ao Fundo Florestal Permanente através de um Contrato Programa onde, para além da Extensão Florestal, se prevejam outros serviços de apoio aos proprietários. Este programa deve ser contratualizado para um período de cinco anos com avaliações intermédias de execução.”. Uma proposta de intervenção válida e que ganha nova força com a aprovação da nova Estratégia Nacional para as Florestas e com a entrada em vigor do novo PDR 2020.

Por outro lado, este novo regulamento abre a porta para canalizar verbas para suportar a componente nacional da comparticipação pública dos projectos apoiados no PDR 2020, ao arrepio das disposições inscritas no seu diploma fundador, o Decreto-lei n.º 63/2004, de 22 de março. Por aqui se percebe as intenções do Governo na gestão dos dinheiros angariados para o Fundo Florestal Permanente.

Termino com aquela que a meu ver é a principal questão de fundo: Será que os agentes do setor se revêem neste novo regulamento? A verdade é que não lhes foi dada a oportunidade para se pronunciarem, de modo formal (leia-se, colegial), sobre este importante instrumento financeiro de apoio do sector florestal, pois não foi previamente apreciado em sede do Conselho Florestal Nacional (CFN).

O Conselho Florestal Nacional foi instituído pelo Decreto-lei n.º 29/2015, de 10 de Fevereiro, como um órgão de consulta na área das florestas, que funciona junto do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, e ao qual compete pronunciar-se sobre a definição da política florestal nacional, nomeadamente sobre as medidas e os principais instrumentos de execução desta política. No entanto, o CFN não foi convocado para este efeito, sublinho.

Será que esta aprovação apressada do novo regulamento do FFP foi motivada pelo “financiamento inicial” dos novéis Centros de Competências do setor florestal criados pelo Ministério de Assunção Cristas em ano de eleições? Esta nova tipologia de financiamento constitui uma outra inovação no regulamento do FFP. Não faço aqui qualquer juízo de valor sobre a criação destes Centros de Competências, apenas questiono o modelo de financiamento adotado. Num Governo que tem revelado uma postura (ultra)liberal, verifica-se que afinal vai ser o erário público a financiar a instalação destes centros de conhecimento, que, no entanto, irão beneficiar toda a fileira florestal, quer a montante, na produção, como a jusante, na transformação e comercialização. Não seria mais justo um modelo de financiamento assente numa partilha de custos entre setor publico e setor privado, aliás à semelhança do que sucede na Suécia, por exemplo? Fica a nota para reflexão.

Embora o novo regulamento do FFP seja uma matéria da exclusiva competência do Governo, dada a ausência de um processo de auscultação formal dos agentes do setor florestal, sou da opinião que este normativo regulamentar merecia ser analisado, em detalhe, em sede parlamentar, nomeadamente sobre os potenciais ganhos de eficácia introduzidos na simplificação burocrática proposta e sobre os impactos positivos que são esperados ocorrer no setor florestal com a aplicação destas verbas do erário público. Em ano de eleições, sem um plano de actividades aprovado e publicamente publicitado, existe um risco elevado do Fundo Florestal Permanente servir como um instrumento político ao sabor das decisões emanadas a partir do Terreiro do Paço.


Miguel Galante (14.4.2015)(Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 245 (Abr. 2015)

quinta-feira, 19 de março de 2015

A floresta no centro dos desafios das alterações climáticas

As Nações Unidas elegeram o papel das florestas no combate às alterações climáticas como o tema para as celebrações do Dia Internacional das Florestas em 2015. As mudanças climáticas constituem a maior ameaça ambiental do século XXI, com consequências profundas e transversais em vários domínios da sociedade.


A Mata Nacional das Terras da Ordem, em Odeleite, está numa das zonas mais afetadas pelas alterações climáticas 

Os estudos realizados em Portugal nos projetos SIAM I e II evidenciam que as alterações climáticas irão produzir impactos particularmente gravosos nas florestas, por via do aumento da temperatura e sobretudo da redução da precipitação. De acordo com esses estudos, nas florestas haverá alterações da produtividade dos povoamentos florestais e da distribuição geográfica das espécies florestais, que tenderão a migrar de sul para norte e do interior para o litoral. A investigação concluiu também que existe um risco acrescido de aparecimento de novas pragas e de agravamento dos incêndios florestais, em resultado de um clima mais quente e seco.

Nas principais espécies florestais do nosso coberto florestal, prevê-se uma redução da produtividade que no pinheiro-bravo, com excepção do norte litoral, onde poderá aumentar 10%, será compreendida entre 27% no centro litoral e acima de 50% no sul. No eucalipto, a produtividade também pode aumentar em cerca de 10% no norte litoral, mas no coração da área de produção – a região centro a diminuição da produtividade ser generalizada (mais acentuada no centro interior (-30%) do que na região litoral (cerca de -15%)). Nestas duas espécies, os estudos realizados indicam uma diminuição da área de distribuição potencial, com retração significativa a sul e aumento nas zonas de maior altitude.

No caso do sobreiro, a produtividade primária líquida aumenta nas regiões norte e centro litoral, diminuindo de forma significativa nos solos com menor capacidade de retenção para a água da região sul litoral (- 25%) e da região sul interior (- 60%). A área de distribuição desta espécie poderá ser afectada, em particular no sul e interior do continente, resultado do aumento da aridez. Atendendo à distribuição geográfica atual desta espécie, o impacto económico resultante da diminuição da produtividade e do aumento da mortalidade será substancial.

Tendo presente que os incêndios florestais constituem a principal ameaça à sustentabilidade da floresta portuguesa, o agravamento das condições meteorológicas favoráveis à ocorrência de grandes incêndios florestais não pode ser ignorado. Assim, justifica-se o reforço das políticas de Defesa da Floresta Contra Incêndio, sobretudo na implementação de medidas de prevenção estrutural, com ênfase para uma gestão mais eficiente dos combustíveis, que não pode ser dissociada da melhoria da gestão dos povoamentos florestais. Por outro lado, a diminuição do número de ocorrências contribuiria de forma relevante para aumentar capacidade de resposta dos meios de primeira intervenção e combate, um domínio onde a sensibilização da população assume particular relevância.

No que respeita aos incêndios florestais importa assinalar o debate realizado no plenário da Assembleia da República, no qual foi notada a ausência da Ministra da Agricultura, traduzindo-se num lamentável sinal político do desinvestimento do Governo na prevenção estrutural dos incêndios florestais e como se as condições meteorológicas mais favoráveis ocorridas no verão passado tivessem resolvido os problemas estruturais que tornam as florestas portuguesas tão vulneráveis aos incêndios.

Contrariamente ao facilitismo do Governo nesta matéria, os cenários de alterações climáticas sugerem uma tendência para o aumento do risco meteorológico de incêndio, destacando-se o seu aumento substancial nos meses de primavera e outono com o consequente alargamento da época de maior risco de incêndio. O relatório do IPCC lançado no ano passado aponta nesse sentido e alerta para um agravamento entre três e cinco vezes do problema dos incêndios florestais para o Sul da Europa e Portugal. Sendo Portugal o país europeu onde a floresta mais arde, é urgente atuar no ordenamento florestal e no combate ao abandono da floresta.

Como enfatizam as Nações Unidas, a gestão sustentável das florestas é decisiva para vencer a batalha das alterações climáticas e este é um combate em que Portugal tem de estar com grande empenho, sobretudo no que respeita à mitigação do problema dos incêndios florestais.

Sem confiança no futuro da floresta, o investimento na gestão dos recursos não acontece e com isso, a floresta passa de um sumidouro de Carbono para um emissor de CO2, libertando para a atmosfera o carbono sequestrado durante o seu crescimento no tronco e nas raízes.

Conforme afirma o Prof. Filipe Duarte Santos, o principal investigador das alterações climáticas em Portugal, o nosso país constitui um caso complexo e preocupante - Portugal é bastante vulnerável às alterações climáticas e o processo de adaptação ainda está numa fase muito incipiente. Este investigador conclui ainda que é preciso desenvolver uma estratégia integrada e multissectorial de adaptação às alterações climáticas, uma estratégia que permita mobilizar os portugueses e recursos financeiros para travar esse combate às alterações climáticas e aqui o Fundo Português de Carbono, o Fundo Florestal Permanente e os Fundos comunitários do Programa Operacional da Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos (PO SEUR) e do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR 2020) deverão ser constituir fontes de financiamento prioritárias.


Miguel Galante (13.3.2015)
(Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 243 (Mar. 2015)

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

2015, o início da uma nova etapa na floresta portuguesa?

O setor florestal exportador (na imagem, a fábrica de papel da Portucel)
necessita de uma estruturação sólida da fileira florestal produtiva a montante.


O início de 2015 fica marcado pela publicação em Diário da República da nova Estratégia Nacional para as Florestas. Trata-se de um documento essencial para a afirmação do potencial da floresta e do setor florestal no nosso País e que merece uma leitura atenta.

A nova Estratégia Nacional para as Florestas procede a uma atualização do documento em vigor desde 2006, mantendo-se as seis linhas estratégicas então definidas e a arquitetura programática. Todavia, importa sinalizar que no documento agora aprovado em Conselho de Ministros é promovida uma nova visão que enfatiza a sustentabilidade da gestão florestal. E, de facto, essa deve ser a visão política de suporte ao desenvolvimento da fileira florestal em Portugal.

A floresta portuguesa ocupa cerca de 35 por cento do território e é maioritariamente privada, com problemas estruturais profundos. Problemas há muito diagnosticados e que o atual Governo pouco fez para os solucionar na presente legislatura, refira-se. O cadastro florestal continua por avançar, o nemátodo da madeira do pinheiro contínua a avançar, a prevenção dos incêndios florestais que não chega ao terreno, as associações florestais continuam sem apoios específicos e os pequenos proprietários florestais marginalizados, sem que as ZIF sejam efectivamente operacionalizadas.

Não obstante, como foi amplamente veiculado na comunicação escrita, com a adopção da nova Estratégia Nacional para as Florestas o Governo quis dar um sinal político, tendo a criação do Estatuto Fiscal e Financeiro no Investimento e na Gestão Florestal (EFFIGF) como a grande bandeira para relançar o sector florestal.

“Governo vai usar fisco como instrumento de política florestal” escrevia em letras gordas o Jornal de Negócios. Efetivamente, pretende o Governo que o IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis) e o IMT (Imposto Municipal sobre as Transmissões de Imóveis) sejam "instrumentos potenciadores da gestão florestal, penalizando o abandono dos espaços silvestres e premiando a gestão florestal", lê-se. De facto, são boas as intenções do Governo. Depois do estímulo ao investimento na gestão florestal por via da redução da taxa do IVA em 2006, a “reforma da fiscalidade florestal” era o passo que se exigia para consolidar esse desiderato.

A proposta do Governo para rever o IMT até 2017 para "agilizar o mercado fundiário e promover a gestão florestal efectiva", propondo uma discriminação positiva deste imposto, bem como do imposto de selo, quando a transacção dos terrenos visa aumentar a área florestal dos produtores e nos casos em que os terrenos estão inseridos em Zonas de Intervenção Florestal (ZIF), também é uma boa notícia e um reconhecimento do papel ativo que as ZIF podem desempenhar no terreno, na dinamização da gestão dos ativos florestais.

O Governo pretende ainda rever o IMI com o objectivo de penalizar o abandono (uma ideia antiga) e beneficiar quem gere ou disponibiliza terrenos na Bolsa de Terras, uma medida que está associada a uma actualização do valor matricial dos prédios rústicos e a avaliação dos terrenos em função do seu potencial produtivo.

Feitas as contas, o Governo apresentou um conjunto de medidas de política fiscal ambiciosas e relevantes, que pretende definir ainda este ano para entrarem em vigor em 2016/2017. Na minha perspectiva, e sem colocar em causa a bondade (e pertinência) das medidas apresentadas, será interessante acompanhar a evolução destas propostas no quadro parlamentar, pois trata-se de uma iniciativa legislativa governamental que deve merecer uma discussão ampla no setor e um consenso alargado na Assembleia da República.

Outro dos objectivos inscritos na nova Estratégia Nacional para as Florestas que merece uma referência especial prende-se com a afirmação das indústrias de base florestal no mercado global, o que passará por uma melhoria da competitividade do setor e pelo aprofundamento da fileira florestal. Como afirmou o economista João Ferreira do Amaral em 2011, no âmago da crise económica, “o sector florestal é dos que mais pode contribuir para o futuro do País”. Esta visão do presidente da Associação das Industrias da Fileira Florestal expressa, de forma inequívoca, a atenção que a acção governativa deve centrar na dinamização do setor florestal produtivo e no segmento da transformação e comercialização, para que Portugal possa aumentar a sua capacidade exportadora e de geração de riqueza.


Termino esta breve análise com outra citação do Presidente da AIFF, que espelha bem a oportunidade que encerra a nova Estratégia Nacional para as Florestas: “tem havido uma enorme dificuldade, nas últimas décadas, em definir uma política para o sector florestal”. Por isso, à questão se vamos assistir ao início da uma nova etapa na floresta portuguesa, a minha resposta é afirmativa. Espero que a adopção desta visão actualizada da Estratégia Nacional para as Florestas e das medidas que nela estão inscritas possam constituir um marco no desenvolvimento sustentável da floresta portuguesa.

Miguel Galante (12.2.2015)
(Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 241 (Fev. 2015)