O Fundo Florestal Permanente, criado
em 2004, emana da Lei de Bases da Política Florestal de 1996. Constituído nessa
altura como um organismo autónomo destinado para promover o investimento, a
gestão e o ordenamento florestal, actualmente este fundo financeiro público é
gerido pelo Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), sendo o
seu financiamento assegurado por uma “eco-taxa” (concretamente, um adicional do
imposto sobre o consumo de produtos petrolíferos e energéticos) que gera cerca
de 20-22 milhões de euros anuais.
O Fundo Florestal Permanente "nasceu" da Reforma Estrutural do Setor Florestal emanada dos grandes incêndios de 2003 |
O Governo publicou na Portaria
n.º 77/2015, de 16 de março, um novo regulamento de gestão do Fundo Florestal
Permanente (FFP) com o objetivo de promover a simplificação das regras
aplicáveis ao procedimento concursal e à formalização da atribuição dos apoios,
introduzindo o regime forfetário de pagamento de apoios ao funcionamento das
equipas de sapadores florestais. O novo regulamento também estabelece uma alteração
no quadro de elegibilidade das ações a financiar, em reforço e
complementaridade com o Programa de Desenvolvimento Rural (PDR2020) e
autonomiza a competência para a decisão e controlo da execução das candidaturas
de que o ICNF, I. P. seja beneficiário, sendo criada para o efeito a Comissão
de Acompanhamento e Análise de Candidaturas (CAAC).
Portanto, evidencia-se que o
Governo pretende inovar este instrumento financeiro de apoio ao setor
florestal. No entanto, para uma análise mais fina sobre o novo regulamento do
FFP importa fazer um pouco de retrospectiva na vigência do atual Governo e nessa
perspetiva, sobressai na linha cronológica a “manchete” que a ministra da
Agricultura Assunção Cristas fez, em Novembro de 2011, quando foi ao Parlamento
determinar uma auditoria sobre este Fundo para “averiguar como foi usado o
dinheiro”.
O resultado da auditoria
realizada pela Inspeção-Geral do Ministério da Agricultura não deu provimento
às suspeitas panfletárias da Ministra Cristas, tendo tecido nas suas recomendações
que o Governo “reflectisse sobre a
manutenção das despesas de funcionamento das equipas de sapadores florestais e
dos gabinetes técnicos florestais no Fundo Florestal Permanente”, despesas
que no seu conjunto representam uma parte muito significativa das verbas distribuídas
anualmente e que verificamos com alguma surpresa que são mantidas neste novo
regulamento no eixo II “Defesa da Floresta Contra Incêndios”.
Também não posso deixar de
comentar uma das principais inovações introduzidas no novo regulamento: a
criação da Comissão de Acompanhamento e Análise de Candidaturas. Sem questionar
a bondade que presidiu à criação desta “unidade externa” de aprovação,
fiscalização e acompanhamento dos projetos da responsabilidade do ICNF - uma
comissão constituída por dois (!) elementos, um nomeado pelo IFAP que preside e
um outro nomeado pelo membro do governo que tutela as florestas que garante o quorum – sim, porque em caso de
desempate entre ambos, o presidente da referida Comissão tem voto de qualidade…
resulta numa formulação caricata e muito pouco transparente para a aplicação
dos dinheiros públicos.
Ainda sobre a transparência e
rigor, recorde-se que esta foi a grande preocupação da Ministra Cristas sobre a
gestão do Fundo Florestal Permanente. No entanto, numa consulta da página do ICNF,
a entidade gestora do FFP, constata-se que nada existe sobre o destino dado a estes
dinheiros públicos, nem é possível escrutinar o plano de actividades para 2015,
o que, aliás, contraria as disposições regulamentares.
Mas, voltemos ao novo regulamento
e aqui quero lamentar, de forma bem vincada, a ausência dos apoios ao associativismo
florestal, uma reivindicação antiga do sector e que passo a citar: “A Forestis
defende que os serviços de Extensão Florestal (serviços de transferência de
conhecimento e tecnologia aos proprietários) sejam contratualizados com as OPF,
com recurso ao Fundo Florestal Permanente através de um Contrato Programa onde,
para além da Extensão Florestal, se prevejam outros serviços de apoio aos
proprietários. Este programa deve ser contratualizado para um período de cinco
anos com avaliações intermédias de execução.”. Uma proposta de intervenção
válida e que ganha nova força com a aprovação da nova Estratégia Nacional para
as Florestas e com a entrada em vigor do novo PDR 2020.
Por outro lado, este novo
regulamento abre a porta para canalizar verbas para suportar a componente
nacional da comparticipação pública dos projectos apoiados no PDR 2020, ao
arrepio das disposições inscritas no seu diploma fundador, o Decreto-lei n.º
63/2004, de 22 de março. Por aqui se percebe as intenções do Governo na gestão
dos dinheiros angariados para o Fundo Florestal Permanente.
Termino com aquela que a meu ver
é a principal questão de fundo: Será que os agentes do setor se revêem neste
novo regulamento? A verdade é que não lhes foi dada a oportunidade para se
pronunciarem, de modo formal (leia-se, colegial), sobre este importante
instrumento financeiro de apoio do sector florestal, pois não foi previamente
apreciado em sede do Conselho Florestal Nacional (CFN).
O Conselho Florestal Nacional foi
instituído pelo Decreto-lei n.º 29/2015, de 10 de Fevereiro, como um órgão de
consulta na área das florestas, que funciona junto do Instituto da Conservação
da Natureza e das Florestas, e ao qual compete pronunciar-se sobre a definição
da política florestal nacional, nomeadamente sobre as medidas e os principais
instrumentos de execução desta política. No entanto, o CFN não foi convocado
para este efeito, sublinho.
Será que esta aprovação apressada
do novo regulamento do FFP foi motivada pelo “financiamento inicial” dos novéis
Centros de Competências do setor florestal criados pelo Ministério de Assunção
Cristas em ano de eleições? Esta nova tipologia de financiamento constitui uma
outra inovação no regulamento do FFP. Não faço aqui qualquer juízo de valor
sobre a criação destes Centros de Competências, apenas questiono o modelo de
financiamento adotado. Num Governo que tem revelado uma postura (ultra)liberal,
verifica-se que afinal vai ser o erário público a financiar a instalação destes
centros de conhecimento, que, no entanto, irão beneficiar toda a fileira
florestal, quer a montante, na produção, como a jusante, na transformação e
comercialização. Não seria mais justo um modelo de financiamento assente numa
partilha de custos entre setor publico e setor privado, aliás à semelhança do
que sucede na Suécia, por exemplo? Fica a nota para reflexão.
Embora o novo regulamento do FFP seja
uma matéria da exclusiva competência do Governo, dada a ausência de um processo
de auscultação formal dos agentes do setor florestal, sou da opinião que este
normativo regulamentar merecia ser analisado, em detalhe, em sede parlamentar,
nomeadamente sobre os potenciais ganhos de eficácia introduzidos na
simplificação burocrática proposta e sobre os impactos positivos que são
esperados ocorrer no setor florestal com a aplicação destas verbas do erário
público. Em ano de eleições, sem um plano de actividades aprovado e publicamente
publicitado, existe um risco elevado do Fundo Florestal Permanente servir como
um instrumento político ao sabor das decisões emanadas a partir do Terreiro do
Paço.
Miguel Galante (14.4.2015)(Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 245 (Abr. 2015)
Gazeta Rural, edição n.º 245 (Abr. 2015)