Os últimos números oficiais da estatística das áreas ardidas
contabilizam cerca de 141.000 ha de área ardida. Em 2013 contabilizaram-se 21
grandes incêndios florestais (com uma área ardida de povoamentos e matos
superior a 1000 ha), que percorreram 52.000ha (36% do total de área ardida) e
foram responsáveis pela destruição de mais de 21.000 ha de povoamentos
florestais (41% da área contabilizada de povoamentos florestais ardidos). Trata-se
de uma situação preocupante, na medida em que o Plano Nacional de Defesa da
Floresta Contra Incêndios aprovado em 2006, estabeleceu como meta operacional a
eliminação dos incêndios com área superior a 1000 ha.
grande incêndio florestal em 2003, Castelo Branco |
Foi ciente da preocupação crescente que acarretam os grandes
incêndios florestais que, oportunamente, a Ordem dos Engenheiros promoveu a
realização em Coimbra de um debate alargado sobre este problema, no que
respeita à protecção de pessoas e bens, aos danos ambientais, ao combate e
também à prevenção, a montante.
Da várias intervenções a que tive oportunidade de assistir,
gostaria de me debruçar sobre a visão defendida pelo Vice-Presidente do ICNF, o
departamento governamental com a responsabilidade da coordenação do pilar da
prevenção estrutural no Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra
Incêndios. E, se concordo com a leitura do Eng. João Soveral de que a alteração
do modelo de ocupação do solo, decorrente do abandono da agricultura e dos
território rurais, tem motivado o aumento da continuidade e acumulação dos
combustíveis, conjugado com condições meteorológicas adversas e com uma elevada
concentração diária de incêndios em determinados período do ano (esse ano, esta
situação verificou-se na segunda quinzena de Agosto) proporciona as condições
para a ocorrência de grandes incêndios florestais, já a afirmação que a
politica florestal não exerce influência nos grandes incêndios florestais
merece o meu desacordo.
Concretamente, um exemplo oriundo do outro lado do
Atlântico. Nos EUA, a politica de gestão das Matas Públicas e dos Parques
Nacionais destinada à redução da gestão para fins de conservação da
biodiversidade somada com os objectivos de supressão total do fogo desses
espaços, resultou na acumulação e continuidade da carga combustível que tem
como consequência os mega-incêndios de efeitos verdadeiramente devastadores que
se têm assistido nos últimos anos.
É por isso acredito que a politica florestal, no contexto
específico nacional em que a floresta ocupa cerca de 40% do território e em que
o sector florestal pode dar um contributo ainda mais importante para o
desenvolvimento económico do país, deve exercer um papel liderante na promoção
da gestão activa e protecção dos espaços florestais, nomeadamente na mitigação
do risco de incêndio, que é o principal risco percepcionado para a
sustentabilidade da floresta em Portugal e que está consagrado na estratégia nacional
para as florestas como o domínio prioritário para a actuação das políticas
públicas.
Conforme identificava o estudo de avaliação externa do Plano
Nacional DFCI no biénio 2009/2010 (o estudo relativo ao biénio 2011/2012 ainda
está por realizar …), a persistência de elevada carga combustível sem uma mudança
no paradigma do ordenamento do território e da produção florestal, condiciona a
eficácia das respostas institucionais ao problema da ocorrência dos incêndios florestais.
É, portanto, neste domínio de intervenção que a politica florestal deve exercer
o seu papel, na definição dos princípios orientadores, nomeadamente, para a
programação dos apoios comunitários do próximo Programa de Desenvolvimento
Rural 2014-2020, que possam contribuir para a mudança do paradigma.
É, nesse prisma, que considero urgente prosseguir o trabalho
iniciado em Coimbra e aprofundar o debate político e técnico-cientifico em
torno dos grandes incêndios florestais (alguém se lembra do estudo realizado
pela UTAD em 2007?), avaliar os impactos das medidas e soluções adoptadas (qual
é o futuro das equipas do Grupo de Análise e Uso do Fogo?), proceder às
necessárias revisões e ajustamentos de rumo e, nesse domínio concreto, a
avaliação e revisão intercalar do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra
Incêndios afigura-se determinante.
Os cenários das alterações climáticas com o agravamento das
condições extremas de risco meteorológico de incêndio e o continuado
despovoamento do interior do País (um estudo da Universidade de Aveiro
recentemente publicado estima que em 2040 o interior terá um terço da população
actual), são factores que devem merecer a preocupação dos decisores políticos
na formulação da politica florestal para o país. A preocupação manifestada pelo
Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural de que o Estado
estaria a preparar os instrumentos legais para a intervenção nas terras
abandonas e sem dono é um importante sinal político no bom caminho.
Após os incêndios florestais de 2003 e 2005, Portugal fez um
trabalho notável para mitigar o flagelo dos incêndios florestais. Um trabalho
que tem perdido força nos últimos anos, mas que é essencial retomar rapidamente
sob pena de daqui por uns anos, em vez de debater os grandes incêndios
florestais nos encontremos novamente em Coimbra ou noutro local a debater os
mega-incêndios como uma fatalidade que ano após ano vai destruindo o principal riqueza
natural do país – a floresta!
Miguel Galante
(Eng. Florestal)
(Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 213 (14.11.2013)