domingo, 17 de novembro de 2013

Serão os grandes incêndios florestais uma fatalidade nacional?

Os últimos números oficiais da estatística das áreas ardidas contabilizam cerca de 141.000 ha de área ardida. Em 2013 contabilizaram-se 21 grandes incêndios florestais (com uma área ardida de povoamentos e matos superior a 1000 ha), que percorreram 52.000ha (36% do total de área ardida) e foram responsáveis pela destruição de mais de 21.000 ha de povoamentos florestais (41% da área contabilizada de povoamentos florestais ardidos). Trata-se de uma situação preocupante, na medida em que o Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios aprovado em 2006, estabeleceu como meta operacional a eliminação dos incêndios com área superior a 1000 ha.

grande incêndio florestal em 2003, Castelo Branco
Foi ciente da preocupação crescente que acarretam os grandes incêndios florestais que, oportunamente, a Ordem dos Engenheiros promoveu a realização em Coimbra de um debate alargado sobre este problema, no que respeita à protecção de pessoas e bens, aos danos ambientais, ao combate e também à prevenção, a montante.

Da várias intervenções a que tive oportunidade de assistir, gostaria de me debruçar sobre a visão defendida pelo Vice-Presidente do ICNF, o departamento governamental com a responsabilidade da coordenação do pilar da prevenção estrutural no Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios. E, se concordo com a leitura do Eng. João Soveral de que a alteração do modelo de ocupação do solo, decorrente do abandono da agricultura e dos território rurais, tem motivado o aumento da continuidade e acumulação dos combustíveis, conjugado com condições meteorológicas adversas e com uma elevada concentração diária de incêndios em determinados período do ano (esse ano, esta situação verificou-se na segunda quinzena de Agosto) proporciona as condições para a ocorrência de grandes incêndios florestais, já a afirmação que a politica florestal não exerce influência nos grandes incêndios florestais merece o meu desacordo.

Concretamente, um exemplo oriundo do outro lado do Atlântico. Nos EUA, a politica de gestão das Matas Públicas e dos Parques Nacionais destinada à redução da gestão para fins de conservação da biodiversidade somada com os objectivos de supressão total do fogo desses espaços, resultou na acumulação e continuidade da carga combustível que tem como consequência os mega-incêndios de efeitos verdadeiramente devastadores que se têm assistido nos últimos anos.

É por isso acredito que a politica florestal, no contexto específico nacional em que a floresta ocupa cerca de 40% do território e em que o sector florestal pode dar um contributo ainda mais importante para o desenvolvimento económico do país, deve exercer um papel liderante na promoção da gestão activa e protecção dos espaços florestais, nomeadamente na mitigação do risco de incêndio, que é o principal risco percepcionado para a sustentabilidade da floresta em Portugal e que está consagrado na estratégia nacional para as florestas como o domínio prioritário para a actuação das políticas públicas.

Conforme identificava o estudo de avaliação externa do Plano Nacional DFCI no biénio 2009/2010 (o estudo relativo ao biénio 2011/2012 ainda está por realizar …), a persistência de elevada carga combustível sem uma mudança no paradigma do ordenamento do território e da produção florestal, condiciona a eficácia das respostas institucionais ao problema da ocorrência dos incêndios florestais. É, portanto, neste domínio de intervenção que a politica florestal deve exercer o seu papel, na definição dos princípios orientadores, nomeadamente, para a programação dos apoios comunitários do próximo Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020, que possam contribuir para a mudança do paradigma.

É, nesse prisma, que considero urgente prosseguir o trabalho iniciado em Coimbra e aprofundar o debate político e técnico-cientifico em torno dos grandes incêndios florestais (alguém se lembra do estudo realizado pela UTAD em 2007?), avaliar os impactos das medidas e soluções adoptadas (qual é o futuro das equipas do Grupo de Análise e Uso do Fogo?), proceder às necessárias revisões e ajustamentos de rumo e, nesse domínio concreto, a avaliação e revisão intercalar do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios afigura-se determinante.

Os cenários das alterações climáticas com o agravamento das condições extremas de risco meteorológico de incêndio e o continuado despovoamento do interior do País (um estudo da Universidade de Aveiro recentemente publicado estima que em 2040 o interior terá um terço da população actual), são factores que devem merecer a preocupação dos decisores políticos na formulação da politica florestal para o país. A preocupação manifestada pelo Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural de que o Estado estaria a preparar os instrumentos legais para a intervenção nas terras abandonas e sem dono é um importante sinal político no bom caminho.

Após os incêndios florestais de 2003 e 2005, Portugal fez um trabalho notável para mitigar o flagelo dos incêndios florestais. Um trabalho que tem perdido força nos últimos anos, mas que é essencial retomar rapidamente sob pena de daqui por uns anos, em vez de debater os grandes incêndios florestais nos encontremos novamente em Coimbra ou noutro local a debater os mega-incêndios como uma fatalidade que ano após ano vai destruindo o principal riqueza natural do país – a floresta!

Miguel Galante
(Eng. Florestal)

Gazeta Rural, edição n.º 213 (14.11.2013)