Há dez anos, o Pais ainda fazia o rescaldo de um verão
singular de incêndios florestais, que trouxe para a Sociedade Civil o debate
sobre a floresta portuguesa e os problemas que a afetam. Sucederam-se mesas
redondas, seminários e colóquios que procuraram encontrar explicações e apontar
soluções para debelar o flagelo dos incêndios florestais, de longe a principal
ameaça à sustentabilidade da nossa floresta.
O drama dos incêndios florestais, que desde 2003 afectou mais
de 15 por cento do território de Portugal continental, constitui um dos aspetos
marcantes do balanço da última década. O
aumento da incidência dos problemas fitossanitários, com destaque para o
Nemátodo da Madeira do Pinheiro, constitui um outro aspeto que marcou o sector
florestal.
No meu ponto de vista, os últimos dez anos têm no ano de
2006 uma importante referência, com a aprovação em sede de Conselho de
Ministros do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios e da
Estratégia Nacional para as Florestas, a qual viria a influenciar a preparação
das medidas florestais inscritas no Plano de Desenvolvimento Rural – ProDeR
2007-2013. Com a publicação entre 2006 e 2007 dos Planos Regionais de
Ordenamento Florestal, foram criadas as bases para “reformar” a floresta
portuguesa.
Neste período também importa sinalizar a publicação do
diploma habilitante das ZIF – Zonas de Intervenção Florestais em Agosto de
2005, cuja primeira ZIF viria a ser formalmente constituída pela CAULE no final
de 2006, abrindo caminho para um processo que no final de 2013 contabilizava mais
de 800 mil hectares.
Não obstante a abordagem preconizada para o desenvolvimento
do sector florestal, o desenho desajustado das medidas florestais do ProDeR e o
seu arranque tardio, comprometeram irremediavelmente a capacidade de mobilização
dos recursos financeiros pelos agentes do sector. De uma verba inicialmente
orçamentada de 441milhões de euros de despesa pública, no final do primeiro
semestre deste ano estavam contabilizados 212 milhões de euros de execução
financeira. E, neste balanço, importa, sobretudo, sinalizar as dificuldades encontradas
pelas ZIF para acederem aos fundos comunitários para projetos de investimento
produtivo – melhoria dos ativos florestais e novas arborizações, condicionando
aquele que era um dos principais objetivos da política florestal – a agilização
da gestão integrada e com escala da pequena propriedade florestal através das
ZIF.
Mas, no balanço dos últimos dez anos importa, sobretudo, sinalizar
a instabilidade institucional que afetou a concretização da linha de rumo preconizada
para o fomento de uma política florestal sustentável. Neste período foram
várias as estruturações e reestruturações a que os Serviços Florestais foram
sujeitos, e que viriam a culminar com a sua extinção administrativa na fusão
com o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade determinada pelo
actual Governo. Enfim, um processo de liquidação da Administração Florestal do
Estado que viria a culminar na originalidade da criação de um departamento
governamental que obedece a uma “Tutela bicéfala” de dois Ministérios –
Agricultura e Ambiente…
Um processo análogo de liquidação sucedeu com a ex-Estação
Florestal Nacional, o principal laboratório de investigação florestal do Estado,
que tem vindo a definhar ano após ano, cada vez mais descapitalizado de
recursos humanos e de capacidade de investigar os problemas que afetam a
floresta portuguesa.
A concluir este balanço, importa, no entanto, deixar uma
nota positiva para o investimento realizado no planeamento florestal, com a
aprovação dos Planos Regionais de Ordenamento Florestal e dos planos de gestão
florestal e também para a certificação florestal, que no final de 2013
compreendia mais de 300 mil hectares de povoamentos florestais com gestão
certificada. Num país que deve ter
na valorização dos recursos endógenos a sua principal âncora para o
desenvolvimento económico e para a coesão territorial, o sector florestal deve
assumir um papel central. E, é nesse prisma que encaro o futuro deste sector com
optimismo moderado.
Apesar dos sinais positivos evidenciados pela industria transformadora
de base florestal, materializados no crescimento das exportações de produtos
florestais, nomeadamente no segmento da industria papeleira onde a entrada em
funcionamento em 2009 da nova fábrica do Grupo Portucel-Soporcel constitui uma
importante alavanca, a produção florestal continua assente num reticulado de centenas
de milhares de nano, mini e micro proprietários florestais que não conseguem
garantir o nível de sustentabilidade de abastecimento de matéria-prima à
industria que é necessário (e exigido) para afirmar Portugal e o sector
florestal na economia global, mesmo tendo em consideração o esforço
significativo e meritório que foi feito nos últimos dez anos para a
certificação da gestão florestal.
Assim, ao perspectivar o futuro vejo, como preocupação
primordial, o desafio de assegurar a rentabilidade do investimento na floresta.
Mesmo no caso do eucalipto, uma cultura de ciclo curto, em que cada rotação
ocorre em 10 a 12 anos, o retorno do investimento não está garantido!
Mas, há que encarar o futuro com algum optimismo. Em 2015
teremos um novo Programa de Desenvolvimento Rural e uma nova Estratégia
Nacional para as Florestas. Conforme foi recentemente anunciado pela Tutela, o
sector florestal irá dispor até 2020 de mais 540 milhões de euros de fundos
públicos. Este é um dado relevante para encarar o desenvolvimento do sector
florestal. Todavia, persiste uma dúvida fundadora – a capacidade das ZIF
concretizarem o objectivo da gestão agrupada e com escala da pequena
propriedade florestal e, desse modo, inverter o ciclo de desinvestimento
florestal.
Sem essa capacidade de intervenção das ZIF e sem uma política
florestal estável, integradora e com objectivos concretos, a cultura do pinho
continuará o processo de marginalização a que tem sido votada nas ultimas duas
décadas (a valorização económica da resina e da biomassa florestal poderá
constituir uma solução regeneradora, mas são intermitentes os sinais que o
Governo dá nesse sentido). No mesmo sentido, o sobreiro e a azinheira prosseguirão
o caminho do declínio e do consequente abandono e desertificação do território.
O eucalipto, por seu turno, irá consolidar (e até reforçar) o
seu papel de principal espécie do coberto florestal nacional, dado o risco
menor de perda do investimento pelos incêndios e a crescente procura de matéria-prima
pela industria papeleira. O pinheiro manso, e nalguns territórios, também o
castanheiro, irão aumentar a sua área em resultado da valorização do fruto,
embora sem o mesmo ímpeto a que se assistiu nos anos mais recentes em resultado
da aplicação das politicas comunitárias de florestação de terras agrícolas.
Em suma, sem a mitigação dos riscos que incidem sobre a
floresta portuguesa, sem a consolidação do movimento associativo florestal no
terreno, sem um regime fiscal ajustado à realidade da produção florestal (e dos
proprietários florestais), sem a valorização dos serviços prestados pelos
espaços florestais e, sobretudo, sem uma política florestal estável e uma
Administração Florestal forte e bem implantada no território, a perspectiva de
uma evolução positiva e sustentável do sector florestal nacional na próxima
década será uma projecção de realidade virtual.
Miguel Galante (Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 229 (25.07.2014)
Edição especial 10 anos
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