Portugal viveu em Pedrogão Grande a maior tragédia de que há
memória relacionada com os incêndios florestais. Ainda hoje me custa a
acreditar como foi possível 64 pessoas terem perdido a vida naquele incêndio!
No entanto, há 10 anos havia sucedido na Grécia uma tragédia humana de
contornos muito semelhantes… No pânico, quando fugiam do fogo, dezenas de
habitantes de uma aldeia escolheram o caminho errado, tal como em Pedrogão
Grande.
E é neste ponto que devemos parar para olhar para esta
tragédia e tirar lições para que não se volte a repetir. Nessa perspectiva, aproveitei
para reler alguns textos que publiquei neste espaço de opinião na Gazeta Rural
e encontrei algumas pistas que apontavam que uma tragédia desta dimensão
poderia acontecer em Portugal, mais cedo ou mais tarde. Era apenas uma questão
tempo, dado o estado de abandono a que o interior do Pais tem sido votado.
A "estrada da morte", a EN 236-1 onde dezenas de pessoas perderam a vida cercadas pelas chamas |
A verdade é que depois do forte impulso reformista do 1.º
Governo Sócrates, no rescaldo dos acontecimentos de 2003 e 2005, as
instituições têm perdido a força e a determinação que se exigia para fazer a mudança
então preconizada. A visão incutida na Estratégia Nacional para a Floresta de
2006 era assertiva – colocava a ênfase na mitigação do risco de incêndio
florestal e, simultaneamente, promovia a especialização florestal do
território. Infelizmente, não passou de “letra morta”, tal como a revisão que
lhe sucedeu em 2015.
E aqui tenho de dar toda a razão ao ex-deputado comunista
Agostinho Lopes, que, recentemente, num debate televisivo simplesmente colocou
os relatórios produzidos na Assembleia da República em cima da mesa e
questionou porque motivo os sucessivos governos têm ignorado as recomendações
que são tecidas?
A floresta tem de ser reconhecida pela Sociedade como um
desígnio nacional e nessa perspectiva compete ao Governo adotar as medidas
conducentes a tal desiderato nas políticas públicas, tanto em termos
legislativos como em sede da gestão dos fundos públicos comunitários e nacionais.
A tragédia de Pedrogão Grande tem de ser um momento de
viragem! Existem responsabilidade políticas que deverão ser assacadas, com
coragem e firmeza! E, nesse domínio, são evidentes as fragilidades do
Ministério da Agricultura, que precisa de gente com fibra e com visão para
materializar no terreno, de uma vez por todas, uma política florestal ajustada
aos desafios e potencial da floresta portuguesa.
No entanto, no anuncio das prioridades da política florestal
que o actual Secretário de Estado das Florestas fazia poucos dias antes do
incêndio de Pedrogão Grande, deixava de lado a defesa da floresta contra
incêndios e essa é uma omissão gravíssima, pois o Ministério da Agricultura não
se pode demitir da responsabilidade que detém no pilar da prevenção estrutural!
Não vou comentar, por agora, o debate em torno da
diabolização do eucalipto, nem as afirmações recentes que o Ministro Capoulas
Santos - “não haverá mais um único pé de eucalipto em Portugal”, expressou no
Parlamento a esse propósito.
Não obstante, estou de acordo com o Ministro da Agricultura quando
afirma que “o ordenamento florestal é a magna questão que temos pela frente”. Trata-se
de “um exercício de longo prazo” e que “só é possível com regras de ordenamento
e gestão profissional da floresta”. No entanto, a revisão dos Planos Regionais
de Ordenamento Florestal tarda em estar concluída, seis anos depois de este processo
ter sido desencadeado…
Também não percebo a pressão que o Governo está a colocar na
aprovação no Parlamento da revisão do Decreto-lei n.º 124/2006, quando a
proposta do Governo não desbloqueia os constrangimentos da aplicação efectiva
no terreno das medidas dispostas no corpo da lei. As imagens da “estrada da
morte” são bastante elucidativas do incumprimento da legislação em vigor…
“Porquê?” fazia a manchete do jornal PUBLICO após a
tragédia. A resposta é complexa. Desde logo, porque não dispomos de uma cultura
de Protecção Civil em Portugal. Depois, porque o Pais continua sem estar
preparado para responder aos grandes (mega) incêndios florestais – faltam equipas
de profissionais treinados e preparados para gerir estes teatros de operações
de maior complexidade; não dispomos de analistas de fogo para apoiar a tomada
de decisão na retaguarda e na frente de combate; não temos equipas de profissionais
em permanência formadas para combater esses grandes incêndios florestais; os
aglomerados populacionais e as unidades industriais continuam sem a devida
protecção estrutural, tal como não dispomos de equipas vocacionadas para
intervir no terreno após os grandes incêndios para a mitigação de riscos de
protecção civil e de controlo de erosão pós-fogo, nem para o planeamento da
recuperação ecológica das áreas ardidas. No entanto, existe bastante conhecimento
técnico e científico e existem técnicos formados (muitos no desemprego…), mas
falta um sistema efectivo que os integre e dê uma resposta cabal, integrada e
duradoura ao problema.
Não digo que seria possível evitar o drama ocorrido em
Pedrogão Grande, mas falhou muita coisa… quer a montante, na prevenção
estrutural, quer no momento da resposta. E os riscos climatológicos decorrentes
das Alteração Climáticas dizem-nos que no futuro existe potencial para que a
tragédia vivida em Pedrogão Grande se repita, com maior frequência e
intensidade.
A Reforma Florestal que o Governo encetou o ano passado é
uma peça importante para mudar o paradigma, mas afigura-se insuficiente por si
só para fazer essa mudança. Precisamos de criar um território mais resiliente
aos incêndios florestais, um território mais competitivo e para isso o Estado
tem de investir numa estrutura profissional e dedicada que permita transpor do
papel para o terreno as medidas que há muito estão identificadas. Para isso ser
uma realidade, a actual estrutura do ICNF não tem capacidade para dar uma
resposta cabal (nem sequer para gerir a floresta que lhe compete…) e depositar
tudo nas mãos dos privados e das autarquias é querer tapar o sol com a peneira.
A devastadora fúria das chamas do incêndio de Pedrogão
Grande, que juntamente com o incêndio de Góis, reduziu a cinza quase cinquenta
mil hectares, demonstraram que os incêndios florestais são um problema de uma
complexidade cada vez maior, cuja mitigação exige uma resposta política robusta
assente num patamar de comando político supraministerial, conforme era
recomendado no relatório do Deputado Miguel Freitas que analisou a problemática
dos incêndios florestais após os incêndios de 2013.
Em suma, existem muitas lições a extrair deste incêndio e
que certamente virão a lume com a avaliação externa independente que está em
preparação. O Governo tem de dar um sinal claro que é preciso uma mudança
efetiva a vários níveis. Não basta a determinação política que António Costa
tem colocado nesta matéria. É preciso ir mais além e a estrutura actual da
Administração Florestal já provou que não tem condições para dar conta do recado.
Aliás, pelos vistos nem sabia do relatório de avaliação do Plano Nacional de
Defesa da Floresta Contra Incêndios que havia encomendado e pago…
Miguel Galante (Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 295 (29.6.2017)