O processo de aprovação,
suspensão e revogação do Código Florestal deixou uma importante lição: os
diplomas estruturantes para a intervenção sectorial, nomeadamente no sector
florestal que se caracteriza por exigir politicas e compromissos de muito longo
prazo, não se compadecem com consultas públicas apressadas “para cumprir
calendário”, nem com meros “factos” políticos. Bem pelo contrário. As políticas
públicas florestais exigem uma reflexão profunda sobre os seus impactos
(positivos e negativos) e uma auscultação de base alargada, quer do sector quer
da sociedade civil.
Dai, a importância acrescida que
reveste a apreciação parlamentar em curso do Decreto-lei n.º 96/2013, de 19
Julho, que estabelece o regime jurídico aplicável às acções de arborização e
rearborização. Trata-se de um diploma que irá, necessariamente, ter repercussões
na actividade florestal nacional e, desejavelmente, um impacto positivo na
transparência e funcionamento do sector florestal.
Trata-se, portanto, de um
regulamento basilar para a política florestal nacional, que visa a
simplificação e agilização dos processos de arborização e rearborização e que
se afigura importante para o cumprimento dos requisitos de "diligência
devida" da rastreabilidade da legalidade da origem da madeira, exigidos
pelo Regulamento europeu para o comércio florestal em vigor desde Março deste
ano.
Uma vez em plena aplicação, este
instrumento legal poderá ser promotor da agilização dos processos de
arborização e da redução dos “custos de contexto” inerentes a estes processos.
No entanto, este diploma surge de uma forma avulsa, desligado de um pacote legislativo
integrado - Código Florestal e que deveria dar sequência a uma
autorização/comunicação prévia de corte nos casos de rearborização.
Mais, este diploma não resolve o
problema da proliferação de “micro-arborizações”, que vão surgindo pelas
serranias do norte e centro do país, sobretudo após os incêndios florestais, sem
obedecer a qualquer lógica de ordenamento florestal do território e comprometendo
os esforços da infraestruturação estrutural dos espaços florestais face aos
incêndios. São estes territórios florestais desordenados que frequentemente constituem
pasto para as chamas, donde resultam avultados encargos económicos, sociais e
ambientais para o País.
Todavia, contrariamente às vozes
que exigem a revogação do diploma, eu advogo que deveria ser equacionada a sua
suspensão por parte da Assembleia da Republica, conforme sucedeu com o Código
Florestal. Deste modo seria possível realizar o estudo de avaliação estratégica
dos impactos da aplicação do diploma, conforme é sugerido pela Liga para a
Protecção da Natureza, bem como dotar o ICNF dos meios humanos e materiais
necessários para assegurar a resposta técnica aos pedidos de licenciamento e
assegurar o desenvolvimento da aplicação informática que permite a desburocratização
dos processos e o armazenamento digital dos dados.
Projecto de arborização RURIS |
A suspensão do diploma também
possibilitaria a conclusão do processo de revisão dos Planos Regionais de
Ordenamento Florestal (a fazer fé nas palavras do Secretário de Estado das
Florestas e Desenvolvimento Rural, este processo estará concluído até ao final
de 2014) e, assim, obstar o actual desligamento das orientações estratégicas
dos PROF relativamente às metas de arborização regionais.
De facto, existe um risco real do
diferimento tácito das arborizações, pois continuamos a assistir ao
desmantelamento dos serviços florestais, tanto nos serviços centrais como nas
delegações regionais. Para além de não entrar pessoal para o quadro da ex-AFN
desde o final do seculo passado em resultado da integração dos “recibos
verdes”, o Orçamento de Estado para 2014 prevê a redução do pessoal afecto a
esse organismo, o que irá certamente condicionar o bom desempenho do sistema de
avaliação dos pedidos de licenciamento. E, daqui, decorre uma das principais
ameaças da aplicação deste diploma – a incapacidade logística dos serviços
competentes darem a resposta em tempo útil, com o consequente deferimento
tácito dos pedidos de arborização.
Na minha perspectiva, a pedra
angular para o sucesso do funcionamento deste novo regime de licenciamento da
arborização assenta no bom funcionamento do sistema de análise, fiscalização e
de informação. E, neste aspecto particular, o diploma é omisso na obrigação do
ICNF proceder ao reporte publico regular (mensal, trimestral, quadrimestral, semestral
ou anual), dos resultados da aplicação e fiscalização deste regime jurídico.
Julgo que a polémica que todos assistimos no verão de 2012 e a preocupação que
a sociedade civil manifestou durante o processo de consulta pública justifica
que a lei preveja essa obrigatoriedade de comunicação.
Independentemente do seguimento
da apreciação parlamentar, este diploma encerra a oportunidade de se
desenvolver uma base de informação sólida sobre a dinâmica de arborização em
Portugal. Um aspecto essencial para aprofundar o conhecimento da floresta
portuguesa e, deste modo, melhorar a formulação das políticas públicas com
incidência no sector florestal, quer na perspectiva do fomento da produção
florestal, quer nas valências ambientais da promoção da biodiversidade e do
combate às alterações climáticas.
Miguel Galante
(Eng. Florestal)
(Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 214 (28.11.2013)