quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Regime jurídico da (re)arborização em debate

O processo de aprovação, suspensão e revogação do Código Florestal deixou uma importante lição: os diplomas estruturantes para a intervenção sectorial, nomeadamente no sector florestal que se caracteriza por exigir politicas e compromissos de muito longo prazo, não se compadecem com consultas públicas apressadas “para cumprir calendário”, nem com meros “factos” políticos. Bem pelo contrário. As políticas públicas florestais exigem uma reflexão profunda sobre os seus impactos (positivos e negativos) e uma auscultação de base alargada, quer do sector quer da sociedade civil.

Dai, a importância acrescida que reveste a apreciação parlamentar em curso do Decreto-lei n.º 96/2013, de 19 Julho, que estabelece o regime jurídico aplicável às acções de arborização e rearborização. Trata-se de um diploma que irá, necessariamente, ter repercussões na actividade florestal nacional e, desejavelmente, um impacto positivo na transparência e funcionamento do sector florestal.

Trata-se, portanto, de um regulamento basilar para a política florestal nacional, que visa a simplificação e agilização dos processos de arborização e rearborização e que se afigura importante para o cumprimento dos requisitos de "diligência devida" da rastreabilidade da legalidade da origem da madeira, exigidos pelo Regulamento europeu para o comércio florestal em vigor desde Março deste ano.

Uma vez em plena aplicação, este instrumento legal poderá ser promotor da agilização dos processos de arborização e da redução dos “custos de contexto” inerentes a estes processos. No entanto, este diploma surge de uma forma avulsa, desligado de um pacote legislativo integrado - Código Florestal e que deveria dar sequência a uma autorização/comunicação prévia de corte nos casos de rearborização.

Mais, este diploma não resolve o problema da proliferação de “micro-arborizações”, que vão surgindo pelas serranias do norte e centro do país, sobretudo após os incêndios florestais, sem obedecer a qualquer lógica de ordenamento florestal do território e comprometendo os esforços da infraestruturação estrutural dos espaços florestais face aos incêndios. São estes territórios florestais desordenados que frequentemente constituem pasto para as chamas, donde resultam avultados encargos económicos, sociais e ambientais para o País.

Todavia, contrariamente às vozes que exigem a revogação do diploma, eu advogo que deveria ser equacionada a sua suspensão por parte da Assembleia da Republica, conforme sucedeu com o Código Florestal. Deste modo seria possível realizar o estudo de avaliação estratégica dos impactos da aplicação do diploma, conforme é sugerido pela Liga para a Protecção da Natureza, bem como dotar o ICNF dos meios humanos e materiais necessários para assegurar a resposta técnica aos pedidos de licenciamento e assegurar o desenvolvimento da aplicação informática que permite a desburocratização dos processos e o armazenamento digital dos dados.

Projecto de arborização RURIS
A suspensão do diploma também possibilitaria a conclusão do processo de revisão dos Planos Regionais de Ordenamento Florestal (a fazer fé nas palavras do Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural, este processo estará concluído até ao final de 2014) e, assim, obstar o actual desligamento das orientações estratégicas dos PROF relativamente às metas de arborização regionais.

De facto, existe um risco real do diferimento tácito das arborizações, pois continuamos a assistir ao desmantelamento dos serviços florestais, tanto nos serviços centrais como nas delegações regionais. Para além de não entrar pessoal para o quadro da ex-AFN desde o final do seculo passado em resultado da integração dos “recibos verdes”, o Orçamento de Estado para 2014 prevê a redução do pessoal afecto a esse organismo, o que irá certamente condicionar o bom desempenho do sistema de avaliação dos pedidos de licenciamento. E, daqui, decorre uma das principais ameaças da aplicação deste diploma – a incapacidade logística dos serviços competentes darem a resposta em tempo útil, com o consequente deferimento tácito dos pedidos de arborização.

Na minha perspectiva, a pedra angular para o sucesso do funcionamento deste novo regime de licenciamento da arborização assenta no bom funcionamento do sistema de análise, fiscalização e de informação. E, neste aspecto particular, o diploma é omisso na obrigação do ICNF proceder ao reporte publico regular (mensal, trimestral, quadrimestral, semestral ou anual), dos resultados da aplicação e fiscalização deste regime jurídico. Julgo que a polémica que todos assistimos no verão de 2012 e a preocupação que a sociedade civil manifestou durante o processo de consulta pública justifica que a lei preveja essa obrigatoriedade de comunicação.

Independentemente do seguimento da apreciação parlamentar, este diploma encerra a oportunidade de se desenvolver uma base de informação sólida sobre a dinâmica de arborização em Portugal. Um aspecto essencial para aprofundar o conhecimento da floresta portuguesa e, deste modo, melhorar a formulação das políticas públicas com incidência no sector florestal, quer na perspectiva do fomento da produção florestal, quer nas valências ambientais da promoção da biodiversidade e do combate às alterações climáticas.

Miguel Galante
(Eng. Florestal)

Gazeta Rural, edição n.º 214 (28.11.2013)