quinta-feira, 19 de março de 2015

A floresta no centro dos desafios das alterações climáticas

As Nações Unidas elegeram o papel das florestas no combate às alterações climáticas como o tema para as celebrações do Dia Internacional das Florestas em 2015. As mudanças climáticas constituem a maior ameaça ambiental do século XXI, com consequências profundas e transversais em vários domínios da sociedade.


A Mata Nacional das Terras da Ordem, em Odeleite, está numa das zonas mais afetadas pelas alterações climáticas 

Os estudos realizados em Portugal nos projetos SIAM I e II evidenciam que as alterações climáticas irão produzir impactos particularmente gravosos nas florestas, por via do aumento da temperatura e sobretudo da redução da precipitação. De acordo com esses estudos, nas florestas haverá alterações da produtividade dos povoamentos florestais e da distribuição geográfica das espécies florestais, que tenderão a migrar de sul para norte e do interior para o litoral. A investigação concluiu também que existe um risco acrescido de aparecimento de novas pragas e de agravamento dos incêndios florestais, em resultado de um clima mais quente e seco.

Nas principais espécies florestais do nosso coberto florestal, prevê-se uma redução da produtividade que no pinheiro-bravo, com excepção do norte litoral, onde poderá aumentar 10%, será compreendida entre 27% no centro litoral e acima de 50% no sul. No eucalipto, a produtividade também pode aumentar em cerca de 10% no norte litoral, mas no coração da área de produção – a região centro a diminuição da produtividade ser generalizada (mais acentuada no centro interior (-30%) do que na região litoral (cerca de -15%)). Nestas duas espécies, os estudos realizados indicam uma diminuição da área de distribuição potencial, com retração significativa a sul e aumento nas zonas de maior altitude.

No caso do sobreiro, a produtividade primária líquida aumenta nas regiões norte e centro litoral, diminuindo de forma significativa nos solos com menor capacidade de retenção para a água da região sul litoral (- 25%) e da região sul interior (- 60%). A área de distribuição desta espécie poderá ser afectada, em particular no sul e interior do continente, resultado do aumento da aridez. Atendendo à distribuição geográfica atual desta espécie, o impacto económico resultante da diminuição da produtividade e do aumento da mortalidade será substancial.

Tendo presente que os incêndios florestais constituem a principal ameaça à sustentabilidade da floresta portuguesa, o agravamento das condições meteorológicas favoráveis à ocorrência de grandes incêndios florestais não pode ser ignorado. Assim, justifica-se o reforço das políticas de Defesa da Floresta Contra Incêndio, sobretudo na implementação de medidas de prevenção estrutural, com ênfase para uma gestão mais eficiente dos combustíveis, que não pode ser dissociada da melhoria da gestão dos povoamentos florestais. Por outro lado, a diminuição do número de ocorrências contribuiria de forma relevante para aumentar capacidade de resposta dos meios de primeira intervenção e combate, um domínio onde a sensibilização da população assume particular relevância.

No que respeita aos incêndios florestais importa assinalar o debate realizado no plenário da Assembleia da República, no qual foi notada a ausência da Ministra da Agricultura, traduzindo-se num lamentável sinal político do desinvestimento do Governo na prevenção estrutural dos incêndios florestais e como se as condições meteorológicas mais favoráveis ocorridas no verão passado tivessem resolvido os problemas estruturais que tornam as florestas portuguesas tão vulneráveis aos incêndios.

Contrariamente ao facilitismo do Governo nesta matéria, os cenários de alterações climáticas sugerem uma tendência para o aumento do risco meteorológico de incêndio, destacando-se o seu aumento substancial nos meses de primavera e outono com o consequente alargamento da época de maior risco de incêndio. O relatório do IPCC lançado no ano passado aponta nesse sentido e alerta para um agravamento entre três e cinco vezes do problema dos incêndios florestais para o Sul da Europa e Portugal. Sendo Portugal o país europeu onde a floresta mais arde, é urgente atuar no ordenamento florestal e no combate ao abandono da floresta.

Como enfatizam as Nações Unidas, a gestão sustentável das florestas é decisiva para vencer a batalha das alterações climáticas e este é um combate em que Portugal tem de estar com grande empenho, sobretudo no que respeita à mitigação do problema dos incêndios florestais.

Sem confiança no futuro da floresta, o investimento na gestão dos recursos não acontece e com isso, a floresta passa de um sumidouro de Carbono para um emissor de CO2, libertando para a atmosfera o carbono sequestrado durante o seu crescimento no tronco e nas raízes.

Conforme afirma o Prof. Filipe Duarte Santos, o principal investigador das alterações climáticas em Portugal, o nosso país constitui um caso complexo e preocupante - Portugal é bastante vulnerável às alterações climáticas e o processo de adaptação ainda está numa fase muito incipiente. Este investigador conclui ainda que é preciso desenvolver uma estratégia integrada e multissectorial de adaptação às alterações climáticas, uma estratégia que permita mobilizar os portugueses e recursos financeiros para travar esse combate às alterações climáticas e aqui o Fundo Português de Carbono, o Fundo Florestal Permanente e os Fundos comunitários do Programa Operacional da Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos (PO SEUR) e do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR 2020) deverão ser constituir fontes de financiamento prioritárias.


Miguel Galante (13.3.2015)
(Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 243 (Mar. 2015)