quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Pinhal do Rei, um ano depois

Passou um ano que as chamas reduziram a cinzas o Pinhal do Rei. Nesse fatídico Domingo de 15 de outubro de 2017, o fogo alimentado pelos ventos fortes do furacão Ofélia, percorreu cerca de 90% dos 11 mil hectares da Mata Nacional de Leiria. Esse domingo trágico ficaria marcado pela devastação causada pelas chamas nas matas nacionais do litoral, bem como por toda a região centro. Feitas as contas, naquele domingo negro arderam 250 mil hectares e perderam a vida 50 pessoas, para além dos prejuízos ambientais e económicos de vários milhões de euros causados nas habitações, na indústria e nas infra-estruturas rodoviárias e de comunicações.

Mata Nacional de Leiria, a partir da EN 242 (13.Out.2018)

No que respeita ao Pinhal do Rei, o Governo foi lesto na resposta. Passados apenas 5 dias, era publicado um despacho da Secretaria de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural que determinava que o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) elaborasse um relatório sobre o impacto dos fogos nas matas nacionais que estão sob gestão direta do Estado e procedesse a uma avaliação rigorosa da execução dos planos de gestão florestal, bem como dos acontecimentos e danos ocorridos no património florestal, natural e edificado. No prazo de quatro meses deveria, ainda, ser apresentado um programa de intervenção nas matas nacionais afetadas, com a indicação das medidas de estabilização de emergência e de reabilitação de ecossistemas e o respetivo plano de financiamento.

O despacho do Governo era claro e concreto na orientação política da resposta aos acontecimentos. No entanto, mais uma vez, a realidade veio a demonstrar que a determinação e vontade política dos governantes não é suficiente, por si só, para agilizar a pesada máquina do Estado… Aliás, da consulta do site da Internet do ICNF é evidente a falta de informação sobre as matas nacionais, numa ausência do dever de prestação de contas aos portugueses sob a gestão que aquele organismo faz ao património florestal que é de todos nós!

Tendo presente a realização da conferência “Pinhal do Rei, um ano depois”, desloquei-me à Marinha Grande para conhecer, de viva voz, o plano de acção do ICNF para a Mata Nacional de Leiria. Antes, porém, aproveitei para percorrer a estrada nacional 242, que liga a Marinha Grande à Vieira de Leiria, e testemunhar a demora na remoção do material lenhoso ardido. Madeira de qualidade, fustes com grandes diâmetros e que permanecem de pé, queimados, mesmo ao lado da estrada ao arrepio daquilo que determina a legislação, como se o Estado não devesse dar o bom exemplo.

Também foi possível constatar da morte e da presença de sintomas de declínio de pinheiros fogueados, tornando-se pasto para ocorrência de insectos xilófagos e para o nemátodo da madeira do pinheiro, negligenciando as boas práticas silvícolas que se exigiam da parte do gestor da mata. De igual modo, conforme se previa, as espécies invasoras começam a surgir com força, num sinal claro da exigência e dos cuidados de controlo e erradicação das acácias que se prevê no futuro.

Da apresentação do plano de trabalhos, que se centrou no horizonte do curto prazo (2018-2022), fez-se eco do recente anúncio do governo do reinvestimento da verba de 15 milhões de euros obtida com a venda dos “salvados”, na recuperação da área ardida (onde se inclui a reflorestação) e na reabilitação das infraestruturas danificadas.

Sobre o futuro do Pinhal do Rei, evidenciou-se uma excessiva dependência da programação da nova Mata Nacional de Leiria nos trabalhos decorrentes da Comissão Cientifica, redundando numa demissão da missão de planeamento do ICNF face ao património que tem sob gestão. De certo modo, constitui a certidão que atesta o grave estado de descapitalização técnica e operacional em que se encontra hoje o ICNF.

A verdade é que a principal jóia da silvicultura portuguesa havia sido votada ao abandono de alguns anos a esta parte conforme já havia sido evidenciado aquando do grande incêndio ocorrido em 2003. A Mata Nacional de Leiria encontrava-se condenada a um lento definhar que, de certo modo, espelha a descapitalização a que têm sido votados os Serviços Florestais desde a extinção do Instituto Florestal em 1995. De sede de uma das mais importantes Circunscrições Florestais no tempo do Estado Novo, a Marinha Grande, a quando da ocorrência deste trágico incêndio, encontrava-se reduzida a 1 técnico florestal e 9 assistentes operacionais…

Em Dezembro do ano passado tive a oportunidade de propor numa conferência realizada sob a égide da Assembleia Municipal da Marinha Grande, da necessidade repensar o Pinhal do Rei, honrando o legado de 800 anos de uma história que se confunde com a História de Portugal. É necessário renascer das cinzas uma nova floresta, uma Mata Nacional de Leiria - versão 2.0!

Dando espaço para que a Natureza faça o seu trabalho, existe a oportunidade ímpar para testar novos modelos de silvicultura, de introduzir plantas melhoradas pelos australianos a partir de exemplares de pinheiro bravo originários de Leiria, de diversificar a composição florestal daquele espaço, mas sem perder a identidade do pinhal bravo, de aumentar a fruição pela população para atividades de recreio e de lazer. Acima de tudo, impõe-se que não se perca a oportunidade de cumprir Lei n.º 108/99, de 3 de agosto e fazer nascer no Parque do Engenho o tão desejado Museu Nacional da Floresta, um museu que deve ser vivo e abarcar toda a extensão do Pinhal do Rei.

Concordo com o Presidente do ICNF quando afirma que este "é um processo de décadas", não "um assunto que se resolva em dois ou três anos". Mas para que seja bem sucedido nesse desígnio geracional é necessário mais determinação e, sobretudo, mais ação no terreno. Dizem os chineses que “uma grande caminhada começa com o primeiro passo”. Convém que esse passo seja um passo firme em frente, sabendo bem qual é o rumo e o destino.

Miguel Galante (Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 326 (15.10.2018)