Passou um ano que as chamas reduziram a cinzas o Pinhal do
Rei. Nesse fatídico Domingo de 15 de outubro de 2017, o fogo alimentado pelos
ventos fortes do furacão Ofélia, percorreu cerca de 90% dos 11 mil hectares da Mata
Nacional de Leiria. Esse domingo trágico ficaria marcado pela devastação causada
pelas chamas nas matas nacionais do litoral, bem como por toda a região centro.
Feitas as contas, naquele domingo negro arderam 250 mil hectares e perderam a
vida 50 pessoas, para além dos prejuízos ambientais e económicos de vários
milhões de euros causados nas habitações, na indústria e nas infra-estruturas
rodoviárias e de comunicações.
Mata Nacional de Leiria, a partir da EN 242 (13.Out.2018) |
No que respeita ao Pinhal do Rei, o Governo foi lesto na
resposta. Passados apenas 5 dias, era publicado um despacho da Secretaria de
Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural que determinava que o Instituto
da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) elaborasse um relatório sobre o
impacto dos fogos nas matas nacionais que estão sob gestão direta do Estado e procedesse
a uma avaliação rigorosa da execução dos planos de gestão florestal, bem como
dos acontecimentos e danos ocorridos no património florestal, natural e
edificado. No prazo de quatro meses deveria, ainda, ser apresentado um programa
de intervenção nas matas nacionais afetadas, com a indicação das medidas de
estabilização de emergência e de reabilitação de ecossistemas e o respetivo
plano de financiamento.
O despacho do Governo era claro e concreto na orientação
política da resposta aos acontecimentos. No entanto, mais uma vez, a realidade
veio a demonstrar que a determinação e vontade política dos governantes não é
suficiente, por si só, para agilizar a pesada máquina do Estado… Aliás, da
consulta do site da Internet do ICNF é evidente a falta de informação sobre as
matas nacionais, numa ausência do dever de prestação de contas aos portugueses
sob a gestão que aquele organismo faz ao património florestal que é de todos
nós!
Tendo presente a realização da conferência “Pinhal do Rei,
um ano depois”, desloquei-me à Marinha Grande para conhecer, de viva voz, o
plano de acção do ICNF para a Mata Nacional de Leiria. Antes, porém, aproveitei
para percorrer a estrada nacional 242, que liga a Marinha Grande à Vieira de
Leiria, e testemunhar a demora na remoção do material lenhoso ardido. Madeira
de qualidade, fustes com grandes diâmetros e que permanecem de pé, queimados, mesmo
ao lado da estrada ao arrepio daquilo que determina a legislação, como se o
Estado não devesse dar o bom exemplo.
Também foi possível constatar da morte e da presença de
sintomas de declínio de pinheiros fogueados, tornando-se pasto para ocorrência
de insectos xilófagos e para o nemátodo da madeira do pinheiro, negligenciando as
boas práticas silvícolas que se exigiam da parte do gestor da mata. De igual
modo, conforme se previa, as espécies invasoras começam a surgir com força, num
sinal claro da exigência e dos cuidados de controlo e erradicação das acácias que
se prevê no futuro.
Da apresentação do plano de trabalhos, que se centrou no
horizonte do curto prazo (2018-2022), fez-se eco do recente anúncio do governo
do reinvestimento da verba de 15 milhões de euros obtida com a venda dos
“salvados”, na recuperação da área ardida (onde se inclui a reflorestação) e na
reabilitação das infraestruturas danificadas.
Sobre o futuro do Pinhal do Rei, evidenciou-se uma excessiva
dependência da programação da nova Mata Nacional de Leiria nos trabalhos
decorrentes da Comissão Cientifica, redundando numa demissão da missão de
planeamento do ICNF face ao património que tem sob gestão. De certo modo,
constitui a certidão que atesta o grave estado de descapitalização técnica e
operacional em que se encontra hoje o ICNF.
A verdade é que a principal jóia da silvicultura portuguesa
havia sido votada ao abandono de alguns anos a esta parte conforme já havia
sido evidenciado aquando do grande incêndio ocorrido em 2003. A Mata Nacional
de Leiria encontrava-se condenada a um lento definhar que, de certo modo,
espelha a descapitalização a que têm sido votados os Serviços Florestais desde
a extinção do Instituto Florestal em 1995. De sede de uma das mais importantes
Circunscrições Florestais no tempo do Estado Novo, a Marinha Grande, a quando
da ocorrência deste trágico incêndio, encontrava-se reduzida a 1 técnico
florestal e 9 assistentes operacionais…
Em Dezembro do ano passado tive a oportunidade de propor numa
conferência realizada sob a égide da Assembleia Municipal da Marinha Grande, da
necessidade repensar o Pinhal do Rei, honrando o legado de 800 anos de uma
história que se confunde com a História de Portugal. É necessário renascer das
cinzas uma nova floresta, uma Mata Nacional de Leiria - versão 2.0!
Dando espaço para que a Natureza faça o seu trabalho, existe
a oportunidade ímpar para testar novos modelos de silvicultura, de introduzir plantas
melhoradas pelos australianos a partir de exemplares de pinheiro bravo originários
de Leiria, de diversificar a composição florestal daquele espaço, mas sem
perder a identidade do pinhal bravo, de aumentar a fruição pela população para
atividades de recreio e de lazer. Acima de tudo, impõe-se que não se perca a
oportunidade de cumprir Lei n.º 108/99, de 3 de agosto e fazer nascer no Parque
do Engenho o tão desejado Museu Nacional da Floresta, um museu que deve ser
vivo e abarcar toda a extensão do Pinhal do Rei.
Concordo com o Presidente do ICNF quando afirma que este
"é um processo de décadas", não "um assunto que se resolva em
dois ou três anos". Mas para que seja bem sucedido nesse desígnio
geracional é necessário mais determinação e, sobretudo, mais ação no terreno.
Dizem os chineses que “uma grande caminhada começa com o primeiro passo”. Convém
que esse passo seja um passo firme em frente, sabendo bem qual é o rumo e o
destino.
Miguel Galante (Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 326 (15.10.2018)