No momento em que escrevo estas linhas, já ardeu mais de 100
mil hectares em Portugal, ultrapassando a meta estabelecida no PNDFCI, num
registo que faz de 2017 o pior ano da última década. São números que exigem uma
reflexão profunda sobre a forma como a política de Defesa da Floresta Contra
Incêndios, adotada em 2006, tem sido desenvolvida, sobretudo numa perspetiva da
revisão do Plano Nacional de DFCI cuja vigência termina em 2018.
Segundo o ICNF até ao final de Julho já arderam 118 mil hectares em Portugal (na foto, Figueiró dos Vinhos) |
Numa análise dos acontecimentos mais recentes, diria que
estamos num momento crítico, decisivo, para encetar uma mudança do paradigma.
Miguel Freitas substituiu Amândio Torres na Secretaria de Estado das Florestas
e do Desenvolvimento Rural, o que pode ser interpretado como um sinal político nesse
sentido.
A Reforma da Floresta está aprovada, na sua maioria. Depois
de um emotivo final de sessão legislativa, com um intenso debate político na
Assembleia da República que colocou novamente a floresta no centro das atenções
da opinião pública (embora, num tom demasiado centrado na “questão do
eucalipto”) e que obrigou a um trabalho suplementar do Ministro da Agricultura Capoulas
Santos na procura dos equilíbrios possíveis, em sede parlamentar, para o
cumprimento dos desideratos do Governo.
E agora? “Miguel Freitas vem para implementar a Reforma da
Floresta” destacava o jornal PUBLICO após a tomada de posse e, de facto, é esse
o perfil do novo Secretário de Estado das Florestas - um político experiente,
conhecedor do sector florestal, com um percurso rico no Ministério da
Agricultura, com experiência em Bruxelas, com capacidade técnica reconhecida e com
a determinação política necessária para concretizar no terreno as medidas
aprovadas na Reforma da Floresta.
A tarefa não se afigura fácil (bem pelo contrário) e a
fasquia está bem alta! Não obstante, acredito que que a equipa de Capoulas
Santos fica reforçada com a entrada de Miguel Freitas e poderá beneficiar do
pragmatismo do novo Secretário de Estado das Florestas para a implementação de
uma nova dinâmica na política florestal do Governo.
Pelo trabalho que desenvolveu no Parlamento no domínio dos
Incêndios Florestais, alicerçado nos relatórios de que foi relator em 2006 e em
2014, certamente que o papel do Ministério da Agricultura e do ICNF no Sistema vigente
de Defesa da Floresta Contra Incêndios será uma das áreas em foco durante o seu
consulado no Terreiro do Paço. Os grandes incêndios florestais que têm
devastado o Pais assim o ditam!
Também, neste domínio, é preciso operar uma reforma profunda.
As linhas mestras da prevenção estrutural que estavam inscritas no Plano
Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios não estão a acontecer no terreno,
sobretudo naqueles territórios mais vulneráveis como é o caso da região do Pinhal
Interior. E, neste domínio em concreto, os acontecimentos no concelho de Mação
mereciam um estudo atento da parte do ICNF, nomeadamente, no que respeita à
implementação das infra-estruturas de DFCI naquele território, pois é
reconhecido por todos que Mação fez uma forte aposta nesse domínio após os
trágicos incêndios de 2003.
Diz o povo que nas crises surgem as oportunidades e está
previsto o desenvolvimento de uma Área-piloto nos concelhos afectados pelos
incêndios de Pedrogão Grande e de Góis. É uma oportunidade única para
desenvolver uma nova abordagem no planeamento de uma floresta mais resiliente
aos incêndios florestais, sem cair nas tentações da planificação megalómana
desenvolvida nas Comissões Regionais de Reflorestação criadas após os incêndios
de 2003. O modelo não funcionou e gastou-se demasiado tempo e dinheiro do
erário público num exercício de planeamento utópico, com magros resultados no
terreno.
O Programa de Sapadores Florestais, criado por Capoulas
Santos quando foi Ministro da Agricultura em 1999, é um outro instrumento de
política que poderá beneficiar de uma nova dinâmica no quadro da Reforma da
Floresta, bem como o Fundo Florestal Permanente.
Feitas as contas, são muitos os trabalhos que o Governo tem
pela frente até ao final da legislatura, no que respeita ao sector florestal. Os
primeiros passos para encetar a Reforma da Floresta estão dados. Agora, é ter a
coragem, o pragmatismo e a visão necessárias para encontrar as soluções para ultrapassar
os constrangimentos e por em marcha a Reforma da Floresta no terreno, por forma
a contrariar a crónica falta de gestão da floresta, mitigar a vulnerabilidade
do território aos incêndios florestais e a dar rentabilidade aos recursos
florestais e segurança aos investimentos na floresta.
Termino com umas palavras de felicitação ao amigo José Luís
Araújo por mais um aniversário da Gazeta Rural. O mundo rural precisa desta
publicação e é de louvar a dedicação que a Gazeta Rural tem colocado na
divulgação do melhor do nosso país interior, daquele imenso desconhecido dos
Portugueses. Faço votos de continuação do bom trabalho. O nosso país real
merece!
Miguel Galante (Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 298 (29.7.2017)