terça-feira, 1 de agosto de 2017

A Reforma da Floresta está aprovada. E agora?

No momento em que escrevo estas linhas, já ardeu mais de 100 mil hectares em Portugal, ultrapassando a meta estabelecida no PNDFCI, num registo que faz de 2017 o pior ano da última década. São números que exigem uma reflexão profunda sobre a forma como a política de Defesa da Floresta Contra Incêndios, adotada em 2006, tem sido desenvolvida, sobretudo numa perspetiva da revisão do Plano Nacional de DFCI cuja vigência termina em 2018.

Segundo o ICNF até ao final de Julho já arderam 118 mil hectares em Portugal (na foto, Figueiró dos Vinhos) 

Numa análise dos acontecimentos mais recentes, diria que estamos num momento crítico, decisivo, para encetar uma mudança do paradigma. Miguel Freitas substituiu Amândio Torres na Secretaria de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural, o que pode ser interpretado como um sinal político nesse sentido.

A Reforma da Floresta está aprovada, na sua maioria. Depois de um emotivo final de sessão legislativa, com um intenso debate político na Assembleia da República que colocou novamente a floresta no centro das atenções da opinião pública (embora, num tom demasiado centrado na “questão do eucalipto”) e que obrigou a um trabalho suplementar do Ministro da Agricultura Capoulas Santos na procura dos equilíbrios possíveis, em sede parlamentar, para o cumprimento dos desideratos do Governo.

E agora? “Miguel Freitas vem para implementar a Reforma da Floresta” destacava o jornal PUBLICO após a tomada de posse e, de facto, é esse o perfil do novo Secretário de Estado das Florestas - um político experiente, conhecedor do sector florestal, com um percurso rico no Ministério da Agricultura, com experiência em Bruxelas, com capacidade técnica reconhecida e com a determinação política necessária para concretizar no terreno as medidas aprovadas na Reforma da Floresta.

A tarefa não se afigura fácil (bem pelo contrário) e a fasquia está bem alta! Não obstante, acredito que que a equipa de Capoulas Santos fica reforçada com a entrada de Miguel Freitas e poderá beneficiar do pragmatismo do novo Secretário de Estado das Florestas para a implementação de uma nova dinâmica na política florestal do Governo.

Pelo trabalho que desenvolveu no Parlamento no domínio dos Incêndios Florestais, alicerçado nos relatórios de que foi relator em 2006 e em 2014, certamente que o papel do Ministério da Agricultura e do ICNF no Sistema vigente de Defesa da Floresta Contra Incêndios será uma das áreas em foco durante o seu consulado no Terreiro do Paço. Os grandes incêndios florestais que têm devastado o Pais assim o ditam!

Também, neste domínio, é preciso operar uma reforma profunda. As linhas mestras da prevenção estrutural que estavam inscritas no Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios não estão a acontecer no terreno, sobretudo naqueles territórios mais vulneráveis como é o caso da região do Pinhal Interior. E, neste domínio em concreto, os acontecimentos no concelho de Mação mereciam um estudo atento da parte do ICNF, nomeadamente, no que respeita à implementação das infra-estruturas de DFCI naquele território, pois é reconhecido por todos que Mação fez uma forte aposta nesse domínio após os trágicos incêndios de 2003.

Diz o povo que nas crises surgem as oportunidades e está previsto o desenvolvimento de uma Área-piloto nos concelhos afectados pelos incêndios de Pedrogão Grande e de Góis. É uma oportunidade única para desenvolver uma nova abordagem no planeamento de uma floresta mais resiliente aos incêndios florestais, sem cair nas tentações da planificação megalómana desenvolvida nas Comissões Regionais de Reflorestação criadas após os incêndios de 2003. O modelo não funcionou e gastou-se demasiado tempo e dinheiro do erário público num exercício de planeamento utópico, com magros resultados no terreno.

O Programa de Sapadores Florestais, criado por Capoulas Santos quando foi Ministro da Agricultura em 1999, é um outro instrumento de política que poderá beneficiar de uma nova dinâmica no quadro da Reforma da Floresta, bem como o Fundo Florestal Permanente.

Feitas as contas, são muitos os trabalhos que o Governo tem pela frente até ao final da legislatura, no que respeita ao sector florestal. Os primeiros passos para encetar a Reforma da Floresta estão dados. Agora, é ter a coragem, o pragmatismo e a visão necessárias para encontrar as soluções para ultrapassar os constrangimentos e por em marcha a Reforma da Floresta no terreno, por forma a contrariar a crónica falta de gestão da floresta, mitigar a vulnerabilidade do território aos incêndios florestais e a dar rentabilidade aos recursos florestais e segurança aos investimentos na floresta.

Termino com umas palavras de felicitação ao amigo José Luís Araújo por mais um aniversário da Gazeta Rural. O mundo rural precisa desta publicação e é de louvar a dedicação que a Gazeta Rural tem colocado na divulgação do melhor do nosso país interior, daquele imenso desconhecido dos Portugueses. Faço votos de continuação do bom trabalho. O nosso país real merece!

Miguel Galante (Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 298 (29.7.2017)