sábado, 20 de dezembro de 2014

2014: Continua adiada a retoma da floresta

Que 2015 seja o inicio de um novo ciclo para a floresta portuguesa
(o gigante Adamastor que invoca a ambição, engenho e determinação necessárias para vencer os obstáculos)

“O arranque do novo PDR deve constituir uma boa oportunidade para um novo estímulo ao desenvolvimento do sector florestal, complementado com uma nova Estratégia Florestal Nacional, com os PROF revistos, com o PDR aprovado e com um novo corpo gerente do ICNF, 2014 reúne as condições para mobilizar os agentes do sector e inaugurar um novo ciclo para a floresta portuguesa”. Foi com esta mensagem de esperança que encerrei o balanço sobre 2013 para a Gazeta Rural.

Um ano volvido, o balanço não é positivo. Pese embora São Pedro tenha sido bastante benevolente para com as florestas portuguesas, que permitiu um saldo final inferior a 20.000 ha de área ardida (ainda assim, registou-se um incêndio com mais de 2.260 ha no Norte Alentejo), em matéria de política florestal o pais registou em 2014 mais um ano sem rumo definido.

Chegamos ao final do ano sem que o PDR 2020 esteja aprovado em Bruxelas (apesar do Governo ter “aberto” umas linhas de apoio na agricultura em meados de Novembro), sem o Inventário Florestal Nacional estar concluído e sem que o setor conheça, com profundidade e certeza, as medidas florestais na programação comunitária de apoio.

Como foi patente na conferência promovida pela ANEFA em Novembro sobre o PDR 2020, o Ministério da Agricultura não conseguiu esclarecer sobre os apoios que irão ser disponibilizados ao setor, nem informar quando estes apoios vão estar disponíveis, nem sequer, de que forma as ZIF irão aceder aos fundos comunitários – uma preocupação que faz todo o sentido dados os constrangimentos registados na vigência do ProDeR. Mesmo a questão dos pagamentos directos do greening ao montado de sobro e ao pinhal manso ficaram por clarificar. Aliás, a única grande evidência que ressalta são os atrasos da programação do PDR 2020 e que foi exposta de uma forma clara pelo presidente da ANEFA, Eng. Pedro Serra Ramos, no risco de apenas em 2016 se recomeçar a plantar com recurso aos apoios comunitários.

O diagnóstico está feito – o risco de deficit de abastecimento de matéria-prima à indústria de base florestal no médio/longo prazo e o aumento continuado dos custos de produção que afecta a rendabilidade da actividade silvícola e, nesse quadro, os apoios comunitários surgem como uma alavanca fundamental para estimular o investimento florestal, quer na gestão eficiente dos activos florestais, quer na protecção dos recursos.

A questão que se coloca é se a verba de 556 milhões de euros inscrita no PDR 2020, dos quais 89,1 milhões de euros destinam-se a apoiar a valorização dos recursos florestais, irá, de facto, contribuir para a necessária retoma da floresta enquanto sector estratégico da economia nacional. Todavia, subsiste uma certeza – a modelação regional dos apoios ao sector florestal não vai acontecer, contrariando as reivindicações que federações de produtores florestais haviam feito. Uma reivindicação justificada pela diversidade do perfil fundiário e de ocupação florestal do País e que tem condicionado a absorção dos apoios comunitários no norte e centro do Pais, nomeadamente para a gestão da floresta.

2014 também fica marcado pelo lançamento do “Compromisso para o Crescimento Verde”, uma iniciativa governamental que visa responder aos desafios europeus da Economia Verde - um segmento da economia em que o sector florestal pode ter um peso importante. No entanto, do documento que foi disponibilizado para a discussão pública constata-se uma menorização do contributo das florestas, sendo que todas as mais-valias decorrentes dos serviços ambientais fornecidos pelas florestas (ou do carbono que é sequestrado pelas árvores) estão omissas das contas do Governo.

Ou seja, também nesta matéria “falta ambição” ao Governo, como avaliou o Eng. Sevinate Pinto aquando do debate promovido pela CAP e CONFAGRI. Aliás, o documento em consulta pública é totalmente omisso quanto ao papel do Fundo Florestal Permanente, que é financiado por uma eco-taxa que incide sobre o imposto sobre os produtos petrolíferos (gasóleo e gasolina) e que gera cerca de 20 milhões de euros todos os anos. Ficaremos a aguardar pelos resultados da revisão resultante da consulta pública e também da concretização das promessas anunciadas pela Ministra Assunção Cristas que os pequenos proprietários florestais vão ter benefícios fiscais no âmbito da Reforma da Fiscalidade Verde ao nível do IRS, IMI e Imposto de Selo.

A terminar, uma nota final para a Estratégia Nacional para as Florestas. Dias antes de escrever este balanço, o Conselho de Ministros aprovou a actualização deste documento basilar para a política florestal nacional. É uma boa notícia para o sector, mas que acontece dois anos após a entrega do estudo independente que procedeu à avaliação da ENF. Todavia, há que sinalizar (e lamentar) o facto do Governo apenas assumir metas até 2030, como se este não fosse um sector onde a estabilidade e a visão de muito longo termo são decisivas para captar o investimento privado.

À semelhança do ano passado, concluo este balanço anual com uma nota de esperança – recentemente foram entregues 21 novas viaturas para o reequipamento das equipas de Sapadores Florestais, tendo o Governo anunciado na ocasião a aquisição de equipamento moto-manual e equipamento de protecção individual, a distribuir brevemente a todas as equipas, com o objectivo de melhorar as condições de segurança e de trabalho. O estudo de avaliação em curso deste Programa constitui um outro contributo importante para o seu relançamento, depois de um período de dormência demasiado longo. Esperemos que 2015 traga boas novidades neste domínio e, já agora, que não sejam apenas uns anúncios de boas intenções em ano de eleições...

Miguel Galante(Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 238 (13.12.2014)
Nota: No dia 16 de Dezembro a Comissão Europeia aprovou em Bruxelas o PDR 2020.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

A floresta portuguesa precisa de competitividade

III Congresso da AIFF - Insdustrias de Base Florestal: acrescentando (o) futuro

“O pinho hoje está doente em Portugal” - Foi esta a manchete do Jornal de Negócios na reportagem que publicou sobre o III Congresso da AIFF. Todavia, antes de prosseguir, devo acrescentar que a doença que afecta a fileira do pinho já é crónica. Há já mais de duas décadas que os sintomas são por demais evidentes – abandono generalizado da resinagem e dos pinhais, que os tornou pasto fácil das chamas ou da “reconversão” em eucaliptais (mais ou menos produtivos), perda da rentabilidade económica da madeira de pinho, encerramento de serrações por todo o interior de Portugal, etc., etc. Uma situação de crise desta fileira que viria a ser agravada pela incidência do Nemátodo da Madeira do Pinheiro e que materializa na redução progressiva da área de pinheiro bravo.

Portanto, os problemas que afectam os pinhais em Portugal, que nos anos 80 do século ocupavam mais de um milhão de hectares do território nacional e serviam de suporte a toda uma fileira transformadora de produtos e subprodutos que, por sua vez, mantinha postos de trabalho no interior do Pais e asseguravam rendimento a milhares de pequenos proprietários, são uma evidência da falta de rumo que tem pautado a política florestal em Portugal.

E é neste ponto que importa saudar a iniciativa da Associação para a Competitividade das Industrias da Fileira Florestal, que procurou com a realização do “estudo prospectivo sobre o sector florestal” apresentar propostas de políticas públicas para aumentar a competitividade deste importante sector da actividade económica em Portugal, nomeadamente a montante, na produção, por forma a assegurar a sustentabilidade do abastecimento de matéria-prima à indústria. No entanto, a receita que a AIFF prescreve para os “males” da floresta portuguesa não é nem inovadora, nem ambiciosa.

Os “remédios” propostos pela AIFF assentam na promoção e capacitação de formas de gestão florestal agrupada, profissional e certificada, no desenvolvimento da investigação, da formação e da extensão e na reforma do modo de governação do sector florestal. A AIFF também reclama o estabelecimento de contratos-programa plurianuais, isenções de IMI, IMT e imposto de selo, incentivos fiscais ao investimento, apoio financeiro público a projectos florestais e agro-florestais, bem como limites às taxas de licenciamentos, vigilância policial nos espaços florestais, entre muitas outras medidas.

Da leitura da “uma visão para o sector florestal” da AIFF, um “resumo não-técnico para decisores políticos”, destaco o capítulo dedicado às propostas para “reformar o modo e governação do sector florestal” que estabelece seis linhas de intervenção – (1) publicitação dos financiamentos públicos; (2) produção e publicação de relatórios de execução e de impacto; (3) Conselho Consultivos Florestais; (4) Informação pública de apoio à decisão; (5) Relatório sobre o estado do Sector Florestal e (6) Programa de comunicação e educação cívica.

Desde logo, sobressai um aspecto crítico, mas recorrente, a completa omissão sobre o papel que o sector industrial deverá desempenhar no fomento da competitividade da fileira florestal. Do meu ponto de vista, essa postura de desresponsabilização da indústria transformadora na política florestal constitui um dos principais pontos críticos para o desenvolvimento sustentável da floresta em Portugal.

Numa floresta maioritariamente privada, atomizada e fragmentada, e num mercado florestal opaco, a inexistência de um compromisso de médio/longo entre a produção e a transformação no que respeita ao apoio técnico para a melhoria da produtividade e à estabilização de um preço base para a matéria-prima retira o necessário capital de confiança ao proprietário privado que faz um investimento cujo retorno demora pelo menos 10 anos (no caso do eucalipto).

Colocar toda a responsabilidade da política florestal no sector público, num Estado que tem vindo progressivamente desde 1995 a desmantelar a Administração Florestal, é um exercício de alto risco e que pode comprometer toda a estratégia pela base. E, para agravar os problemas de fundo do desinvestimento no sector florestal, há que somar a inercia deste Governo e do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, que foi incapaz de assumir as suas competências de Autoridade Florestal Nacional no consulado de Assunção Cristas.

O relatório do estado da floresta portuguesa não existe, o investimento produtivo nas matas públicas não acontece, o Fundo Florestal Permanente não apoia, o Cadastro Florestal não avança, a operacionalização das ZIF não se concretiza (excepto no papel e na retórica de alguns discursos governamentais), a revisão dos PROF que não tem fim à vista, as medidas florestais do novo PDR que são desconhecidas e a promessa dos benefícios fiscais em IRS para os investimentos na floresta que não passam disso mesmo, de uma promessa. Enfim, os aspectos centrais para desenvolver o sector florestal produtivo tardam em concretizar-se, excepção feita para o diploma que regulamenta o licenciamento das (re)arborizações, cujos pedidos autorizados incidem em mais de 80 porcento na (re)arborização de eucalipto, de acordo com a informação disponibilizada pelo ICNF em Junho.

Mas, voltando ao estudo da AIFF e às suas conclusões. Em 2071, em qualquer dos cenários de evolução, a fileira do pinho vai apresentar um défice de significativo de oferta face às necessidades da indústria, constituindo a situação mais grave do ponto de vista do crescente desequilíbrio entre a oferta e a procura de matéria-prima que "compromete e condiciona o futuro das indústrias do sector florestal em Portugal".

No entanto, a fileira do pinho não teve capacidade (ou interesse…) em se organizar em torno de um plano mobilizador de desenvolvimento de fileira, de um “PROPINHO” que a partir dos muitos diagnósticos conhecidos consiga encontrar o caminho e as soluções que o sector necessita para evoluir e que foram apresentadas (ainda que de forma avulsa) no seminário “Mais e melhor pinhal”, organizado pelo Centro Pinus em Dezembro de 2012. Enfim, é preciso acção e, sobretudo, maior assertividade das federações de produtores florestais na definição desse caminho junto da industria e das instâncias governamentais.

Sai do Congresso com duas questões por esclarecer: Qual é o compromisso da indústria da fileira florestal nesse novo desígnio nacional de aumentar a competitividade do sector e quando irá Portugal ser dotado de uma verdadeira Estratégia Florestal Nacional que estabeleça o rumo da política florestal nos próximos 50 anos? Concordo que o desenvolvimento da produção florestal em Portugal carece de uma aposta duradoura na redução dos riscos, na melhoria (e profissionalização) das práticas de gestão silvícola e no melhoramento genético das essências florestais que estão na base das indústrias da fileira florestal. Mas, onde estão escritas as linhas orientadoras da politica florestal em Portugal no médio e longo prazo?

Com a demissão do Secretário de Estado das Florestas no passado dia 2 de Outubro (o segundo, na vigência do actual Governo), a responsabilidade política sobre a conclusão da actualização da Estratégia Nacional para as Florestas recai exclusivamente na Ministra Assunção Cristas. Aguardemos, pois, por um desfecho sensato e útil. Como expressou o Professor Daniel Bessa no Congresso da AIFF, o estudo prospectivo do sector florestal “não bate certo” com a Estratégia Nacional para as Florestas e é “preciso dizer ao Governo que não estamos a ir pelo bom caminho”. Assino por baixo!

Miguel Galante
(Eng. Florestal)

Gazeta Rural, edição n.º 234 (13.10.2014)

terça-feira, 5 de agosto de 2014

O sector florestal - passado, presente e futuro

Há dez anos, o Pais ainda fazia o rescaldo de um verão singular de incêndios florestais, que trouxe para a Sociedade Civil o debate sobre a floresta portuguesa e os problemas que a afetam. Sucederam-se mesas redondas, seminários e colóquios que procuraram encontrar explicações e apontar soluções para debelar o flagelo dos incêndios florestais, de longe a principal ameaça à sustentabilidade da nossa floresta.

O drama dos incêndios florestais, que desde 2003 afectou mais de 15 por cento do território de Portugal continental, constitui um dos aspetos marcantes do balanço da última década.  O aumento da incidência dos problemas fitossanitários, com destaque para o Nemátodo da Madeira do Pinheiro, constitui um outro aspeto que marcou o sector florestal.

No meu ponto de vista, os últimos dez anos têm no ano de 2006 uma importante referência, com a aprovação em sede de Conselho de Ministros do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios e da Estratégia Nacional para as Florestas, a qual viria a influenciar a preparação das medidas florestais inscritas no Plano de Desenvolvimento Rural – ProDeR 2007-2013. Com a publicação entre 2006 e 2007 dos Planos Regionais de Ordenamento Florestal, foram criadas as bases para “reformar” a floresta portuguesa.


Neste período também importa sinalizar a publicação do diploma habilitante das ZIF – Zonas de Intervenção Florestais em Agosto de 2005, cuja primeira ZIF viria a ser formalmente constituída pela CAULE no final de 2006, abrindo caminho para um processo que no final de 2013 contabilizava mais de 800 mil hectares.


Não obstante a abordagem preconizada para o desenvolvimento do sector florestal, o desenho desajustado das medidas florestais do ProDeR e o seu arranque tardio, comprometeram irremediavelmente a capacidade de mobilização dos recursos financeiros pelos agentes do sector. De uma verba inicialmente orçamentada de 441milhões de euros de despesa pública, no final do primeiro semestre deste ano estavam contabilizados 212 milhões de euros de execução financeira. E, neste balanço, importa, sobretudo, sinalizar as dificuldades encontradas pelas ZIF para acederem aos fundos comunitários para projetos de investimento produtivo – melhoria dos ativos florestais e novas arborizações, condicionando aquele que era um dos principais objetivos da política florestal – a agilização da gestão integrada e com escala da pequena propriedade florestal através das ZIF.

Mas, no balanço dos últimos dez anos importa, sobretudo, sinalizar a instabilidade institucional que afetou a concretização da linha de rumo preconizada para o fomento de uma política florestal sustentável. Neste período foram várias as estruturações e reestruturações a que os Serviços Florestais foram sujeitos, e que viriam a culminar com a sua extinção administrativa na fusão com o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade determinada pelo actual Governo. Enfim, um processo de liquidação da Administração Florestal do Estado que viria a culminar na originalidade da criação de um departamento governamental que obedece a uma “Tutela bicéfala” de dois Ministérios – Agricultura e Ambiente…

Um processo análogo de liquidação sucedeu com a ex-Estação Florestal Nacional, o principal laboratório de investigação florestal do Estado, que tem vindo a definhar ano após ano, cada vez mais descapitalizado de recursos humanos e de capacidade de investigar os problemas que afetam a floresta portuguesa.

A concluir este balanço, importa, no entanto, deixar uma nota positiva para o investimento realizado no planeamento florestal, com a aprovação dos Planos Regionais de Ordenamento Florestal e dos planos de gestão florestal e também para a certificação florestal, que no final de 2013 compreendia mais de 300 mil hectares de povoamentos florestais com gestão certificada. Num país que deve ter na valorização dos recursos endógenos a sua principal âncora para o desenvolvimento económico e para a coesão territorial, o sector florestal deve assumir um papel central. E, é nesse prisma que encaro o futuro deste sector com optimismo moderado.

Apesar dos sinais positivos evidenciados pela industria transformadora de base florestal, materializados no crescimento das exportações de produtos florestais, nomeadamente no segmento da industria papeleira onde a entrada em funcionamento em 2009 da nova fábrica do Grupo Portucel-Soporcel constitui uma importante alavanca, a produção florestal continua assente num reticulado de centenas de milhares de nano, mini e micro proprietários florestais que não conseguem garantir o nível de sustentabilidade de abastecimento de matéria-prima à industria que é necessário (e exigido) para afirmar Portugal e o sector florestal na economia global, mesmo tendo em consideração o esforço significativo e meritório que foi feito nos últimos dez anos para a certificação da gestão florestal.

Assim, ao perspectivar o futuro vejo, como preocupação primordial, o desafio de assegurar a rentabilidade do investimento na floresta. Mesmo no caso do eucalipto, uma cultura de ciclo curto, em que cada rotação ocorre em 10 a 12 anos, o retorno do investimento não está garantido!

Mas, há que encarar o futuro com algum optimismo. Em 2015 teremos um novo Programa de Desenvolvimento Rural e uma nova Estratégia Nacional para as Florestas. Conforme foi recentemente anunciado pela Tutela, o sector florestal irá dispor até 2020 de mais 540 milhões de euros de fundos públicos. Este é um dado relevante para encarar o desenvolvimento do sector florestal. Todavia, persiste uma dúvida fundadora – a capacidade das ZIF concretizarem o objectivo da gestão agrupada e com escala da pequena propriedade florestal e, desse modo, inverter o ciclo de desinvestimento florestal.

Sem essa capacidade de intervenção das ZIF e sem uma política florestal estável, integradora e com objectivos concretos, a cultura do pinho continuará o processo de marginalização a que tem sido votada nas ultimas duas décadas (a valorização económica da resina e da biomassa florestal poderá constituir uma solução regeneradora, mas são intermitentes os sinais que o Governo dá nesse sentido). No mesmo sentido, o sobreiro e a azinheira prosseguirão o caminho do declínio e do consequente abandono e desertificação do território.

O eucalipto, por seu turno, irá consolidar (e até reforçar) o seu papel de principal espécie do coberto florestal nacional, dado o risco menor de perda do investimento pelos incêndios e a crescente procura de matéria-prima pela industria papeleira. O pinheiro manso, e nalguns territórios, também o castanheiro, irão aumentar a sua área em resultado da valorização do fruto, embora sem o mesmo ímpeto a que se assistiu nos anos mais recentes em resultado da aplicação das politicas comunitárias de florestação de terras agrícolas.

Em suma, sem a mitigação dos riscos que incidem sobre a floresta portuguesa, sem a consolidação do movimento associativo florestal no terreno, sem um regime fiscal ajustado à realidade da produção florestal (e dos proprietários florestais), sem a valorização dos serviços prestados pelos espaços florestais e, sobretudo, sem uma política florestal estável e uma Administração Florestal forte e bem implantada no território, a perspectiva de uma evolução positiva e sustentável do sector florestal nacional na próxima década será uma projecção de realidade virtual.

Miguel Galante (Eng. Florestal)

Gazeta Rural, edição n.º 229 (25.07.2014)
Edição especial 10 anos

Uma nova estratégia para o sector florestal nacional (s)em debate

A floresta portuguesa ocupa 40 por cento do território nacional e está na base de um sector industrial forte e dinâmico, que é responsável por 15% das exportações nacionais. Este é um cenário possível da evolução, ainda que simplista, do sector florestal nacional no médio prazo.

Todavia, a sua materialização carece de uma política florestal objectiva, alicerçada numa estratégia coerente e num programa de acção robusto que a concretize. Escrevo estas linhas num momento em que já terminou o processo de auscultação pública da “Atualização da Estratégia Nacional para as Florestas”, desenvolvido pelo ICNF durante o mês de Maio.

A proposta de actualização da Estratégia Nacional para as Florestas colocada pelo ICNF em “auscultação publica” procedeu a uma actualização da informação de enquadramento, tendo adotado, de um modo geral, as recomendações de revisão apresentadas pela Equipa Técnica do Estudo de Avaliação da ENF. Nesse estudo, a Equipa Técnica propunha a manutenção da arquitectura de base da ENF, assente em seis eixos estratégicos de intervenção, sugerindo uma profunda revisão dos objectivos operacionais e estratégicos que os concretizam, tendo presente as linhas de tendência de evolução do sector florestal nacional, europeu e mundial, bem como dos impactos resultantes das alterações climáticas.


Não obstante, impõe-se uma crítica ao modo “meramente” digital da solução adoptada pelo ICNF proceder à consulta pública de um documento que deve constituir-se como a “trave-mestra” da política florestal em Portugal. De igual modo, o tempo limitado (apenas um mês) e “fora de tempo” em que esta consulta ocorreu também merece uma leitura crítica. A nova ENF (actualizada) surgirá desfasada da preparação das medidas de apoio comunitário do próximo ciclo de políticas públicas 2014-2020.

A forma e o timing desta consulta pública evidencia que para o actual Governo a floresta e o sector florestal não passam de uma campanha de marketing político, destinada a criar alguns tempos de antena junto da comunicação social, em vez de encarar a floresta como um recurso endógeno estratégico para a economia e para o desenvolvimento do mundo rural.

Ou seja, a actualização da Estratégia Nacional para as Florestas está longe de concretizar um sinal político da mesma intensidade que foi dado em 2006, sobre a importância estratégica da floresta para o país e, também, para a acção governativa, tendo-se verificado uma forte influência das linhas orientadoras da Estratégia Nacional para as Florestas na preparação das Medidas Florestais inscritas no ProDeR 2007-2013. E para fundamentar essa ideia, sublinho desde logo a ausência de uma visão política para a “renovada” Estratégia Nacional para as Florestas. Parece-me lógico e óbvio que um documento desta natureza – estratégico – deva apresentar aquela que é a visão que irá nortear a sustentabilidade do desenvolvimento do sector florestal no curto, no médio e no longo prazo. No entanto, o documento colocado à “auscultação pública” nada arrisca nessa visão de futuro…

Aliás, uma das principais lacunas desta versão “actualizada” da ENF prende-se com a falta de estabelecimento de metas quantificadas para o desenvolvimento do sector. A meta avançada de 450.000 ha área florestal certificada até 2020 constitui uma excepção num dos aspectos centrais para o delineamento da estratégia de evolução de um sector que se caracteriza por longos ciclos de retorno do investimento.

Não obstante essa importante lacuna, verifico com satisfação a manutenção da arquitectura de objetivos estratégicos que estava presente no documento adoptado em sede de Conselho de Ministros em Agosto de 2006; a proposta de actualização da ENF compreende 6 objetivos estratégicos, que são concretizados em 38 objectivos estratégicos. Uma arquitectura que reconhece a importância crescente da industria de base florestal e no potencial de internacionalização dos produtos florestais portugueses, geradores de um importante input para a economia nacional pelo Valor Acrescentado Nacional que gera.

A arquitectura de eixos também identifica, e bem, a importância da redução dos riscos percebidos como uma prioridade nacional, sobretudo quando os cenários das alterações climáticas, os cenários das alterações climáticas prevêem um agravamento das condições meteorológicas de risco de incêndio e de propagação de pragas e doenças no Sul da Europa e que constitui, a par da potencial perda de produtividade da produção florestal primária, aspectos que certamente irão nortear a evolução do sector em Portugal. No entanto, o papel da valorização económica e energética da biomassa florestal, que constitui um subsector em afirmação na produção florestal é tratada de forma marginal.

Provavelmente, tal deve-se à pressa do Governo em aprovar esta actualização da ENF, uma presa que já era invocada pelo actual titular da Pasta das Florestas no Governo (Francisco Gomes da Silva) numa entrevista ao Jornal Económico em Novembro 2013, onde afirmou que “gostaria muito de arrancar o ano de 2014 já com a ENF aprovada ou pronta para a aprovar”. Dai, a forma apressada como foi realizada a consulta pública minimalista e digital que o ICNF promoveu no seu sítio digital na Internet.
Por tudo isto, saúda-se a iniciativa desenvolvida pelo Deputado Miguel Freitas, coordenador para a agricultura e florestas do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que promoveu a realização de uma audição pública com os vários agentes do sector sobre a proposta de revisão da ENF. Enfim… era uma iniciativa deste género que seria desejável que o ICNF ou o próprio Ministério tivesse realizado em prol do debate sério sobre o futuro do sector.

O ideal seria uma jornada de trabalho como sucedeu nos idos de 1997 em torno da regulamentação da Lei de Bases da Politica Florestal. No entanto, uma reunião do Conselho Consultivo Florestal do ICNF já seria um avanço interessante na promoção do debate de ideias sobre o documento que deverá nortear o desenvolvimento do sector florestal no médio e no longo prazo. Mas, criar essa plataforma sólida de diálogo estratégico com o sector é, seguramente, pedir muito a uma casa que ainda anda à procura da sua própria identidade…

Miguel Galante(Eng. Florestal)

Gazeta Rural, edição n.º 226 (15.06.2014)

Nota: o autor destas linhas integrou a Equipa Técnica do IESE – Instituto de Estudos Sociais e Económicos que, sob a coordenação do Dr. Oliveira das Neves, produziu o “Estudo de Avaliação da implementação da Estratégia Nacional para as Florestas”, entregue ao ICNF em Setembro de 2012 e que seria objecto de discussão pública precisamente em Maio de 2013.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

O futuro da floresta em Portugal

Em meados de Fevereiro a Fundação Francisco Manuel dos Santos publicou um ensaio da autoria do Professor João Santos Pereira do Instituto Superior de Agronomia, que serviu de mote e inspiração para este texto de opinião. Um livro que serviu de base ao debate promovido pela Sociedade Portuguesa de Ciências Florestais no Dia Internacional da Floresta.

Trata-se de uma obra que ao longo de 92 páginas, apresenta uma caracterização da floresta e do sector florestal em Portugal e dos principais conceitos inerentes à silvicultura e que termina com um capítulo subordinado aos desafios do futuro e às políticas florestais.


É sabido que a floresta tem um elevado valor económico, social e ambiental e, sobretudo, cria riqueza que se materializa no elevado volume de exportações das industrias de base florestal, com saldo amplamente positivo na balança comercial portuguesa. E, como o Presidente da República fez questão de assinalar por ocasião da celebração do Dia Internacional da Floresta, 21 de Março, “é da maior importância sensibilizar os portugueses para a defesa, a protecção e a valorização da nossa floresta”.

Mas, que futuro está reservado para a floresta em Portugal? Uma floresta que está nas mãos de privados e que no espaço de 100 anos passou de uma ocupação residual para ocupar mais de um terço do território e que tem revelado grande dinamismo assente sobretudo no eucalipto, o principal produto florestal em termos de valor de produção e que assume cada vez maior importância económica. O autor da obra supracitada elenca quatro eixos fundamentais para a política florestal em Portugal: a defesa da floresta contra incêndios, a florestação/reflorestação, a protecção contra pragas e doenças e a adaptação às alterações climáticas.

Numa análise atenta é fácil perceber que os riscos que pendem sobre o futuro da floresta são complexos e exigem uma intervenção bastante articulada entre o Estado/Administração Central e os privados, detentores de cerca de 98 por cento da floresta em Portugal. Uma articulação que pode ser estruturada com base no estabelecimento de contratos-programa plurianuais com as organizações de produtores florestais e que permitam a operacionalização no terreno, junto dos proprietários e produtores florestais, das orientações de política florestal.

No entanto, verifica-se que o instrumento de política que deveria estabelecer a visão e as orientações estratégicas – a nova Estratégia Nacional para as Florestas, tarda em surgir, correndo o risco de não ter capacidade de influenciar o principal mecanismo de financiamento público da floresta portuguesa nos próximos anos, o Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020.

O PDR 2020 apresenta os apoios destinados ao sector florestal em duas Medidas – M4. Valorização dos recursos florestais e M8. Protecção e reabilitação de povoamentos florestais, onde se incluem os apoios para a melhoria do valor económico das florestas e que contemplam a elegibilidade dos custos inerentes ao processo de certificação florestal.

Tal como o Prof. João Santos Pereira identifica, são muitos os desafios que se colocam à floresta e ao sector florestal em Portugal e que tem na mitigação do risco dos incêndios florestais “o principal factor limitante para o investimento na floresta”. Mas outros desafios carecem de medidas que devem ser inscritas numa política florestal sólida na visão de longo prazo, estável do ponto de vista institucional e de “geometria variável”, ou seja, com a amplitude e flexibilidade necessária para dar resposta às várias realidades e multifuncionalidades das florestas que compõem o coberto nacional.

A produtividade da atividade florestal não tem evidenciado uma evolução positiva, para o que têm contribuído os incêndios e danos causados por agentes bióticos nocivos cujos efeitos se têm vindo a agravar com as alterações climáticas. Do meu ponto de vista é aqui que reside o maior desafio de todos – o combate à negligência e ao abandono florestal através da gestão activa e profissional da floresta, ou seja, tornar a floresta um activo rentável e que vale a pena investir!

Existe potencial para afirmar a floresta enquanto um recurso endógeno estratégico para o País quer como produtor de bens transaccionáveis, quer como um pilar da sustentabilidade ambiental do território. É preciso olhar para o futuro, estar bem ciente dos impactos dos cenários das alterações climáticas e procurar novas soluções tendo presente o contributo da floresta e do sector florestal para a Economia Verde, nomeadamente em matéria da utilização eficiente e sustentável dos recursos florestais, da produção de energias renováveis e da valorização das amenidades geradas nos ecossistemas florestais através do pagamento dos serviços silvoambientais prestados à Sociedade.

Miguel Galante
(Eng. Florestal)

Gazeta Rural, edição n.º 221 (28.03.2014)

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Portugal pela Floresta

No passado dia 14 de Janeiro a Fundação Calouste Gulbenkian acolheu a sessão de lançamento da iniciativa governamental “Portugal pela Floresta”. Conforme foi anunciado na ocasião pela Ministra da Agricultura, Assunção Cristas, esta iniciativa vai desenvolver um conjunto de acções ao longo de 2014 que têm como objectivo colocar a floresta na agenda dos portugueses, através da realização de várias acções de reflexão e de sensibilização para promover e valorizar a floresta portuguesa.

De facto, a floresta portuguesa tem valor e a sua importância deve ser do conhecimento dos Portugueses. O valor acrescentado deste sector representa 2% do Produto Interno Bruto nacional e contribui para cerca de 10% das exportações de bens. Em 2011, de acordo com as estatísticas do INE, a fileira florestal apresentou um saldo fortemente positivo na balança comercial externa, na ordem dos 1.892 milhões de Euros. Do ponto de vista social, o sector florestal também tem um peso relevante, sendo responsável por cerca de 100.000 postos de trabalho, muitos localizados em territórios deprimidos do interior do País.

Painel de oradores na sessão de lançamento da iniciativa governamental "Portugal pela Floresta"
De facto, são muitas as iniciativas governamentais para o sector florestal inscritas nas Grandes Opções do Plano. Segundo o Governo, será “dado particular empenho na consolidação do contributo do sector florestal no crescimento económico nacional e na sustentabilidade dos territórios”. Passemos às intenções…

O Governo enfatiza que será reforçada a coerência entre os diversos instrumentos de planeamento, face às exigências do novo ciclo de programação 2014-2020. Esta é uma matéria crítica para um bom aproveitamento dos fundos financeiros que serão disponibilizados para o sector e nesse sentido, o Ministério da Agricultura prevê a actualização da Estratégia Nacional para as Florestas, do Plano Nacional de Acção de Combate à Desertificação e do Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios.

Também em 2014, o Ministério de Assunção Cristas irá proceder à simplificação dos instrumentos operacionais e do quadro jurídico e regulamentar do sector florestal, o que traduzir-se-á na revisão dos Planos Regionais de Ordenamento Florestal, do Programa de Sapadores Florestais, estando também prevista a revisão de outros regimes jurídicos (Zonas de Intervenção Florestal, Caça e Recursos Cinegéticos, e Pesca e Aquicultura das Águas Interiores). Portanto, se o Governo conseguir concretizar tudo isto a que se propõe em 2014, será o “ano das florestas” em Portugal. Mas…o importante será concretizar essas intenções…

Mais, o Governo prevê ainda a implementação do Programa Operacional de Sanidade Florestal, onde será reforçada a prioridade na erradicação e controlo de pragas e doenças que mais severamente afectam os ecossistemas florestais, sendo que no quadro específico do Plano de Acção Nacional para o Controlo do Nemátodo da Madeira do Pinheiro, com a adopção de um novo modelo de intervenção na zona tampão. Muito bem! É uma medida acertada e necessária para o país, dada a área significativa de floresta que está afectada pela acção dos agentes bióticos nocivos. Todavia, este novo programa operacional já foi anunciado pelos responsáveis do ICNF há mais de um ano.

Curiosamente, as Grande Opções do Plano são omissas quanto à intervenção na Defesa da Floresta Contra Incêndios. Para além de uma breve referência quanto à necessidade de redefinição do modelo de utilização de meios aéreos de combate a incêndios florestais (em sequência da extinção da Empresa de Meios Aéreos, SA), nada é referido sobre a intervenção do Governo em matéria da prevenção dos incêndios florestais, como se este problema não constituísse a principal ameaça à sustentabilidade da floresta portuguesa e a principal preocupação da Protecção Civil em Portugal, com os riscos conhecidos associados à protecção de pessoas e bens. Também o investimento na gestão e rentabilização das florestas de gestão pública é omisso nas Grandes Opções do Plano para 2014, como se Portugal pudesse dar ao luxo de desperdiçar os seus recursos próprios….

Mas, gostaria de voltar ao tema desta crónica – a iniciativa governamental “Portugal pela Floresta”. Pois bem, em contraponto à propaganda governativa que representou o acto inicial desta iniciativa do Ministério da Agricultura, aqui ao lado, em Espanha, foi apresentado pelo Ministro da Agricultura o “Plano de Activação Socio-economica do Sector Florestal”, destinado a orientar a acção e os fundos públicos para o período 2014–2020 e que me parece constituir uma iniciativa governamental objectivamente mais útil para o desenvolvimento do sector florestal.

Este plano de acção sectorial, alicerçado num conjunto de linhas de actuação de responsabilidade institucional (Governo e sector público) e de iniciativa privada, dos agentes e organizações do sector, tem como objectivo aproveitar a capacidade do sector florestal para alavancar a economia e contribuir para o desenvolvimento e emprego no mundo rural e para a melhoria das qualificações e competências dos profissionais da floresta.

O plano preconiza ainda a melhoria da gestão e o aumento do valor económico dos activos florestais e da competitividade das empresas do sector. De facto, esta iniciativa do Governo espanhol parece-me ser bastante mais meritória e amplamente justificadora de uma abordagem semelhante por terras lusas.

Portugal e o sector florestal necessitam urgentemente duma visão estratégica enquadradora, que estabeleça as grandes linhas de actuação nos vários domínios de intervenção e, ancorados numa Estratégia Nacional para as Florestas devidamente revista, se possam estabelecer as principais metas do crescimento e, desse modo, orientar a programação e as regras de acesso aos fundos comunitários que serão disponibilizados para o apoio ao sector florestal no período 2014 – 2020, tanto do FEADER como nos outros fundos e regulamentos europeus – FEDER, FSE, Fundo de Coesão, LIFE, etc.

Num País em que os espaços florestais correspondem a cerca de 2/3 do território nacional e representam um recurso importante para o desenvolvimento dos territórios de baixa densidade do interior, o Governo e as organizações representativas do sector têm obrigação de fazer muito mais e melhor.

A floresta deve ser encarada como um recurso prioritário para o desenvolvimento do País. Já é tempo de passar do diagnóstico à estratégia, da intenção à acção concreta, e, de preferência, de uma forma participada. “Portugal pela Floresta” deve ser sinónimo de concretização e esta “mudança do chip” não parece ser difícil, basta olhar para o outro lado da fronteira…

Miguel Galante
(Eng. Florestal)

Gazeta Rural, edição n.º 217 (31.01.2014)

Um balanço pouco positivo para 2013 na floresta portuguesa

Em resposta ao desafio lançado pelo editor da Gazeta Rural para reflectir um balanço do ano que agora finda, começo por recordar que na primeira edição de 2013 escrevi neste espaço de opinião que este ano seria o “ano de todos os desafios”. Desafios internos, na estabilização instituicional do ICNF e na conclusão da revisão dos PROF e desafios externos, com destaque evidente para a programação dos fundos comunitários de apoio ao sector florestal no contexto do Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020.

No entanto, numa leitura critica e atenta dos acontecimentos que marcaram este ano – o pior registo de incêndios florestais desde 2005, a (óbvia) separação dos Ministérios da Agricultura e do Ambiente com a originalidade do ICNF ficar com a dupla tutela de uma Secretaria de Estado de cada um dos dois Ministérios (…) e um PDR ainda por aprovar, são factores negativos que pesam de sobremaneira no cômputo desse balanço.

O sector florestal nacional ainda tem um longo caminho a percorrer
Nos incêndios florestais, já correu muita tinta e continua a correr face às conclusões preliminares apuradas no relatório que analisou o acidente mortal no Caramulo e que identificou falhas humanas na sua origem. Apesar do agravamento dos incêndios florestais terem merecido uma justa preocupação da parte da sociedade civil, o Governo não deu sinais de reagir com a premência que o problema exige. O balanço do desempenho do DECIF em Novembro continuou a não evidenciar quaisquer sinais de uma acção estruturada e integrada entre os três pilares do Sistema Nacional de DFCI para mitigar os problemas que se têm vindo a agravar nos últimos anos e que estão vincados nos grandes incêndios florestais.

É urgente avaliar de forma pragmática, séria e sem tabus, os acontecimentos registados nos últimos dois anos, rever o Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios e voltar a mobilizar os agentes de protecção civil na estruturação de um compromisso responsável e de longo prazo em torno deste desígnio nacional que é a mitigação do flagelo dos incêndios florestais – sempre que arde um hectare de floresta, o país fica mais pobre!

Sobre a dupla tutela a que o ICNF está actualmente sujeito, não disponho de informação concreta que permita uma análise profunda sobre a eficácia seu funcionamento. Mas, numa leitura de leigo, diria que não é uma solução estável nem viável no longo prazo, sobretudo, num sector que carece de estabilidade e que todos os anos é surpreendido com novidades. Aliás, somente há dias foi publicado em Diário da República o despacho que determina a conclusão do processo de extinção, por fusão, do ICNB e da AFN e respectiva integração no Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I. P.

E sobre a conclusão da revisão dos PROF, não há resultados à vista. A resposta do Governo foi prolongar em Fevereiro a conclusão desse processo pelo prazo de mais dois anos. Talvez se esteja a aguardar pela informação actualizada do Inventário Florestal Nacional…

Na minha perspectiva, o processo concursal do trabalho de campo para a realização do Inventário Florestal Nacional acabou por constituir a principal marca positiva de 2013. O Inventário Florestal Nacional é uma ferramenta fundamental para se conhecer com profundidade a realidade da floresta, a forma como tem evoluído e, com base nesses elementos, formular a política que melhor se adequa ao desenvolvimento do sector, nomeadamente no segmento produtivo.

Nesse prisma, o Inventário Florestal Nacional, constitui também uma peça importante para a revisão da Estratégia Nacional para as Florestas. Durante o meses de Maio e Junho decorreram várias sessões publicas de apresentação do estudo que procedeu à sua avaliação e, do qual, resultou um conjunto sólido de propostas de revisão. Se bem percebi nas palavras do Secretário de Estado das Florestas, esta é (e bem) uma prioridade da acção governativa cujo desfecho não tem ainda um prazo efectivo à vista.

Registam-se também atrasos na publicação da legislação nacional que enquadra a aplicação do Regulamento Comunitário de Comércio da Madeira e que entrou em vigor em Março de 2013. Tal como o novo regulamento do comércio de pinhas ainda está por publicar, apesar do seu anuncio já ter sido feito há mais de um ano. Enfim, feitas as contas, o balanço de 2013 é marcado pelos atrasos e sucessivos anúncios inconsequentes da parte dos representantes do Governo e, por isso, pouco positivo.

A continuação do bom desempenho do comércio externo de produtos florestais é um aspecto positivo, mas decorre sobretudo da iniciativa do sector privado do que propriamente de estímulos ou politicas com origem na acção do Governo, como sucede na Finlândia ou no Canadá, países em que a floresta e o sector florestal são, de facto, prioridades da acção governativa.

O arranque do novo PDR em 2014 deve constituir uma boa oportunidade para um novo estimulo ao desenvolvimento do sector florestal, complementado com uma nova Estratégia Florestal Nacional, com os PROF revistos, com o PDR aprovado e com um novo corpo gerente do ICNF, 2014 reune as condições para mobilizar os agentes do sector e inaugurar um novo ciclo para a floresta portuguesa.

Miguel Galante(Eng. Florestal)

Gazeta Rural, edição n.º 215 (15.12.2013)

PS: Errare humanum est... Por lapso, não mencionei a 5 de junho, foi publicado o Decreto-Lei n.º 76/2013 que cria o Registo de Operador de Madeira e de Produtos Derivados e estabelece o regime sancionatório aplicável às infrações ao Regulamento (UE) n.º 995/2010