III Congresso da AIFF - Insdustrias de Base Florestal: acrescentando (o) futuro |
“O pinho hoje está doente em Portugal” - Foi esta a manchete do Jornal de
Negócios na reportagem que publicou sobre o III Congresso da AIFF. Todavia, antes
de prosseguir, devo acrescentar que a doença que afecta a fileira do pinho já é
crónica. Há já mais de duas décadas que os sintomas são por demais evidentes –
abandono generalizado da resinagem e dos pinhais, que os tornou pasto fácil das
chamas ou da “reconversão” em eucaliptais (mais ou menos produtivos), perda da
rentabilidade económica da madeira de pinho, encerramento de serrações por todo
o interior de Portugal, etc., etc. Uma situação de crise desta fileira que
viria a ser agravada pela incidência do Nemátodo da Madeira do Pinheiro e que
materializa na redução progressiva da área de pinheiro bravo.
Portanto, os problemas que afectam os pinhais em Portugal, que nos anos 80
do século ocupavam mais de um milhão de hectares do território nacional e
serviam de suporte a toda uma fileira transformadora de produtos e subprodutos
que, por sua vez, mantinha postos de trabalho no interior do Pais e asseguravam
rendimento a milhares de pequenos proprietários, são uma evidência da falta de
rumo que tem pautado a política florestal em Portugal.
E é neste ponto que importa saudar a iniciativa da Associação para a Competitividade
das Industrias da Fileira Florestal, que procurou com a realização do “estudo
prospectivo sobre o sector florestal” apresentar propostas de políticas
públicas para aumentar a competitividade deste importante sector da actividade
económica em Portugal, nomeadamente a montante, na produção, por forma a
assegurar a sustentabilidade do abastecimento de matéria-prima à indústria. No
entanto, a receita que a AIFF prescreve para os “males” da floresta portuguesa não
é nem inovadora, nem ambiciosa.
Os “remédios” propostos pela AIFF assentam na promoção e capacitação de
formas de gestão florestal agrupada, profissional e certificada, no
desenvolvimento da investigação, da formação e da extensão e na reforma do modo
de governação do sector florestal. A AIFF também reclama o estabelecimento de
contratos-programa plurianuais, isenções de IMI, IMT e imposto de selo,
incentivos fiscais ao investimento, apoio financeiro público a projectos
florestais e agro-florestais, bem como limites às taxas de licenciamentos,
vigilância policial nos espaços florestais, entre muitas outras medidas.
Da leitura da “uma visão para o sector florestal” da AIFF, um “resumo
não-técnico para decisores políticos”, destaco o capítulo dedicado às propostas
para “reformar o modo e governação do sector florestal” que estabelece seis
linhas de intervenção – (1) publicitação dos financiamentos públicos; (2)
produção e publicação de relatórios de execução e de impacto; (3) Conselho
Consultivos Florestais; (4) Informação pública de apoio à decisão; (5) Relatório
sobre o estado do Sector Florestal e (6) Programa de comunicação e educação
cívica.
Desde logo, sobressai um aspecto crítico, mas recorrente, a completa omissão
sobre o papel que o sector industrial deverá desempenhar no fomento da
competitividade da fileira florestal. Do meu ponto de vista, essa postura de
desresponsabilização da indústria transformadora na política florestal
constitui um dos principais pontos críticos para o desenvolvimento sustentável
da floresta em Portugal.
Numa floresta maioritariamente privada, atomizada e fragmentada, e num
mercado florestal opaco, a inexistência de um compromisso de médio/longo entre
a produção e a transformação no que respeita ao apoio técnico para a melhoria
da produtividade e à estabilização de um preço base para a matéria-prima retira
o necessário capital de confiança ao proprietário privado que faz um
investimento cujo retorno demora pelo menos 10 anos (no caso do eucalipto).
Colocar toda a responsabilidade da política florestal no sector público,
num Estado que tem vindo progressivamente desde 1995 a desmantelar a
Administração Florestal, é um exercício de alto risco e que pode comprometer
toda a estratégia pela base. E, para agravar os problemas de fundo do
desinvestimento no sector florestal, há que somar a inercia deste Governo e do
Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, que foi incapaz de
assumir as suas competências de Autoridade Florestal Nacional no consulado de
Assunção Cristas.
O relatório do estado da floresta portuguesa não existe, o investimento
produtivo nas matas públicas não acontece, o Fundo Florestal Permanente não apoia,
o Cadastro Florestal não avança, a operacionalização das ZIF não se concretiza (excepto
no papel e na retórica de alguns discursos governamentais), a revisão dos PROF que
não tem fim à vista, as medidas florestais do novo PDR que são desconhecidas e
a promessa dos benefícios fiscais em IRS para os investimentos na floresta que não
passam disso mesmo, de uma promessa. Enfim, os aspectos centrais para
desenvolver o sector florestal produtivo tardam em concretizar-se, excepção
feita para o diploma que regulamenta o licenciamento das (re)arborizações,
cujos pedidos autorizados incidem em mais de 80 porcento na (re)arborização de
eucalipto, de acordo com a informação disponibilizada pelo ICNF em Junho.
Mas, voltando ao estudo da AIFF e às suas conclusões. Em 2071, em qualquer
dos cenários de evolução, a fileira do pinho vai apresentar um défice de
significativo de oferta face às necessidades da indústria, constituindo a
situação mais grave do ponto de vista do crescente desequilíbrio entre a oferta
e a procura de matéria-prima que "compromete e condiciona o futuro das
indústrias do sector florestal em Portugal".
No entanto, a fileira do pinho não teve capacidade (ou interesse…) em se
organizar em torno de um plano mobilizador de desenvolvimento de fileira, de um
“PROPINHO” que a partir dos muitos diagnósticos conhecidos consiga encontrar o
caminho e as soluções que o sector necessita para evoluir e que foram
apresentadas (ainda que de forma avulsa) no seminário “Mais e melhor pinhal”,
organizado pelo Centro Pinus em Dezembro de 2012. Enfim, é preciso acção e,
sobretudo, maior assertividade das federações de produtores florestais na
definição desse caminho junto da industria e das instâncias governamentais.
Sai do Congresso com duas questões por esclarecer: Qual é o compromisso da indústria
da fileira florestal nesse novo desígnio nacional de aumentar a competitividade
do sector e quando irá Portugal ser dotado de uma verdadeira Estratégia
Florestal Nacional que estabeleça o rumo da política florestal nos próximos 50
anos? Concordo que o desenvolvimento da produção florestal em Portugal carece
de uma aposta duradoura na redução dos riscos, na melhoria (e
profissionalização) das práticas de gestão silvícola e no melhoramento genético
das essências florestais que estão na base das indústrias da fileira florestal.
Mas, onde estão escritas as linhas orientadoras da politica florestal em
Portugal no médio e longo prazo?
Com a demissão do Secretário de Estado das Florestas no passado dia 2 de
Outubro (o segundo, na vigência do actual Governo), a responsabilidade política
sobre a conclusão da actualização da Estratégia Nacional para as Florestas recai
exclusivamente na Ministra Assunção Cristas. Aguardemos, pois, por um desfecho
sensato e útil. Como expressou o Professor Daniel Bessa no Congresso da AIFF, o
estudo prospectivo do sector florestal “não bate certo” com a Estratégia
Nacional para as Florestas e é “preciso dizer ao Governo que não estamos a ir
pelo bom caminho”. Assino por baixo!
Miguel Galante
(Eng. Florestal)
(Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 234 (13.10.2014)