sexta-feira, 17 de outubro de 2014

A floresta portuguesa precisa de competitividade

III Congresso da AIFF - Insdustrias de Base Florestal: acrescentando (o) futuro

“O pinho hoje está doente em Portugal” - Foi esta a manchete do Jornal de Negócios na reportagem que publicou sobre o III Congresso da AIFF. Todavia, antes de prosseguir, devo acrescentar que a doença que afecta a fileira do pinho já é crónica. Há já mais de duas décadas que os sintomas são por demais evidentes – abandono generalizado da resinagem e dos pinhais, que os tornou pasto fácil das chamas ou da “reconversão” em eucaliptais (mais ou menos produtivos), perda da rentabilidade económica da madeira de pinho, encerramento de serrações por todo o interior de Portugal, etc., etc. Uma situação de crise desta fileira que viria a ser agravada pela incidência do Nemátodo da Madeira do Pinheiro e que materializa na redução progressiva da área de pinheiro bravo.

Portanto, os problemas que afectam os pinhais em Portugal, que nos anos 80 do século ocupavam mais de um milhão de hectares do território nacional e serviam de suporte a toda uma fileira transformadora de produtos e subprodutos que, por sua vez, mantinha postos de trabalho no interior do Pais e asseguravam rendimento a milhares de pequenos proprietários, são uma evidência da falta de rumo que tem pautado a política florestal em Portugal.

E é neste ponto que importa saudar a iniciativa da Associação para a Competitividade das Industrias da Fileira Florestal, que procurou com a realização do “estudo prospectivo sobre o sector florestal” apresentar propostas de políticas públicas para aumentar a competitividade deste importante sector da actividade económica em Portugal, nomeadamente a montante, na produção, por forma a assegurar a sustentabilidade do abastecimento de matéria-prima à indústria. No entanto, a receita que a AIFF prescreve para os “males” da floresta portuguesa não é nem inovadora, nem ambiciosa.

Os “remédios” propostos pela AIFF assentam na promoção e capacitação de formas de gestão florestal agrupada, profissional e certificada, no desenvolvimento da investigação, da formação e da extensão e na reforma do modo de governação do sector florestal. A AIFF também reclama o estabelecimento de contratos-programa plurianuais, isenções de IMI, IMT e imposto de selo, incentivos fiscais ao investimento, apoio financeiro público a projectos florestais e agro-florestais, bem como limites às taxas de licenciamentos, vigilância policial nos espaços florestais, entre muitas outras medidas.

Da leitura da “uma visão para o sector florestal” da AIFF, um “resumo não-técnico para decisores políticos”, destaco o capítulo dedicado às propostas para “reformar o modo e governação do sector florestal” que estabelece seis linhas de intervenção – (1) publicitação dos financiamentos públicos; (2) produção e publicação de relatórios de execução e de impacto; (3) Conselho Consultivos Florestais; (4) Informação pública de apoio à decisão; (5) Relatório sobre o estado do Sector Florestal e (6) Programa de comunicação e educação cívica.

Desde logo, sobressai um aspecto crítico, mas recorrente, a completa omissão sobre o papel que o sector industrial deverá desempenhar no fomento da competitividade da fileira florestal. Do meu ponto de vista, essa postura de desresponsabilização da indústria transformadora na política florestal constitui um dos principais pontos críticos para o desenvolvimento sustentável da floresta em Portugal.

Numa floresta maioritariamente privada, atomizada e fragmentada, e num mercado florestal opaco, a inexistência de um compromisso de médio/longo entre a produção e a transformação no que respeita ao apoio técnico para a melhoria da produtividade e à estabilização de um preço base para a matéria-prima retira o necessário capital de confiança ao proprietário privado que faz um investimento cujo retorno demora pelo menos 10 anos (no caso do eucalipto).

Colocar toda a responsabilidade da política florestal no sector público, num Estado que tem vindo progressivamente desde 1995 a desmantelar a Administração Florestal, é um exercício de alto risco e que pode comprometer toda a estratégia pela base. E, para agravar os problemas de fundo do desinvestimento no sector florestal, há que somar a inercia deste Governo e do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, que foi incapaz de assumir as suas competências de Autoridade Florestal Nacional no consulado de Assunção Cristas.

O relatório do estado da floresta portuguesa não existe, o investimento produtivo nas matas públicas não acontece, o Fundo Florestal Permanente não apoia, o Cadastro Florestal não avança, a operacionalização das ZIF não se concretiza (excepto no papel e na retórica de alguns discursos governamentais), a revisão dos PROF que não tem fim à vista, as medidas florestais do novo PDR que são desconhecidas e a promessa dos benefícios fiscais em IRS para os investimentos na floresta que não passam disso mesmo, de uma promessa. Enfim, os aspectos centrais para desenvolver o sector florestal produtivo tardam em concretizar-se, excepção feita para o diploma que regulamenta o licenciamento das (re)arborizações, cujos pedidos autorizados incidem em mais de 80 porcento na (re)arborização de eucalipto, de acordo com a informação disponibilizada pelo ICNF em Junho.

Mas, voltando ao estudo da AIFF e às suas conclusões. Em 2071, em qualquer dos cenários de evolução, a fileira do pinho vai apresentar um défice de significativo de oferta face às necessidades da indústria, constituindo a situação mais grave do ponto de vista do crescente desequilíbrio entre a oferta e a procura de matéria-prima que "compromete e condiciona o futuro das indústrias do sector florestal em Portugal".

No entanto, a fileira do pinho não teve capacidade (ou interesse…) em se organizar em torno de um plano mobilizador de desenvolvimento de fileira, de um “PROPINHO” que a partir dos muitos diagnósticos conhecidos consiga encontrar o caminho e as soluções que o sector necessita para evoluir e que foram apresentadas (ainda que de forma avulsa) no seminário “Mais e melhor pinhal”, organizado pelo Centro Pinus em Dezembro de 2012. Enfim, é preciso acção e, sobretudo, maior assertividade das federações de produtores florestais na definição desse caminho junto da industria e das instâncias governamentais.

Sai do Congresso com duas questões por esclarecer: Qual é o compromisso da indústria da fileira florestal nesse novo desígnio nacional de aumentar a competitividade do sector e quando irá Portugal ser dotado de uma verdadeira Estratégia Florestal Nacional que estabeleça o rumo da política florestal nos próximos 50 anos? Concordo que o desenvolvimento da produção florestal em Portugal carece de uma aposta duradoura na redução dos riscos, na melhoria (e profissionalização) das práticas de gestão silvícola e no melhoramento genético das essências florestais que estão na base das indústrias da fileira florestal. Mas, onde estão escritas as linhas orientadoras da politica florestal em Portugal no médio e longo prazo?

Com a demissão do Secretário de Estado das Florestas no passado dia 2 de Outubro (o segundo, na vigência do actual Governo), a responsabilidade política sobre a conclusão da actualização da Estratégia Nacional para as Florestas recai exclusivamente na Ministra Assunção Cristas. Aguardemos, pois, por um desfecho sensato e útil. Como expressou o Professor Daniel Bessa no Congresso da AIFF, o estudo prospectivo do sector florestal “não bate certo” com a Estratégia Nacional para as Florestas e é “preciso dizer ao Governo que não estamos a ir pelo bom caminho”. Assino por baixo!

Miguel Galante
(Eng. Florestal)

Gazeta Rural, edição n.º 234 (13.10.2014)