sábado, 13 de outubro de 2012

Quebrar o ciclo dos incêndios florestais (III): As lições de 2012

O texto que se segue encerra a trilogia de crónicas subordinadas aos incêndios florestais, a principal ameaça à sustentabilidade da floresta portuguesa e um tema que, infelizmente, ano após ano, está no foco da opinião pública durante os meses de Verão.

O período crítico de incêndios florestais, determinado pelo Governo, terminou no passado dia 30 de Setembro. É hora de fazer um primeiro balanço aos incêndios florestais ocorridos em 2012. Desde logo, sobressai a enorme área ardida. De acordo com o ultimo relatório oficial do ICNF, já foram contabilizados mais de 104.000 ha consumidos pelas chamas, dos quais 45% incidiram em povoamentos florestais.



Os grandes incêndios florestais, que foram responsáveis por mais de 70% da área ardida, constituíram um outro aspecto marcante de 2012. E aqui destaca-se, claramente, o trágico incêndio de Tavira/São Brás de Alportel, no qual arderam mais de 21.000 ha de florestas e matos e de que resultaram avultados prejuízos económicos e ambientais. Um “mega-incêndio” que correspondeu a mais de 20% do total de área ardida e que evidenciou as fragilidades do dispositivo de Protecção Civil perante um teatro de operações de elevada complexidade.

Este grande incêndio da Serra do Caldeirão também colocou em evidência a falta de preparação do poder político para gerir esta ocorrência – primeiro, um relatório inconclusivo de mais de cem páginas da Autoridade Nacional de Protecção Civil, depois, a “emendar a mão”, o pedido de um relatório independente cujas conclusões ainda não são do conhecimento público mas que parecem identificar o óbvio, ou seja, que nem tudo correu bem na gestão dessa ocorrência.

Mas, este incêndio também evidenciou a falta dos Governos Civis. Extintos pelo actual Governo, tratavam-se de órgãos de âmbito regional (distrital), que desempenhavam um importante papel de coordenação política à escala supra-municipal. Sem a coordenação dos Governos Civis, os planos distritais de Defesa da Floresta Contra Incêndios são “letra morta”, perdidos numa prateleira qualquer.

Voltando ao balanço de 2012, numa análise mais a montante, também o número de fogos continua a ser preocupante: 20.500 ocorrências. Um registo sem paralelo no Sul da Europa e que levou o especialista norte-americano Mark Beighley a afirmar em 2009 que os “portugueses são o problema”, porque mais de 97% das ignições são causadas pelo homem. Mas, sobre as políticas de prevenção activa e sensibilização para os incêndios florestais trataremos numa crónica futura.

Em 2012, importa também salientar a quantidade de área ardida em Fevereiro e Março em consequência da seca que o país atravessou – mais de 30.000 ha contabilizados, cerca de um terço da área ardida este ano e que multiplicou por muito os valores médios registados nesse período na última década. Este facto, a meu ver, justifica que a legislação nacional adopte um mecanismo mais flexível de ajustamento à escala municipal das medidas especiais de prevenção de incêndios, como sucede, por exemplo, em alguns Estados dos EUA em que são as Comissões Municipais que determinam o nível do alerta, as medidas preventivas e os períodos de vigência das mesmas, pois as condições meteorológicas e biofísicas de risco de incêndio florestal variam bastante consoante o território.

Mas, a principal nota a reter dos incêndios florestais em 2012 é a superação da barreira de 100.000 ha de área ardida inscrita no Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios, depois de em 2010 terem ardido mais de 130.000 ha. Nessa ocasião, o Governo determinou que se procedesse a uma avaliação externa independente da execução do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios no biénio 2009-2010, cujo relatório ficou concluído em meados de 2011.

Este ano, face às características dos dados apurados – elevado número de ocorrências, excepcionalidade da área ardida em Fevereiro e Março, persistência e agravamento dos grandes incêndios florestais - justificava-se ir mais além. Com base nos resultados da avaliação do biénio 2009/2010, importaria proceder a uma revisão intercalar do Plano Nacional de DFCI.

Complementarmente, importaria, também, proceder a uma avaliação externa do desempenho do dispositivo de combate aos incêndios florestais em 2012. Apesar do mecanismo de resposta em ataque inicial e do sistema de comando ter melhorado significativamente com a Reforma da Protecção Civil de 2006, as estatísticas de 2012 deixam transparecer que algo não terá corrido bem no combate aos incêndios florestais.

Termino com palavras do especialista Mark Beighley: “O combate melhorou e em anos com condições meteorológicas normais ou abaixo do normal, em que os fogos estejam em zonas do litoral, urbanizadas, os meios devem responder de forma eficiente, mas mesmo em anos normais, as forças de combate podem ter problemas em responder a grandes incêndios nas zonas rurais”, disse em 2009. Palavras que devem merecer a reflexão do poder político e dos agentes de Protecção Civil envolvidos na defesa da floresta portuguesa.


Miguel Galante(Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 188