segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Quebrar o ciclo dos incêndios florestais (II): as políticas do território

As estatísticas das Nações Unidas revelam que todos os anos ardem mais de um milhão de hectares de espaços florestais na Bacia Mediterrânica, um registo preocupante que se tem agravado nas últimas décadas, e que resulta das profundas alterações sociais e demográficas ocorridas no mundo rural nos últimos cinquenta anos, bem como do efeito das alterações climáticas.

Portugal, que é o país do Sul da Europa mais afectado pelos incêndios florestais, tem essas alterações bem vincadas no território: na década de 50 do século passado, mais de metade do território era agricultado; hoje, os espaços florestais (áreas de florestas e matos) cobrem mais de 2/3 do território nacional.

Faixa de gestão de combustíveis (rede primária) na Serra da Estrela (Manteigas)
Projecto EEA-Grants
O êxodo rural, iniciado nas décadas de 50 e 60 do século passado, deu origem a um processo de “renaturalização” da paisagem rural, nomeadamente por via da expansão do pinhal bravo. Daí resultaram grandes manchas contínuas de floresta com elevada carga combustível e um consequente agravamento do risco de incêndio. A vulnerabilidade do território ficou bem patente nos “mega-incêndios” florestais de 2003, 2004 e 2005.

Os espaços florestais a norte do Tejo e também na Serra Algarvia que têm sido palco das chamas, são disso um bom exemplo. Esses territórios apresentam uma floresta desordenada e assente numa estrutura fundiária de pequena e muito pequena propriedade, em que normalmente a gestão florestal é incipiente ou mesmo ausente. Ou seja, como referiu o Prof. Francisco Rego, um dos principais especialistas nacionais em fogos florestais, “a questão fundamental dos fogos reside nos problemas do ordenamento e da gestão da propriedade florestal”.

As Zonas de Intervenção Florestal poderiam ser uma boa solução para o fomento da intervenção profissional e com escala nesses territórios (os problemas dos incêndios florestais transcendem as dimensões do proprietário individual). Todavia, as ZIF continuam a deparar-se com dificuldades no acesso ao ProDeR para a gestão florestal e mesmo os apoios para a Defesa da Floresta Contra Incêndios, apenas ficaram acessíveis em pleno no ano passado…

Daí, a importância das políticas territoriais para a defesa da floresta contra os incêndios. É indiscutível a necessidade de aumentar a resiliência do território aos incêndios florestais. Para tal, é necessário promover um correcto ordenamento florestal, estimular a alteração da composição da floresta e a compartimentar as grandes manchas florestais, com o recurso às florestas mistas e às folhosas autóctones de crescimento lento (ex. carvalhos), em complementaridade com as faixas e mosaicos de gestão de combustível.

Este é um processo de longo prazo e cuja implementação não é fácil, sobretudo quando cerca de 90% da floresta está na posse de mais de 400 mil pequenos proprietários e quando a rentabilidade da floresta é cada vez menor, apesar da inegável importância económica do sector florestal em Portugal.

Mas, citando novamente o Prof. Francisco Rego, “se a floresta for bem ordenada, bem gerida, é evidente que os incêndios florestais terão muito menor probabilidade de ocorrer”. E, nesse domínio, os Planos Regionais de Ordenamento Florestal assumem um papel estruturante importante, bem como o processo de licenciamento das novas arborizações e rearborizações, que deve estar ligado ao cumprimento das normas orientadoras dos PROF.

Importa também avançar na consolidação do uso da técnica do fogo controlado e na formação para garantir que esta técnica seja correctamente utilizada e numa óptica da intervenção na gestão dos combustíveis florestais à escala da paisagem, como acontece nos Estados Unidos. No anterior mandato da Sec. Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural foi defendido que Portugal necessita de um “Plano Nacional Plurianual de Fogo Controlado”, com metas e objectivos estratégicos bem definidos.

Numa perspectiva do agravamento das condições meteorológicas de risco de incêndio, em consequências das alterações climáticas, é preciso mais determinação política na prevenção dos incêndios florestais – o país fica mais pobre por cada hectare de floresta que arde. É preciso implementar uma política territorial de longo prazo (PROF) e uma coordenação mais firme na concretização do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios, que permita uma gestão mais eficaz dos recursos financeiros disponíveis, sejam do Orçamento de Estado, sejam de fundos comunitários ou do Fundo Florestal Permanente.

No plano operacional, as autarquias desempenham um papel crucial na prevenção dos incêndios florestais e na redução da vulnerabilidade do território, nomeadamente através da execução dos Planos Municipais de DFCI. E neste domínio, os Governos Civis, extintos pelo actual Governo, exerciam um papel insubstituível na coordenação política e na dinamização dessas acções, através das Comissões distritais de Defesa da Floresta. Com a sua extinção, esta função de coordenação política ficou ausente …

A prevenção dos incêndios florestais deve constituir um desafio nacional e uma prioridade da política florestal. Para além das autarquias, também é preciso mobilizar os proprietários florestais e as suas organizações para a importância da gestão profissional e activa das florestas. E, sobretudo, é preciso dar estabilidade institucional aos Serviços Florestais e dotá-los da necessária capacidade técnica para que estes possam assumir o papel de coordenação da prevenção estrutural que lhes acomete o Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios.

Portugal sem fogos, depende de todos!




Miguel Galante(Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 186