quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Regime jurídico da (re)arborização em debate

O processo de aprovação, suspensão e revogação do Código Florestal deixou uma importante lição: os diplomas estruturantes para a intervenção sectorial, nomeadamente no sector florestal que se caracteriza por exigir politicas e compromissos de muito longo prazo, não se compadecem com consultas públicas apressadas “para cumprir calendário”, nem com meros “factos” políticos. Bem pelo contrário. As políticas públicas florestais exigem uma reflexão profunda sobre os seus impactos (positivos e negativos) e uma auscultação de base alargada, quer do sector quer da sociedade civil.

Dai, a importância acrescida que reveste a apreciação parlamentar em curso do Decreto-lei n.º 96/2013, de 19 Julho, que estabelece o regime jurídico aplicável às acções de arborização e rearborização. Trata-se de um diploma que irá, necessariamente, ter repercussões na actividade florestal nacional e, desejavelmente, um impacto positivo na transparência e funcionamento do sector florestal.

Trata-se, portanto, de um regulamento basilar para a política florestal nacional, que visa a simplificação e agilização dos processos de arborização e rearborização e que se afigura importante para o cumprimento dos requisitos de "diligência devida" da rastreabilidade da legalidade da origem da madeira, exigidos pelo Regulamento europeu para o comércio florestal em vigor desde Março deste ano.

Uma vez em plena aplicação, este instrumento legal poderá ser promotor da agilização dos processos de arborização e da redução dos “custos de contexto” inerentes a estes processos. No entanto, este diploma surge de uma forma avulsa, desligado de um pacote legislativo integrado - Código Florestal e que deveria dar sequência a uma autorização/comunicação prévia de corte nos casos de rearborização.

Mais, este diploma não resolve o problema da proliferação de “micro-arborizações”, que vão surgindo pelas serranias do norte e centro do país, sobretudo após os incêndios florestais, sem obedecer a qualquer lógica de ordenamento florestal do território e comprometendo os esforços da infraestruturação estrutural dos espaços florestais face aos incêndios. São estes territórios florestais desordenados que frequentemente constituem pasto para as chamas, donde resultam avultados encargos económicos, sociais e ambientais para o País.

Todavia, contrariamente às vozes que exigem a revogação do diploma, eu advogo que deveria ser equacionada a sua suspensão por parte da Assembleia da Republica, conforme sucedeu com o Código Florestal. Deste modo seria possível realizar o estudo de avaliação estratégica dos impactos da aplicação do diploma, conforme é sugerido pela Liga para a Protecção da Natureza, bem como dotar o ICNF dos meios humanos e materiais necessários para assegurar a resposta técnica aos pedidos de licenciamento e assegurar o desenvolvimento da aplicação informática que permite a desburocratização dos processos e o armazenamento digital dos dados.

Projecto de arborização RURIS
A suspensão do diploma também possibilitaria a conclusão do processo de revisão dos Planos Regionais de Ordenamento Florestal (a fazer fé nas palavras do Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural, este processo estará concluído até ao final de 2014) e, assim, obstar o actual desligamento das orientações estratégicas dos PROF relativamente às metas de arborização regionais.

De facto, existe um risco real do diferimento tácito das arborizações, pois continuamos a assistir ao desmantelamento dos serviços florestais, tanto nos serviços centrais como nas delegações regionais. Para além de não entrar pessoal para o quadro da ex-AFN desde o final do seculo passado em resultado da integração dos “recibos verdes”, o Orçamento de Estado para 2014 prevê a redução do pessoal afecto a esse organismo, o que irá certamente condicionar o bom desempenho do sistema de avaliação dos pedidos de licenciamento. E, daqui, decorre uma das principais ameaças da aplicação deste diploma – a incapacidade logística dos serviços competentes darem a resposta em tempo útil, com o consequente deferimento tácito dos pedidos de arborização.

Na minha perspectiva, a pedra angular para o sucesso do funcionamento deste novo regime de licenciamento da arborização assenta no bom funcionamento do sistema de análise, fiscalização e de informação. E, neste aspecto particular, o diploma é omisso na obrigação do ICNF proceder ao reporte publico regular (mensal, trimestral, quadrimestral, semestral ou anual), dos resultados da aplicação e fiscalização deste regime jurídico. Julgo que a polémica que todos assistimos no verão de 2012 e a preocupação que a sociedade civil manifestou durante o processo de consulta pública justifica que a lei preveja essa obrigatoriedade de comunicação.

Independentemente do seguimento da apreciação parlamentar, este diploma encerra a oportunidade de se desenvolver uma base de informação sólida sobre a dinâmica de arborização em Portugal. Um aspecto essencial para aprofundar o conhecimento da floresta portuguesa e, deste modo, melhorar a formulação das políticas públicas com incidência no sector florestal, quer na perspectiva do fomento da produção florestal, quer nas valências ambientais da promoção da biodiversidade e do combate às alterações climáticas.

Miguel Galante
(Eng. Florestal)

Gazeta Rural, edição n.º 214 (28.11.2013)

domingo, 17 de novembro de 2013

Serão os grandes incêndios florestais uma fatalidade nacional?

Os últimos números oficiais da estatística das áreas ardidas contabilizam cerca de 141.000 ha de área ardida. Em 2013 contabilizaram-se 21 grandes incêndios florestais (com uma área ardida de povoamentos e matos superior a 1000 ha), que percorreram 52.000ha (36% do total de área ardida) e foram responsáveis pela destruição de mais de 21.000 ha de povoamentos florestais (41% da área contabilizada de povoamentos florestais ardidos). Trata-se de uma situação preocupante, na medida em que o Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios aprovado em 2006, estabeleceu como meta operacional a eliminação dos incêndios com área superior a 1000 ha.

grande incêndio florestal em 2003, Castelo Branco
Foi ciente da preocupação crescente que acarretam os grandes incêndios florestais que, oportunamente, a Ordem dos Engenheiros promoveu a realização em Coimbra de um debate alargado sobre este problema, no que respeita à protecção de pessoas e bens, aos danos ambientais, ao combate e também à prevenção, a montante.

Da várias intervenções a que tive oportunidade de assistir, gostaria de me debruçar sobre a visão defendida pelo Vice-Presidente do ICNF, o departamento governamental com a responsabilidade da coordenação do pilar da prevenção estrutural no Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios. E, se concordo com a leitura do Eng. João Soveral de que a alteração do modelo de ocupação do solo, decorrente do abandono da agricultura e dos território rurais, tem motivado o aumento da continuidade e acumulação dos combustíveis, conjugado com condições meteorológicas adversas e com uma elevada concentração diária de incêndios em determinados período do ano (esse ano, esta situação verificou-se na segunda quinzena de Agosto) proporciona as condições para a ocorrência de grandes incêndios florestais, já a afirmação que a politica florestal não exerce influência nos grandes incêndios florestais merece o meu desacordo.

Concretamente, um exemplo oriundo do outro lado do Atlântico. Nos EUA, a politica de gestão das Matas Públicas e dos Parques Nacionais destinada à redução da gestão para fins de conservação da biodiversidade somada com os objectivos de supressão total do fogo desses espaços, resultou na acumulação e continuidade da carga combustível que tem como consequência os mega-incêndios de efeitos verdadeiramente devastadores que se têm assistido nos últimos anos.

É por isso acredito que a politica florestal, no contexto específico nacional em que a floresta ocupa cerca de 40% do território e em que o sector florestal pode dar um contributo ainda mais importante para o desenvolvimento económico do país, deve exercer um papel liderante na promoção da gestão activa e protecção dos espaços florestais, nomeadamente na mitigação do risco de incêndio, que é o principal risco percepcionado para a sustentabilidade da floresta em Portugal e que está consagrado na estratégia nacional para as florestas como o domínio prioritário para a actuação das políticas públicas.

Conforme identificava o estudo de avaliação externa do Plano Nacional DFCI no biénio 2009/2010 (o estudo relativo ao biénio 2011/2012 ainda está por realizar …), a persistência de elevada carga combustível sem uma mudança no paradigma do ordenamento do território e da produção florestal, condiciona a eficácia das respostas institucionais ao problema da ocorrência dos incêndios florestais. É, portanto, neste domínio de intervenção que a politica florestal deve exercer o seu papel, na definição dos princípios orientadores, nomeadamente, para a programação dos apoios comunitários do próximo Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020, que possam contribuir para a mudança do paradigma.

É, nesse prisma, que considero urgente prosseguir o trabalho iniciado em Coimbra e aprofundar o debate político e técnico-cientifico em torno dos grandes incêndios florestais (alguém se lembra do estudo realizado pela UTAD em 2007?), avaliar os impactos das medidas e soluções adoptadas (qual é o futuro das equipas do Grupo de Análise e Uso do Fogo?), proceder às necessárias revisões e ajustamentos de rumo e, nesse domínio concreto, a avaliação e revisão intercalar do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios afigura-se determinante.

Os cenários das alterações climáticas com o agravamento das condições extremas de risco meteorológico de incêndio e o continuado despovoamento do interior do País (um estudo da Universidade de Aveiro recentemente publicado estima que em 2040 o interior terá um terço da população actual), são factores que devem merecer a preocupação dos decisores políticos na formulação da politica florestal para o país. A preocupação manifestada pelo Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural de que o Estado estaria a preparar os instrumentos legais para a intervenção nas terras abandonas e sem dono é um importante sinal político no bom caminho.

Após os incêndios florestais de 2003 e 2005, Portugal fez um trabalho notável para mitigar o flagelo dos incêndios florestais. Um trabalho que tem perdido força nos últimos anos, mas que é essencial retomar rapidamente sob pena de daqui por uns anos, em vez de debater os grandes incêndios florestais nos encontremos novamente em Coimbra ou noutro local a debater os mega-incêndios como uma fatalidade que ano após ano vai destruindo o principal riqueza natural do país – a floresta!

Miguel Galante
(Eng. Florestal)

Gazeta Rural, edição n.º 213 (14.11.2013)

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

As lições de 2013

O período crítico de incêndios florestais chegou ao fim com mais um ano negro para a floresta portuguesa. Com cerca de 135.000 ha de área ardida contabilizados no final de Setembro, 2013 apresenta a pior registo desde 2005 e confirma a tendência dos últimos anos de agravamento do problema dos incêndios florestais em Portugal. Num primeiro “rescaldo” analítico, destacaria três lições a retirar dos incêndios florestais em 2013.

Lição 1: O reforço do peso orçamental do combate aos incêndios florestais - a verba do Orçamento de Estado atribuída este ano à Protecção Civil teve um acréscimo de 5%, não contribuiu para reduzir a área ardida. Existem estudos científicos que concluem que a concentração dos gastos no combate aos incêndios florestais, em detrimento da prevenção, tem efeitos perversos a longo-prazo, levando a um aumento da intensidade dos fogos.

Lição 2: Mantem-se uma excessiva dependência das condições meteorológicas, que associada a um elevado número de incêndios, determinou que na segunda quinzena de Agosto tenha ardido mais de metade do total contabilizado até final de Setembro. Foi neste período que se perdeu a guerra e pôs a descoberto as muitas fragilidades ainda existentes no combate aos grandes incêndios florestais.

Lição 3: Os incêndios de grandes proporções, como aquele de devastou a serra do Caramulo, dado o elevado grau de complexidade que apresentam, carecem de equipas pluridisciplinares especializadas na organização do combate. Este ano, 51 grandes incêndios (com área superior a 500 ha) foram responsáveis por mais de 60% da área ardida.

Portugal a arder visto do espaço - 29 de Agosto de 2013
(a coluna de fumo tem origem no incêndio do Caramulo)

Numa leitura mais estrutural, dificilmente compreendo a perda de força do ICNF, enquanto estrutura de coordenação do pilar da prevenção, que tem estas competências alojadas numa “mera” divisão orgânica. Este é um sinal claro da pouca importância que o actual Governo atribuiu a este domínio da intervenção pública tão importante para a sustentabilidade da floresta portuguesa.

E o resultado é evidente. As autarquias que devem assumir um papel de primeira linha na prevenção dos incêndios florestais não estão integradas numa politica nacional (ou regional) de prevenção de incêndios florestais, o que agravou a atomização da intervenção e a consequente definição de prioridades na alocação dos dinheiros públicos destinados à prevenção dos incêndios florestais.

Mas, na essência, porque continuam a arder as florestas em Portugal? O estudo coordenado pela Universidade de Aveiro é claro nas suas conclusões - "Portugal dispõe de orientações nacionais e instrumentos de planeamento para uma gestão florestal sustentável, mas é geral o desconhecimento e a reduzida participação dos proprietários nos processos de decisão", afirmou a Prof. Celeste Coelho. Conclusões objectivas e assertivas que devem merecer uma reflexão séria da parte da Assembleia da República, do poder político e também dos agentes do sector.

Ou seja, numa floresta maioritariamente privada, o Estado desenvolveu desde 2006 o enquadramento político, legal e institucional da politica de Defesa de Defesa da Floresta Contra Incêndios, mas tarda a sua efectiva concretização no terreno, apesar da existência de um Plano Nacional e dos muitos milhões de euros disponibilizados para o efeito no ProDeR.

Na prática, as reestruturações operadas quer nos Serviços Florestais, quer nos Ministérios (com a separação do Ministério da Agricultura do Ministério do Ambiente, actualmente, o ICNF tem “dupla Tutela”…), têm condicionado a capacidade de transposição das politicas para o terreno. Depois, o afastamento dos técnicos florestais do combate aos incêndios florestais. Uma decisão política que tenho dificuldade em compreender, quando Portugal precisa exactamente do oposto, de criar um corpo técnico especializado, estável e integrado na estrutura de combate aos incêndios florestais para abordar com sucesso o combate a incêndios com dimensões cada vez maiores e de um grau de complexidade crescente. Um estudo recentemente publicado por investigadores da Universidade do Minho[1], que analisa os grandes incêndios nos últimos 30 anos, é claro quanto ao aumento das dimensões dos grandes incêndios nos últimos dez anos.

Mas, nem tudo são más noticias. Está em curso um projecto de investigação (FIRE-ENGINE), enquadrado no programa MIT-Portugal, que visa encontrar novos modelos mais flexíveis para apoiar as decisões de políticas públicas e estratégias de operações no sistema de gestão de prevenção e combate a incêndios florestais, por exemplo, no sentido de permitir uma gestão mais eficiente na alocação dos meios de combate consoante a probabilidade de ocorrências, baseada em factores climáticos e geográficos.

É imperativo voltar a investir na prevenção. Aprofundar a cooperação com os proprietários florestais e com as suas organizações, no sentido da promoção de uma gestão florestal profissional. Aliás, tem sido o caminho seguido com sucesso há muitos anos no Sul de França – a aposta na promoção da gestão florestal e da silvicultura preventiva como principal vector para a prevenção dos incêndios florestais. E, para isso, o envolvimento activo dos principais interessados, os "donos das matas”, é fundamental.

E é este caminho que Portugal tem de retomar urgentemente – a adopção de políticas de prevenção de incidência local, adaptadas às especificidades sociais e biofísicas de cada território. Um caminho que exige uma maior intervenção técnica da parte das organizações de produtores florestais e dos Municípios, nomeadamente das Comissões Municipais, na coordenação da actuação dos vários agentes presentes no terreno.

Sinceramente, espero que os Executivos Municipais que resultaram das eleições autárquicas de 29 de Setembro reconheçam a importância dos recursos florestais e inscrevam a Defesa da Floresta Contra Incêndios como uma prioridade na acção governativa. Espero, também, que o Grupo de Trabalho constituído na Assembleia da República analise os incêndios de 2013 e, produza um conjunto de recomendações para que o Governo retome o processo desencadeado em 2006 da consolidação de uma estratégia nacional para a prevenção dos incêndios.

Termino com uma palavra de pesar para as famílias enlutadas das mulheres e homens que perderam a vida este ano em consequência dos incêndios florestais. No caso particular dos oito bombeiros falecidos, julgo que valia a pena, de uma vez por todas, avançar na estruturação de um gabinete de estudos destes acidentes alicerçado na ANPC/Escola Nacional de Bombeiros para retirar as necessárias lições e evitar acidentes semelhantes no futuro.

Miguel Galante
(Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 211 (16.10.2013)



[1] FERREIRA-LEITE, Flora et al. Grandes Incêndios Florestais em Portugal Continental como Resultado das Perturbações nos Regimes de Fogo no Mundo Mediterrâneo. Silva Lus., Lisboa, v. 21, n. Especial, jun. 2013 .

terça-feira, 17 de setembro de 2013

As lições de 2003

Por estes dias quentes de Agosto, os noticiários voltaram a trazer aos Portugueses imagens dramáticas de um “país em chamas”. A floresta a arder, a trágica morte dos bombeiros e o desespero das populações das aldeias cercadas pelas chamas voltam a evidenciar que o problema dos incêndios florestais ainda está longe de estar resolvido.

“Inferno”, “Caça aos incendiários”, “A Guerra do fogo” eram títulos que faziam as manchetes da comunicação social em 2003. 10 anos volvidos após esse Verão trágico, o que mudou em Portugal? Desde logo, destaco a existência de um sistema integrado de Defesa da Floresta Contra os Incêndios, que assenta em três pilares – prevenção estrutural, prevenção operacional e combate. No entanto, verifico que nos últimos anos tem vindo a perder consistência, sobretudo em resultado da extinção dos Governos Civis, e consequentemente, das Comissões Distritais de Defesa da Floresta que contribuíam para um envolvimento activo dos principais agentes presentes no terreno.

Uma das principais lições resultantes dos incêndios de 2003 foi a necessidade de dotar o País de um instrumento de planeamento interministerial que orientasse de forma efectiva e sistemática as políticas públicas de Defesa da Floresta Contra Incêndios, que viria a ser concretizado com a aprovação em Conselho de Ministros de Maio de 2006 do Plano Nacional de DFCI.

Também a reforma operada nesse ano na Protecção Civil, permitiu criar as condições legislativas e operacionais para uma melhoria significativa no combate aos incêndios florestais, quer em termos da hierarquização da cadeia do comando e da capacidade de coordenação dos meios no teatro das operações, quer em matéria da eficácia do desempenho do ataque inicial. De facto, a melhoria da capacidade de resposta ao ataque inicial dos focos de incêndio foi induzida pela aposta do Governo também em 2006 na profissionalização das equipas da Força Especial de Bombeiros “Canarinhos” e dos GIPS da GNR.

No entanto, os grandes incêndios florestais continuam a ser um problema por resolver e nesse domínio retomo as preocupações que escrevi neste espaço de opinão há um ano – Portugal precisa de formar equipas multidisciplinares profissionais para coordenar as operações em teatros de operações complexos.

É nestas situações de maior complexidade, como se verifica na Serra do Caramulo, que se constata que a prevenção continua a percorrer um caminho penoso… Pese embora o empenho dos técnicos dos Gabinetes Técnicos Florestais dos municípios na elaboração dos Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios, continua a registar-se dificuldades na sua concretização no terreno.

Apesar dos milhões de euros de dinheiros públicos disponibilizados pelo Fundo Florestal Permanente e pelo ProDeR, as manchas florestais de risco mais elevado continuam sem a necessária compartimentação. O incêndio que nos últimos dias tem consumido milhares de hectares de floresta da Serra do Caramulo é bem demonstrativo dessa falta de capacidade e de decisão para intervir prioritariamente nos territórios mais críticos. E esta é uma criticas que deve ser apontada ao actual Sistema Nacional de DFCI – a falta de definição de prioridades nacionais (e regionais) de intervenção por parte do ICNF, enquanto entidade responsável pela coordenação do pilar da prevenção estrutural.

Também a interface urbano-florestal continua sem ser uma prioridade, quer na actuação da Administração Central, quer da Administração Local, condicionando a capacidade de resposta dos bombeiros e dos agentes de protecção civil na protecção das pessoas e bens.

Os registos preocupantes dos incêndios florestais nos últimos três anos e a evolução dos incêndios neste Verão justificam um novo olhar para as políticas de prevenção, que permitam corrigir as falhas e estabelecer medidas de incentivo para a gestão florestal dos proprietários florestais, prioridades para os apoios financeiros nesse domínio e estruturar um verdadeiro sistema nacional de prevenção dos incêndios florestais, nos quais os municípios e as organizações de produtores florestais, nomeadamente no contexto, das ZIF, poderão dar um contributo mais efectivo para a mitigação do flagelo dos incêndios florestais em Portugal.


Num momento em que o Sistema Europeu de Informação de Incêndios Florestais estima uma área ardida superior a 100.000 ha no final de Agosto, termino com uma questão que julgo retratar o sentimento da sociedade portuguesa perante a “inevitabilidade” do flagelo dos incêndios florestais: Porque não aprendemos a lição?


Miguel Galante(Eng. Florestal)

Gazeta Rural, edição n.º 208 (31.8.2013)



sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Mais e melhor floresta!

O mês que agora finda voltou a colocar a floresta no centro das atenções dos portugueses. O grande incêndio ocorrido em Trás-os-Montes voltou a demonstrar as fragilidades do nosso território rural (e dos meios de combate) face à principal ameaça para a sustentabilidade da floresta portuguesa – os incêndios florestais!

Este incêndio percorreu cerca de 15.000 hectares de povoamentos florestais, áreas de matos e terrenos agrícolas, causando prejuizos estimados em 3 a 4 milhões de euros só na agricultura. Destruição de alimentação para animais e animais mortos, destruição de olivais, amendoais, vinha, pomares, pastagens (além de fardos) e apiários e equipamentos e infraestruturas agrícolas, como maquinaria e sistemas de rega foram os principais prejuízos contabilizados na área agrícola pela DRAP Norte.

A Mata Nacional de Leiria, a joia da coroa da silvicultura portuguesa
Também no final de Julho foi publicada a legislação que irá regulamentar o licenciamento de novas arborizações e rearborizações, um diploma que ainda há um ano esteve envolto em grande polémica. Do que li, parece-me que a solução encontrada incorpora um conjunto de reflexões e contributos que resultaram do processo de consulta pública, dotando-o de maior assertividade. Parece-me, pois, que este diploma estabelece uma boa relação de compromisso e uma vez implementado, poderá resultar num instrumento útil para a normalização da floresta privada nacional, um aspecto cada vez mais exigido para o controlo da origem da madeira, conferindo maior transparência ao mercado madeireiro no cumprimento das exigências comunitárias da circulação de madeira.

Na sequência da publicação deste diploma, as principais associações ambientalistas pediram que o Parlamento procedesse à sua análise, o que me parece ser uma proposta sensata, pois trata-se de um instrumento regulador que irá ter impactos na dinâmica de evolução da floresta nacional, uma floresta em mudança como bem evidenciaram os números preliminares do último inventário florestal nacional.

De facto, 2013 promete trazer novidades para a política florestal nacional. No final de Junho, a Comissão de Agricultura da Assembleia da Republica procedeu a uma audição pública para discussão do estudo de avaliação da implementação da Estratégia Nacional para as Florestas (ENF). Foi uma sessão bastante participada, que proporcionou um um conjunto de reflexões pertinentes dos principais agentes do sector e que demonstra a importância do sector florestal para o País.

Tendo tido a oportunidade de integrar a Equipa Técnica que desenvolveu esse Estudo, posso afirmar que estão reunidas as condições necessárias para iniciar um novo ciclo na política florestal nacional, passados quase 17 anos da aprovação por unanimidade da Lei de Bases da Política Florestal.

Atendendo aos desafios cada vez mais exigentes que se colocam ao sector florestal e assente na necessidade de estabelecer uma visão de longo prazo que oriente as actuações conducentes ao desenvolvimento sustentável do sector, julgo que estão reunidas as condições de base necessárias para a formulação de um verdadeiro programa florestal nacional, que tendo como ponto de partida a revisão em curso da ENF permita estabelecer um conjunto de programa de acção sectoriais de curto/médio prazo no horizonte de 2020 e que permita servir de suporte para a mobilização dos recursos financeiros do próximo programa de desenvolvimento rural.

Conforme foi destacado num suplemento recentemente publicado no Diário Económico, “a floresta portuguesa é mais um dos tesouros nacionais ainda mal explorados”, que importa rentabilizar e desenvolver numa perspectiva sustentável e de longo prazo. Entretanto, recentemente o País esteve suspenso numa crise política, que cessou com mais uma remodelação governamental que voltou a separar, após dois anos de “união de facto”, o Ministério da Agricultura do Ministério do Ambiente. Subsiste uma dúvida: com a criação da Sec. Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza no Ministério do Ambiente, em que Tutela fica o ICNF?

No meu ponto de vista, a floresta portuguesa, assente numa floresta privada de cariz essencialmente produtivo, necessita de uma Administração Florestal dialogante com os agentes do sector, dotada de capacidade técnica e de presença no terreno e com autonomia financeira para assegurar uma boa gestão dos territórios florestais a seu cargo. Assim, será possível ter um futuro com mais e melhor floresta em Portugal.

Termino com uma palavra de felicitação para o amigo José Luis Araujo pelo 9.º aniversário da Gazeta Rural. Acompanho há já alguns anos o trabalho desenvolvido na melhoria continua da informação que, quinzenalmente, publica na Gazeta Rural. Deixo os meus votos de sucesso para que daqui por um ano possamos estar a celebrar uma década de informação de qualidade sobre o mundo rural.

Miguel Galante
(Eng. Florestal)

Gazeta Rural, edição n.º 206 (29.7.2013)

terça-feira, 9 de julho de 2013

Floresta, Conhecimento e Inovação

No início deste mês (Junho) realizou-se o 7.º Congresso Florestal Nacional, organizado pela Sociedade Portuguesa de Ciências Florestais em colaboração com a UTAD (Vila Real) e a Escola Superior Agrária de Bragança. Tendo como objectivo principal a valorização do Conhecimento e da Inovação na perspectiva do desenvolvimento do sector florestal, este evento proporcionou um amplo debate técnico-científico e a troca de experiências a mais de 300 congressistas que se deslocaram a Trás-os-Montes.

Sobretudo, tratou-se de um Congresso inovador, que envolveu de forma activa as academias transmontanas, numa parceria regional que importará cimentar no futuro, e os agentes das principais fileiras silvo-industriais (AIFF, CELPA, APCOR e Centro Pinus). Durante os quatro dias do principal encontro técnico-científico florestal nacional, realizaram-se 23 mesas temáticas e quatro laboratórios científicos, que estabeleceram o diálogo entre investigadores e os profissionais do sector que tanto tem sido reclamado.

Este Congresso também ficou marcado pela reivindicação do sector para o estabelecimento de uma “agenda para a investigação florestal”, dotada de recursos de financiamento adequados, para que a “investigação transforme investimento em conhecimento que origine inovação, pois só esta pode transformar conhecimento em mais rendimento para o País”, como afirmou a Prof. Maria do Loreto Monteiro, Presidente da Comissão Organizadora do Congresso na cerimónia de abertura. Um repto que está em linha com as preocupações apresentadas na entrevista publicada na última edição da Gazeta Rural sobre a necessidade da manutenção dos Laboratórios do Estado, para “que investiguem, no sentido de dar resposta a problemas concretos do sector”.

A forma de financiamento da investigação florestal foi um outro aspecto abordado no Congresso. As especificidades da investigação florestal, que requer um horizonte temporal mais dilatado para a produção de resultados, exigem uma revisão dos mecanismos de financiamento, que garantam a continuidade das linhas de investigação e que permitam envolver os actores florestais na eleição dos temas a investigar e, assim, responder com maior eficácia às reais necessidades de conhecimento e inovação do País, de forma a aumentar o valor económico total gerado pelos bens e serviços provenientes dos espaços florestais ou a eles associados. Na minha perspectiva, o modelo adoptado na Suécia para o financiamento dos Centros de Investigação Florestal constitui uma solução de compromisso bastante razoável, em que os custos operacionais são repartidos, em partes iguais, entre o sector privado e o Orçamento do Estado.

O sector florestal nacional debate-se com uma multiplicidade de problemas e de desafios que carecem de uma resposta mais efectiva do conhecimento científico. A convite da Comissão Organizadora do Congresso, tive a oportunidade de participar na mesa temática sobre certificação florestal, muito bem organizada pelo meu colega Nuno Calado, responsável do FSC em Portugal e membro da Direcção do PEFC Portugal. Nesta mesa temática foram apresentados os resultados de quatro experiências concretas de organizações que apostaram na implementação de Sistemas de Gestão Florestal Sustentável – Minho-Lima, Baixo Vouga, Coruche e a UNIMADEIRAS.

7 CFN - Oradores da Mesa Temática sobre Certificação Florestal
Apesar da reconhecida importância da certificação florestal para aumentar a competitividade do sector florestal em Portugal, ainda persistem vários constrangimentos - burocracia excessiva dos licenciamentos, no acesso a informação produzida com dinheiros públicos (ex dados do inventário florestal nacional) e na adequação dos requisitos e princípios das referências de certificação à realidade da pequena e muito pequena propriedade florestal, obstáculos que dificultam o trabalho dessas organizações. Nesta mesa temática também ficou bem vincado o papel central do movimento associativo florestal para a implementação da certificação florestal em Portugal e para responder aos muitos desafios técnicos que se colocam no terreno, nomeadamente nos territórios da pequena (e muito pequena) propriedade florestal.

Do meu ponto de vista, existem três grandes desafios que merecem uma reflexão mais aprofundada e que irão determinar o caminho da certificação florestal em Portugal: (i) a meta do crescimento das exportações nacionais de produtos florestais a inscrever na revisão da Estratégia Nacional para as Florestas, (ii) a necessidade de uma participação mais activa no apoio técnico e financeiro da parte da indústria transformadora que beneficia da existência de matéria-prima certificada nacional e (iii) a remuneração aos proprietários florestais das áreas certificadas sobre os serviços silvo-ambientas que prestam à Sociedade, nomeadamente na conservação da biodiversidade.

O 7.º Congresso Florestal Nacional produziu um bom debate sobre o sector e o seu futuro, num momento em que decorre a revisão da Estratégia Nacional para as Florestas e a preparação do próximo Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020. Os textos das conclusões certamente irão expressar os principais problemas e constrangimentos que condicionam o desenvolvimento da floresta portuguesa, mas também as oportunidade e as linhas de rumo para o crescimento sustentável do sector florestal.

Termino com uma palavra de felicitação para o Prof. Francisco Castro Rego, eleito Presidente da Direcção da Sociedade Portuguesa de Ciências Florestais durante o Congresso. A sua vasta e diversificada experiência profissional e académica será fundamental para potenciar um papel mais interventivo desta sociedade técnico-científica na divulgação das ciências florestais e, sobretudo, no fomento da aproximação entre os investigadores e o meio académico com os agentes e técnicos do sector.

Miguel Galante
(Eng. Florestal)

Gazeta Rural, edição n.º 204 (16.6.2013)

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Que futuro para o programa de Sapadores Florestais?


Os incêndios florestais constituem a principal ameaça à sustentabilidade da floresta portuguesa. O balanço final de 2012 contabilizou 110.000 hectares de área ardida, num registo que mantém Portugal com o pior desempenho em matéria da prevenção e mitigação dos incêndios florestais no contexto dos países do Sul da Europa, como evidenciou o relatório publicado em Março pela Nações Unidas sobre o estado das florestas no Mediterrâneo.

Este cenário, por ventura demasiado simplista, não significa que nada tem sido feito para atacar o problema dos incêndios florestais em Portugal. Pelo contrário – na sequência dos devastadores incêndios florestais de 2003 e 2005, o país ganhou uma nova consciência para este problema e, sobretudo, para a necessidade de uma intervenção planeada e integrada como forma de o mitigar. Daqui, viria a resultar a adopção, em sede de Conselho de Ministros, do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios em Maio de 2006.

O programa de Sapadores Florestais constitui um dos alicerces do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios em matéria de prevenção estrutural. O decreto-lei que estabeleceu o regulamento jurídico da criação e funcionamento das equipas de Sapadores Florestais foi publicado há já 14 anos. Foi em 21 de Maio de 1999, que a publicação desse diploma estabelecia o marco inicial do programa nacional de sapadores florestais, dando assim cumprimento a uma das ações prioritárias inscritas na Lei de Bases da Politica Florestal.

Em 1999, foram criadas as primeiras equipas de sapadores florestais, profissionais qualificados para a realização de atividades de silvicultura preventiva e com capacidade de intervenção rápida em focos de incêndio nascentes. Actualmente, de acordo com a informação do Ministério da Agricultura, após um percurso sinuoso, com avanços e recuos, o programa de Sapadores Florestais regista 282 equipas em funcionamento, cerca de 60% das 500 equipas de sapadores florestais previstas constituir até 2020.

Gazeta Rural n.º 201 (15.5.2013)

Do conjunto das equipas de sapadores florestais operacionais, 69 estão integradas em câmaras municipais e juntas de freguesia, acometendo as demais a organizações de produtores florestais e a órgãos de administração de baldios numa parceria público-privada de características ímpares na Europa.

No decurso da minha vida profissional, tive oportunidade de conhecer de perto o programa de sapadores florestais e a importância do trabalho que estas equipas desenvolvem no terreno, na protecção dos povoamentos florestais, quer face aos incêndios florestais quer na debelação de problemas fitossanitários.

Os Sapadores Florestais são trabalhadores especializados, multifacetados, com perfil e formação específica adequados para a gestão e protecção da floresta. Mas, o programa de sapadores florestais vai muito para além da intervenção na floresta. São mais de 1.400 mulheres e homens que também contribuem para a sensibilização e informação das populações e dos proprietários florestais para os cuidados no uso do fogo e também para as boas práticas de gestão florestal.

O Estado, para além de proporcionar a formação e o apetrechamento de cada equipa, comparticipa com 35 mil euros do Fundo Florestal Permanente seis meses de serviço público definido pelo ICNF, que abrange os domínios da prevenção florestal, vigilância e apoio ao combate aos incêndios florestais. Nos restantes meses, os sapadores florestais prestam serviço à comunidade local, em intervenções localizadas e estratégicas de silvicultura preventiva.

No entanto, este programa do Ministério da Agricultura está a deparar-se com muitas dificuldades na sua continuidade, agravadas pela crise económica e financeira com que o país se depara. Contrariamente ao que estava inicialmente inscrito no Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios, que previa a constituição de 20 novas equipas de sapadores por ano, em 2012 não foi constituída qualquer nova equipa. Acrescem atrasos nos pagamentos da prestação do serviço público pelo Ministério e, mais recentemente, a suspensão da comparticipação do serviço público às 69 equipas de Sapadores Florestais das autarquias locais, condicionando a intervenção destas equipas na prevenção estrutural.

Será importante que o compromisso do Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural no sentido da resolução célere de mais este imbróglio administrativo-financeiro seja efectivamente concretizado. A prevenção e o combate aos incêndios florestais precisa da mobilização de todos os agentes de protecção civil.

A terminar, uma questão. O Ministro da Administração Interna já anunciou quanto vai custar o combate aos incêndios florestais em 2013 – 78,5 milhões de euros. Mas ... e na prevenção dos incêndios florestais? Qual é o envelope financeiro do Ministério da Agricultura? Que trabalho de prevenção estrutural foi realizado no Outono/Inverno? Quando vai iniciar a campanha de sensibilização do Ministério da Agricultura? Que futuro para as equipas de sapadores florestais? Estamos em meados de Maio e o calor mais cedo ou mais tarde vai começa a apertar …


Miguel Galante(Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 201 (14.5.2013)

quinta-feira, 18 de abril de 2013

O primeiro Dia Internacional das Florestas


A Assembleia-Geral das Nações Unidas declarou oficialmente 21 de Março como o Dia Internacional das Florestas. Com esta proclamação, as Nações Unidas quiseram sensibilizar a Sociedade Civil para a importância das florestas para o bem-estar da Humanidade e para o desenvolvimento sustentável, pelos benefícios que proporciona em termos económicos, ambientais e sociais.

Ban Ki-Moon, o Secretário-Geral das Nações Unidas, num comunicado emitido nesse dia sublinhava o papel central das florestas na conservação da biodiversidade e no combate ao aquecimento global, tendo feito um apelo aos Governos, aos agentes económicos e à Sociedade em geral para assumirem o compromisso de reduzir a desflorestação e prevenir a degradação das florestas.

Esses são dois desafios que também se colocam à floresta em Portugal, um dos países da União Europeia com maior taxa de cobertura florestal (35,4%) e onde a floresta constitui o uso dominante do solo. No entanto, tem-se assistido a um abandono progressivo do pinhal bravo e também dos azinhais e dos sobreirais, condicionando fortemente a sua manutenção no médio/longo prazo. A arborização também tem registado uma quebra significativa nos últimos anos. Os resultados preliminares do 6.º Inventário Florestal Nacional (reportados a 2010) apresentados pelo ICNF em finais de Fevereiro registavam uma taxa média de crescimento da floresta portuguesa nos últimos 15 anos de apenas 0,4%/ano. Um registo preocupante e que coloca em causa a sustentabilidade futura do abastecimento de matéria-prima à industria transformadora.

De facto, a capacidade de abastecimento de matéria-prima em quantidade, qualidade e certificada da industria transformadora das principais fileiras silvo-industriais da pasta e papel, da madeira e mobiliário e da cortiça deve constituir um objectivo central da Estratégia Nacional para as Florestas, que se encontra em reavaliação. Nesse contexto, o estimulo à expansão da área florestal e à gestão profissional e activa da floresta, nomeadamente na pequena propriedade florestal através das ZIF, devem constituir domínios estratégicos de intervenção prioritária junto da floresta privada, que representa cerca de 90% da floresta em Portugal.
A evolução recente da composição da floresta portuguesa evidencia uma mudança profunda na forma como os proprietários encaram o investimento nos recursos florestais, procurando minimizar os riscos dum investimento que tem associado um horizonte prolongado de retorno. O crescimento registado na área ocupada pelas plantações de eucalipto nos últimos 15 anos (aumento de 15% entre 1995-2010) é expressivo dessa mudança de atitude. Por outro lado, em igual período, assistiu-se a uma regressão significativa de 263.000 ha na área de pinhal bravo, dos quais 70.000 ha resultam da reconversão em eucaliptais (normalmente, na sequência dos incêndios florestais).
O dia 21 de Março também foi marcado pela apresentação do relatório sobre o estado das florestas do Mediterrâneo, da responsabilidade da FAO. Este documento de diagnóstico identifica Portugal como o país que apresenta maior densidade de área ardida no sul da Europa. De facto, os incêndios florestais continuam a ser o principal factor de risco do investimento por parte dos proprietários e gestores florestais.
Os incêndios florestais, cujas verbas para o combate irão ser reforçadas em 4 milhões euros, ascendendo a um total de 78,5 milhões de euros de acordo com o anúncio do Ministro da Administração Interna e regime jurídico das (re)arborizações são dois assuntos que, certamente, irão marcar a agenda política em 2013.
Mas, este mês de Março, também fica marcado pela entrada em vigor das novas regras para o comércio de madeira e de produtos derivados de madeira no espaço europeu. Trata-se de um regulamento comunitário que terá impacto no funcionamento normal da actividade dos agentes económicos do sector florestal, quer daqueles que operam com madeira nacional, como dos operadores que importam madeiras tropicais (Portugal continua a ser um dos principais importadores mundiais de madeiras tropicais para a indústria de mobiliário).
Como referiu oportunamente Pedro Serra Ramos, Presidente da ANEFA, a aplicação deste regulamento europeu deverá ser encarada como uma oportunidade para aumentar a transparência do mercado das madeiras, competindo a cada agente assegurar as “deligências devidas” quanto à legalidade da origem da madeira, ou seja, um sistema documental que garanta a rastreabilidade da madeira até à sua origem, na mata.
A exploração madeireira ilegal resulta numa perda de rendimentos para o proprietário e de receita fiscal para o Estado. As actividades ilegais comprometem também os esforços dos operadores responsáveis, ao introduzir no mercado madeira e produtos de madeira mais baratos, mas ilegais.
O caminho a seguir deverá passar por uma maior aposta na certificação da gestão florestal sustentável. Uma solução que se afigura decisiva para a transparência do comércio de madeiras, para a promoção da gestão activa e profissional dos recursos florestais e para aumentar a competitividade do sector florestal nacional.
A certificação florestal é uma solução que exige trabalho especializado, donde resulta a urgência da conclusão do processo da criação do alvará das empresas florestais por parte do Governo, bem como da aprovação dos “actos próprios” do Engenheiro Florestal por parte da Ordem dos Engenheiros.

Miguel Galante
(Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 199 (29.3.2013)

sábado, 2 de março de 2013

A floresta no novo PDR


O inicio do ano ficou marcado pelo debate comunitário em torno da Reforma da PAC, no horizonte 2014-2020. Nesse âmbito, o “relatório Capoulas”, aprovado na Comissão de Agricultura do Parlamento Europeu no final de Janeiro, constituiu um contributo importante para o debate político e, sobretudo, para um recentramento da PAC nas questões sociais, do emprego e da qualificação profissional.

De Estrasburgo, resultou um mandato para o Parlamento Europeu negociar com a Comissão Europeia e com o Conselho Europeu um conjunto significativo de alterações à proposta original de regulamento do FEADER, nomeadamente a inclusão da competitividade da floresta como uma das prioridades da política de desenvolvimento rural.

A diversidade da floresta europeia constitui um desafio para a politica comunitária de desenvolvimento rural
Numa análise sucinta sobre o enquadramento das florestas na política de desenvolvimento rural europeia, constata-se que as medidas florestais representavam cerca de 9% do orçamento comunitário suportado pelo FEADER, num claro desequilíbrio entre a importância das florestas (37% do território da União Europeia) e do sector florestal europeu (8% do valor acrescentado gerado pela industria transformadora) e o peso que lhe era atribuído no orçamento comunitário.

Em Portugal Continental, o Programa de Desenvolvimento Rural 2007-2013 compreendia inicialmente 441 milhões de euros de despesa pública para as medidas florestais, que representavam cerca de 10% do envelope financeiro global. A floresta constituiu (e bem) uma das quatro fileiras estratégicas do ProDeR, com as medidas florestais inscritas nos eixos da Competitividade e da Sustentabilidade, dando cumprimento à Estratégia Nacional para as Florestas.

Ao nível da Promoção da Competitividade, a Medida 1.3 compreendia um conjunto de apoios financeiros destinados ao aumento da competitividade do sector florestal, nomeadamente ao nível da promoção dos investimentos produtivos na melhoria económica da floresta (gestão florestal), para a gestão multifuncional (promoção do uso múltiplo da floresta – recursos cinegético, dulçaquícolas e silvestres) e também para a modernização e capacitação das empresas florestais.

No domínio da Sustentabilidade do Território, os apoios destinavam-se à florestação, à protecção da floresta contra os incêndios florestais e os agentes bióticos e também para a conservação da biodiversidade (ex. manutenção das galerias ripícolas), dispersos numa multiplicidade de Acções e subacções da Medida 2.3.

Porém, da consulta dos relatórios de avaliação externa do ProDeR, constata-se que as medidas florestais não só arrancaram tarde (os regulamentos de aplicação dos apoios apenas foram aprovados em Agosto de 2008), como arrancaram com dificuldade, devido à falta de capacidade nas Direcções Regionais de Agricultura para proceder à análise dos pedidos de apoio. Em termos práticos, apenas em 2010 foi possível arrancar efectivamente com as medidas florestais, sobretudo após as alterações introduzidas na Portaria n.º 814/2010, de 27 de Agosto, que permitiram a simplificação do acesso e majoração dos níveis de apoio.

No final de 2012, a Autoridade de Gestão do ProDeR contabilizava 279,5 M€ de compromisso assumidos, dos quais haviam sido pagos 82,1 M€ aos beneficiários. No entanto, apesar dos sinais positivos do aumento da capacidade de absorção dos fundos disponíveis nas Medidas Florestais, em Janeiro 2012 a Autoridade de Gestão do ProDeR procedeu a um pedido de alteração junto da Comissão Europeia, que se traduziu numa redução significativa das verbas disponíveis para as Medidas florestais, com previsíveis consequências na negociação do envelope financeiro para a floresta no próximo PDR.

Importa, nesta fase, analisar o que correu bem e menos bem com o ProDeR e, sobretudo, preparar o futuro! A Comissão Europeia está apostada na simplificação das medidas, propondo a existência de uma única medida florestal. Também, deseja maior flexibilidade no desenho dessa medida florestal, por forma a permitir uma melhor adequação à especificidade da floresta a apoiar - a esse propósito, recordo a proposta apresentada pela FORESTIS de uma “regionalização” dos apoios florestais, que deve merecer reflexão.

A proposta de regulamento do FEADER apresentada pela Comissão e as emendas propostas pelo Parlamento Europeu antecipam uma boa cobertura das necessidades de apoio ao sector florestal europeu. Na minha leitura, os apoios para os investimentos produtivos para a melhoria económica das florestas mereciam uma redacção mais esclarecedora do entendimento de Bruxelas sobre os investimentos elegíveis …

Todavia, centrando-me em Portugal, na minha opinião, atendendo à importância que o sector florestal tem na economia nacional (nomeadamente, nas exportações), para o emprego no meio rural e para o desenvolvimento e sustentabilidade dos territórios rurais, justificava-se a existência de um “position paper” florestal, com origem nos agentes da fileira florestal, quer ao nível da produção, quer ao nível da transformação. Um documento de orientação, que reportasse ao Governo as principais preocupações e os factores críticos de desenvolvimento, bem como as oportunidades do sector florestal no curto e médio prazo e que afirmasse as expectativas do sector na preparação da nova medida florestal a inscrever no PDR 2014-2020.



Miguel Galante(Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 196 (28.2.2013)

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

2013: o ano de todos os desafios


O ano que findou foi marcado três acontecimentos: o processo de fusão entre a Autoridade Florestal Nacional e o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, do qual resultou o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas, o grande incêndio florestal que, em meados de Julho, assolou os concelhos de Tavira e São Brás de Alportel, do qual resultaram cerca de 25.000 ha de área ardida e mais de 10 milhões de euros de prejuízos estimados e a polémica em torno do debate público da proposta de legislação para o licenciamento das (re)arborizações.

O incêndio de Tavira marcou o regresso dos "mega-incêndios" às florestas portuguesas

2013, por seu turno, na minha opinião, ficará marcado como um ano decisivo para o sector florestal. Diria mais, afigura-se como o ano das grandes decisões! Desde logo, o desafio da preparação do Programa de Desenvolvimento Rural para o próximo período de financiamento comunitário 2014-2020 (e das respectivas medidas florestais) para negociar com Bruxelas. Um desafio prioritário e decisivo para o investimento no subsector da produção florestal e cuja negociação do envelope financeiro poderá ser prejudicada pelos cortes impostos na reprogramação financeira do ProDeR de Janeiro de 2012.

Mas, outros desafios prioritários perfilam-se em 2013: a conclusão do processo de revisão dos PROF (a Portaria que suspendeu parcialmente estes instrumentos regionais de planeamento florestal determina a conclusão do processo em Fevereiro), a entrada em vigor, a 3 de Março, do regulamento comunitário de comércio de madeira e a anunciada revisão da Estratégia Nacional para as Florestas. Estes são desafios que, certamente, irão marcar o futuro do desenvolvimento do sector florestal nacional nos próximos tempos.

É, hoje, unânime o reconhecimento da importância sector florestal, enquanto sector estratégico para o futuro do país. Pela vastidão do coberto florestal, pela relevância das funções económicas (5% do Valor Acrescentado Bruto nacional), ambientais (20% das Áreas Protegidas), sociais (criação de emprego no meio rural) e culturais que lhe estão associadas. Também a capacidade da indústria transformadora e o elevado número de agentes e operadores económicos envolvidos na produção, transformação e comercialização de produtos florestais tornam este sector decisivo para o crescimento das exportações, do emprego e para o relançamento da economia nacional.

No início do ano, a Autoridade de Gestão do ProDeR emitiu um comunicado em que dava nota do apoio já concedido nas medidas florestais. Mais de 250 milhões de euros de financiamento público que permitiu “alavancar” um investimento global de cerca de 440 milhões de euros no sector. Mas, quais são os impactos reais desses milhões de euros no sector? Em que medida foram mitigados os factores críticos que têm condicionado o aumento da competitividade? Estas são questões de fundo que importam ser respondidas em 2013, num quadro de preparação das medidas florestais a inscrever “novo PDR”.

A forma como as fileiras florestais têm revelado capacidade de absorção dos fundos comunitários disponibilizados no ProDeR é uma outra questão que urge responder. Em meados de Dezembro, assisti ao seminário “Mais e melhor pinhal”, organizado pelo Centro Pinus, que oportunamente discutiu os condicionalismos e as oportunidades de desenvolvimento da fileira do pinho, tendo sido identificada essa dificuldade/incapacidade dos proprietários do pinhal bravo aproveitarem os apoios do ProDeR. Mas, apesar dessa e outras preocupações apresentadas pelos agentes do sector durante os trabalhos do seminário, prevalece um sentimento de optimismo quanto ao futuro. Existe procura de matéria-prima e existe mercado para a madeira e subprodutos (ex. resina, materiais de pequena dimensão) da exploração do pinheiro bravo.

Na ocasião do seminário do Centro Pinus, também registei o compromisso assumido pelo Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural de que “todos os agentes do sector iriam ser ouvidos na preparação e regulamentação das medidas florestais”. E este é um aspecto importante para a preparação do próximo PDR.

O envolvimento atempado dos agentes do sector será fundamental para a preparação de uma boa proposta para a negociação com Bruxelas, que permita responder de forma cabal aos desafios de financiamento público que se colocam ao sector florestal e, simultaneamente, possibilite ir de encontro aos desafios estratégicos do crescimento económico da União Europeia – um Crescimento Inteligente, Sustentável e Inclusivo.

O sector florestal nacional tem condições para crescer. Dispõe de um tecido empresarial com ambição e com capacidade exportadora. Mas, para concretizar esse objectivo é necessário mobilizar o sector em torno de uma “agenda para o crescimento da floresta e do sector florestal em Portugal”, com o estabelecimento de prioridades concretas, de metas tangíveis, indicadores quantificáveis e de objectivos exequíveis no curto, médio e longo prazos. É necessário uma estratégia de futuro, que saiba tirar partido das sinergias entre Fundos Estruturais e os vários programas comunitários. Por isso, acredito que 2013 irá constituir um marco para o relançamento do sector florestal.


PS: Em Setembro de 2012 foi publicada a Lei n.º 53/2012, de 5 de Setembro, que actualiza o regime jurídico da classificação de arvoredo de interesse público. De certa forma, esta iniciativa legislativa do Parlamento também marca o ano 2012.


Miguel Galante
(Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 194 (23.1.2013)