“Black skies” (Céus negros) foi a denominação atribuída
pelos investigadores Mark Beighley e Albert C. Hyde ao novo cenário apresentado
no estudo que realizaram sobre os incêndios florestais em Portugal.
Este novo cenário agrava as projeções que estes
investigadores norte-americanos haviam apresentado em 2009 e que tiveram
expressão na tragédia vivida no ano passado, que se saldou em mais de cem
vitimas mortais e mais de 500 mil hectares de área ardida.
Este novo cenário resulta da constatação de que Portugal
entrou numa “nova era de fogo” e pinta de negro a possibilidade do País poder
experimentar, no futuro, um ano verdadeiramente catastrófico em matéria de
incêndios florestais, projectando uma área ardida na ordem de 750 mil hectares,
algo que nunca ocorreu no nosso País.
A fundamentação para esta cenarização encontra-se nos
impactos das alterações climáticas e na conjugação de um conjunto de
circunstâncias bastante adversas, nomeadamente meteorológicas, que possam ocorrer
em simultâneo em todo o País.
Conforme concluiu Mark Beighley, aquando da apresentação
pública do estudo, para mitigar o problema dos incêndios rurais no nosso país é
necessário adotar um conjunto de soluções estratégicas nos próximos anos, na perspetiva
de uma intervenção mais equilibrada e persistente entre os eixos da prevenção e
do combate na próxima década.
O diagnóstico traçado e que serviu de sustentação ao
exercício de cenarização não foge daquilo que tem sido concluído nos últimos
anos, evidenciando fragilidades estruturais há muito identificadas, mas que
tardam em ter uma solução estruturada e duradoura no quadro das políticas
públicas.
O agravamento dos problemas do despovoamento do interior e
do envelhecimento da população são desafios que exigem uma nova abordagem
estrutural das políticas públicas e, sobretudo, uma consistência e persistência
no tempo que não tem acontecido no passado e que deve estar no centro da
preparação da programação dos fundos comunitários no horizonte de 2030.
Decorrente desses problemas estruturais, são exigidas medidas
operacionais que promovam uma nova visão para o sistema de Proteção Civil, uma
tese que é vincada no segundo relatório da Comissão Técnica Independente que
analisou os grandes incêndios florestais de Outubro. A constatação da
incapacidade do sistema em responder aos grandes incêndios é um outro fator
crítico que foi sinalizado e que já havia aqui sido apontado no rescaldo do
grande incêndio de Tavira em 2012.
O estudo também conclui da necessidade de uma política mais
assertiva no que respeita à intervenção no território, nomeadamente na gestão
da vegetação e na redução das ignições. Nesse quadro, a revisitação do modelo
das Zonas de Intervenção Florestal e o reforço das acções de sensibilização e
de fiscalização da aplicação da Lei são apontadas como medidas que requerem
maior atenção da parte dos decisores políticos, sendo ainda proposta, nesse
domínio, a criação de uma linha telefónica dedicada para a denuncia de
situações anómalas.
O elevado número de ignições que todos os anos são
contabilizadas no nosso país, um verdadeiro absurdo quando comparado com outras
realidades do sul da Europa, conjugado com a dificuldade da resposta do
sistema, sobretudo, em períodos mais prolongados de ocorrência simultânea de
grandes incêndios, explicam o pessimismo quanto ao futuro.
Tendo tido a grata oportunidade de conhecer o especialista
Mark Beighley em 2004, aquando da sua primeira visita ao nosso país, por
ocasião da realização da avaliação do sistema de prevenção e combate aos
incêndios florestais no rescaldo dos grandes incêndios de 2003 e do subsequente
acompanhamento dos vários estudos[1]
que, entretanto, tem realizado, é fácil concluir que o relatório que nos
apresentou deve merecer uma leitura atenta e pode constituir a base de partida
para a edificação do novo “Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra os
Incêndios Rurais”.
É preciso mudar o paradigma, com assertividade e com uma
visão realista do futuro. É preciso adotar um planeamento estratégico que
consagre a proclamada integração dos vários departamentos do Governo que
contribuem para a solução, conforme é inscrito na missão da nova Agência para a
Gestão Integrada para os Incêndios Rurais.
Este relatório aponta, de uma forma bastante objectiva e
pragmática, os caminhos a seguir. Acredito que, com a determinação e coragem
política que o Primeiro-Ministro António Costa em colocado neste assunto, este estudo
não ficará esquecido na gaveta, ao contrário do que sucedeu com o relatório de
2009.
Portanto, conclui-se que a resposta à questão que dá título
a este texto está nas mãos dos Portugueses! O cenário é negro e é preciso um
grande envolvimento da Sociedade Civil para conseguir inverter o rumo. O futuro
dirá se o País despertou, de facto, para a complexidade do problema dos
incêndios florestais e se foi agarrada a oportunidade para traçar um novo
caminho.
Miguel Galante (Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 315 (26.4.2018)
[1] Os
vários estudos realizados pelo perito norte-americano Mark Beighley sobre os
incêndios florestais em Portugal estão acessíveis no site do Instituto Superior
de Agronomia, em: https://www.isa.ulisboa.pt/vida-no-isa/destaques/eventos-internos/20180420-apresentacao-do-estudo-portugal-wildfire-management-in-a-new-era-assessing-fire-risks-resources-and-reforms