terça-feira, 17 de setembro de 2013

As lições de 2003

Por estes dias quentes de Agosto, os noticiários voltaram a trazer aos Portugueses imagens dramáticas de um “país em chamas”. A floresta a arder, a trágica morte dos bombeiros e o desespero das populações das aldeias cercadas pelas chamas voltam a evidenciar que o problema dos incêndios florestais ainda está longe de estar resolvido.

“Inferno”, “Caça aos incendiários”, “A Guerra do fogo” eram títulos que faziam as manchetes da comunicação social em 2003. 10 anos volvidos após esse Verão trágico, o que mudou em Portugal? Desde logo, destaco a existência de um sistema integrado de Defesa da Floresta Contra os Incêndios, que assenta em três pilares – prevenção estrutural, prevenção operacional e combate. No entanto, verifico que nos últimos anos tem vindo a perder consistência, sobretudo em resultado da extinção dos Governos Civis, e consequentemente, das Comissões Distritais de Defesa da Floresta que contribuíam para um envolvimento activo dos principais agentes presentes no terreno.

Uma das principais lições resultantes dos incêndios de 2003 foi a necessidade de dotar o País de um instrumento de planeamento interministerial que orientasse de forma efectiva e sistemática as políticas públicas de Defesa da Floresta Contra Incêndios, que viria a ser concretizado com a aprovação em Conselho de Ministros de Maio de 2006 do Plano Nacional de DFCI.

Também a reforma operada nesse ano na Protecção Civil, permitiu criar as condições legislativas e operacionais para uma melhoria significativa no combate aos incêndios florestais, quer em termos da hierarquização da cadeia do comando e da capacidade de coordenação dos meios no teatro das operações, quer em matéria da eficácia do desempenho do ataque inicial. De facto, a melhoria da capacidade de resposta ao ataque inicial dos focos de incêndio foi induzida pela aposta do Governo também em 2006 na profissionalização das equipas da Força Especial de Bombeiros “Canarinhos” e dos GIPS da GNR.

No entanto, os grandes incêndios florestais continuam a ser um problema por resolver e nesse domínio retomo as preocupações que escrevi neste espaço de opinão há um ano – Portugal precisa de formar equipas multidisciplinares profissionais para coordenar as operações em teatros de operações complexos.

É nestas situações de maior complexidade, como se verifica na Serra do Caramulo, que se constata que a prevenção continua a percorrer um caminho penoso… Pese embora o empenho dos técnicos dos Gabinetes Técnicos Florestais dos municípios na elaboração dos Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios, continua a registar-se dificuldades na sua concretização no terreno.

Apesar dos milhões de euros de dinheiros públicos disponibilizados pelo Fundo Florestal Permanente e pelo ProDeR, as manchas florestais de risco mais elevado continuam sem a necessária compartimentação. O incêndio que nos últimos dias tem consumido milhares de hectares de floresta da Serra do Caramulo é bem demonstrativo dessa falta de capacidade e de decisão para intervir prioritariamente nos territórios mais críticos. E esta é uma criticas que deve ser apontada ao actual Sistema Nacional de DFCI – a falta de definição de prioridades nacionais (e regionais) de intervenção por parte do ICNF, enquanto entidade responsável pela coordenação do pilar da prevenção estrutural.

Também a interface urbano-florestal continua sem ser uma prioridade, quer na actuação da Administração Central, quer da Administração Local, condicionando a capacidade de resposta dos bombeiros e dos agentes de protecção civil na protecção das pessoas e bens.

Os registos preocupantes dos incêndios florestais nos últimos três anos e a evolução dos incêndios neste Verão justificam um novo olhar para as políticas de prevenção, que permitam corrigir as falhas e estabelecer medidas de incentivo para a gestão florestal dos proprietários florestais, prioridades para os apoios financeiros nesse domínio e estruturar um verdadeiro sistema nacional de prevenção dos incêndios florestais, nos quais os municípios e as organizações de produtores florestais, nomeadamente no contexto, das ZIF, poderão dar um contributo mais efectivo para a mitigação do flagelo dos incêndios florestais em Portugal.


Num momento em que o Sistema Europeu de Informação de Incêndios Florestais estima uma área ardida superior a 100.000 ha no final de Agosto, termino com uma questão que julgo retratar o sentimento da sociedade portuguesa perante a “inevitabilidade” do flagelo dos incêndios florestais: Porque não aprendemos a lição?


Miguel Galante(Eng. Florestal)

Gazeta Rural, edição n.º 208 (31.8.2013)