Por estes dias quentes de Agosto, os noticiários voltaram a
trazer aos Portugueses imagens dramáticas de um “país em chamas”. A floresta a
arder, a trágica morte dos bombeiros e o desespero das populações das aldeias cercadas
pelas chamas voltam a evidenciar que o problema dos incêndios florestais ainda está
longe de estar resolvido.
“Inferno”, “Caça aos incendiários”, “A Guerra do fogo” eram
títulos que faziam as manchetes da comunicação social em 2003. 10 anos volvidos
após esse Verão trágico, o que mudou em Portugal? Desde logo, destaco a
existência de um sistema integrado de Defesa da Floresta Contra os Incêndios,
que assenta em três pilares – prevenção estrutural, prevenção operacional e
combate. No entanto, verifico que nos últimos anos tem vindo a perder
consistência, sobretudo em resultado da extinção dos Governos Civis, e
consequentemente, das Comissões Distritais de Defesa da Floresta que
contribuíam para um envolvimento activo dos principais agentes presentes no
terreno.
Uma das principais lições resultantes dos incêndios de 2003
foi a necessidade de dotar o País de um instrumento de planeamento
interministerial que orientasse de forma efectiva e sistemática as políticas
públicas de Defesa da Floresta Contra Incêndios, que viria a ser concretizado
com a aprovação em Conselho de Ministros de Maio de 2006 do Plano Nacional de
DFCI.
Também a reforma operada nesse ano na Protecção Civil,
permitiu criar as condições legislativas e operacionais para uma melhoria significativa
no combate aos incêndios florestais, quer em termos da hierarquização da cadeia
do comando e da capacidade de coordenação dos meios no teatro das operações,
quer em matéria da eficácia do desempenho do ataque inicial. De facto, a
melhoria da capacidade de resposta ao ataque inicial dos focos de incêndio foi
induzida pela aposta do Governo também em 2006 na profissionalização das
equipas da Força Especial de Bombeiros “Canarinhos” e dos GIPS da GNR.
No entanto, os grandes incêndios florestais continuam a ser
um problema por resolver e nesse domínio retomo as preocupações que escrevi
neste espaço de opinão há um ano – Portugal precisa de formar equipas
multidisciplinares profissionais para coordenar as operações em teatros de
operações complexos.
É nestas situações de maior complexidade, como se verifica
na Serra do Caramulo, que se constata que a prevenção continua a percorrer um
caminho penoso… Pese embora o empenho dos técnicos dos Gabinetes Técnicos
Florestais dos municípios na elaboração dos Planos Municipais de Defesa da
Floresta Contra Incêndios, continua a registar-se dificuldades na sua
concretização no terreno.
Apesar dos milhões de euros de dinheiros públicos
disponibilizados pelo Fundo Florestal Permanente e pelo ProDeR, as manchas
florestais de risco mais elevado continuam sem a necessária compartimentação. O
incêndio que nos últimos dias tem consumido milhares de hectares de floresta da
Serra do Caramulo é bem demonstrativo dessa falta de capacidade e de decisão
para intervir prioritariamente nos territórios mais críticos. E esta é uma
criticas que deve ser apontada ao actual Sistema Nacional de DFCI – a falta de
definição de prioridades nacionais (e regionais) de intervenção por parte do
ICNF, enquanto entidade responsável pela coordenação do pilar da prevenção
estrutural.
Também a interface urbano-florestal continua sem ser uma
prioridade, quer na actuação da Administração Central, quer da Administração
Local, condicionando a capacidade de resposta dos bombeiros e dos agentes de
protecção civil na protecção das pessoas e bens.
Os registos preocupantes dos incêndios florestais nos
últimos três anos e a evolução dos incêndios neste Verão justificam um novo
olhar para as políticas de prevenção, que permitam corrigir as falhas e estabelecer medidas de incentivo para a gestão florestal dos
proprietários florestais, prioridades para os apoios financeiros nesse domínio
e estruturar um verdadeiro sistema nacional de prevenção dos incêndios
florestais, nos quais os municípios e as organizações de produtores florestais,
nomeadamente no contexto, das ZIF, poderão dar um contributo mais efectivo para
a mitigação do flagelo dos incêndios florestais em Portugal.
Num momento em que o Sistema Europeu de
Informação de Incêndios Florestais estima uma área ardida superior a 100.000 ha
no final de Agosto, termino com uma questão que julgo retratar o sentimento da
sociedade portuguesa perante a “inevitabilidade” do flagelo dos incêndios
florestais: Porque não aprendemos a lição?
Miguel Galante(Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 208 (31.8.2013)