O calor apertou em Julho e os incêndios florestais abriram os noticiários televisivos! Com evidente destaque para os incêndios catastróficos ocorridos na Serra do Caldeirão e na ilha da Madeira, os portugueses revisitaram a tragédia dos incêndios florestais. Mais uma vez foi patente que o fogo constitui a principal ameaça à sustentabilidade do sector florestal, bem como a principal preocupação de Protecção Civil em Portugal.
A Estratégia Nacional para as Florestas, aprovada em Conselho de Ministros em Setembro de 2006, elegeu a mitigação dos incêndios florestais como a principal prioridade de intervenção, pois este é um factor condicionador do investimento privado na gestão activa da floresta. Num estudo que coordenei na ex-AFN[1], foi evidente a percepção no meio rural que o principal problema da floresta reside na falta de gestão, seguido de perto pelos incêndios florestais, que, normalmente, são uma consequência dessa ausência de gestão.
No entanto, ano após ano, a floresta
portuguesa continua a ser devastada pelas chamas. Desde o início do século já
arderam mais de 1,5 milhões de hectares, dos quais mais de 800 mil hectares
eram de povoamentos florestais, sobretudo pinhais e plantações de eucalipto. Ou
seja, em apenas 11 anos ardeu cerca de ¼ da floresta portuguesa – um registo
absolutamente insustentável! E este ano não está a correr bem. No final do primeiro
semestre de 2012 o número de incêndios registado foi o dobro do valor médio da
última década e se tomarmos em consideração o ultimo relatório oficial, a área
ardida no final de Julho já ultrapassa o triplo da área contabilizada o ano
passado…
Apesar das melhorias introduzidas
em 2006 na sequência da Reforma do Sistema de Protecção Civil e com a adopção
do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios, nomeadamente ao nível
da organização do Dispositivo de Combate aos Incêndios Florestais, no reforço
da capacidade de ataque inicial e no planeamento distrital e municipal da
defesa da floresta contra incêndios, persistem problemas estruturais no
ordenamento florestal, na instalação das redes regionais de DFCI e no combate
aos grandes incêndios florestais.
Sendo a intervenção no território
necessariamente mais lenta, importa colocar o foco no combate aos grandes
incêndios florestais. Estas ocorrências contribuem de forma importante
para a contabilidade da área ardida, representando aquelas situações que
normalmente apresentam maiores danos e prejuízos.
Atendendo
aos cenários das alterações climáticas para Portugal, que apontam para um
aumento substancial do risco meteorológico de incêndio em resultado de vagas de
calor e períodos de seca cada vez mais frequentes e com maior duração, torna-se
imperativo, como ficou demonstrado em Tavira (estimam-se que tenha
ardido cerca de 27.000 hectares), proceder à
capacitação da ANPC com meios e equipas especializadas para a
gestão/coordenação de teatros de operações de grande complexidade, como são os
grandes incêndios florestais.
Nesse
contexto, no ano passado visitei o Centro Nacional de Coordenação de Incêndios
Florestais (National Interagency Fire Center) nos Estados Unidos em Boise,
Idaho. Aqui, tive a oportunidade de perceber a complexidade da rectaguarda qu
está presente na organização e preparação dos meios e recursos humanos para o
apoio aos grandes incêndios florestais e a importância de uma boa articulação
entre os vários departamentos com responsabilidades na DFCI.
Nessa
visita, também pude constatar que Portugal ainda tem um longo caminho a
percorrer no desenvolvimento de um sistema eficiente de gestão/coordenação em
teatros de operação complexos, como foi o incêndio de Tavira. Para tal, o
Sistema Nacional de Protecção Civil precisa de ser dotado de equipas
especializadas para a gestão de grandes incêndios, de especialistas em análise e
previsão do comportamento do fogo e meteorologia e de estações meteorológicas
portáteis. A jusante, importa também criar um centro de análise dos grandes
incêndios florestais que permita retirar lições para a melhoria contínua do
sistema e da formação especializada (por exemplo, em colaboração com a Escola
Nacional de Bombeiros).
Estou convicto que Portugal tem
capacidade e os profissionais com o perfil e know-how necessários para
vencer o desafio dos grandes incêndios florestais. Será preciso vontade
política e uma estratégia de curto/médio prazo de reorganização do dispositivo
para alcançar esse desiderato e cumprir o objectivo inscrito no Plano Nacional
de DFCI de eliminar os incêndios florestais de área superior a mil hectares.
Gostaria de deixar uma palavra
final, de apreço, para o Cmdt. Vaz Pinto, Comandante Operacional Nacional, pelo
gesto de grande coragem que demonstrou ao assumir publicamente que nem tudo
correu bem na avaliação e coordenação do fogo de Tavira. Um gesto que não é
frequente ver em Portugal, um País onde a culpa, por norma, morre solteira no
seio do esquecimento colectivo …
Miguel Galante
(Eng. Florestal)
(Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 184
[1] O estudo consistiu num inquérito nacional (1500 inquiridos) sobre os incêndios florestais em Portugal. Os principais resultados estão publicados em Galante M., Alves P.I., Cavaco V. e Miguel M. - A Percepção da População Portuguesa sobre os Incêndios Florestais e as suas Causas in Actas do 6.º Congresso Florestal Nacional. SPCF, Ponta Delgada. pp. 873-882, 2009.