quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

2015, o início da uma nova etapa na floresta portuguesa?

O setor florestal exportador (na imagem, a fábrica de papel da Portucel)
necessita de uma estruturação sólida da fileira florestal produtiva a montante.


O início de 2015 fica marcado pela publicação em Diário da República da nova Estratégia Nacional para as Florestas. Trata-se de um documento essencial para a afirmação do potencial da floresta e do setor florestal no nosso País e que merece uma leitura atenta.

A nova Estratégia Nacional para as Florestas procede a uma atualização do documento em vigor desde 2006, mantendo-se as seis linhas estratégicas então definidas e a arquitetura programática. Todavia, importa sinalizar que no documento agora aprovado em Conselho de Ministros é promovida uma nova visão que enfatiza a sustentabilidade da gestão florestal. E, de facto, essa deve ser a visão política de suporte ao desenvolvimento da fileira florestal em Portugal.

A floresta portuguesa ocupa cerca de 35 por cento do território e é maioritariamente privada, com problemas estruturais profundos. Problemas há muito diagnosticados e que o atual Governo pouco fez para os solucionar na presente legislatura, refira-se. O cadastro florestal continua por avançar, o nemátodo da madeira do pinheiro contínua a avançar, a prevenção dos incêndios florestais que não chega ao terreno, as associações florestais continuam sem apoios específicos e os pequenos proprietários florestais marginalizados, sem que as ZIF sejam efectivamente operacionalizadas.

Não obstante, como foi amplamente veiculado na comunicação escrita, com a adopção da nova Estratégia Nacional para as Florestas o Governo quis dar um sinal político, tendo a criação do Estatuto Fiscal e Financeiro no Investimento e na Gestão Florestal (EFFIGF) como a grande bandeira para relançar o sector florestal.

“Governo vai usar fisco como instrumento de política florestal” escrevia em letras gordas o Jornal de Negócios. Efetivamente, pretende o Governo que o IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis) e o IMT (Imposto Municipal sobre as Transmissões de Imóveis) sejam "instrumentos potenciadores da gestão florestal, penalizando o abandono dos espaços silvestres e premiando a gestão florestal", lê-se. De facto, são boas as intenções do Governo. Depois do estímulo ao investimento na gestão florestal por via da redução da taxa do IVA em 2006, a “reforma da fiscalidade florestal” era o passo que se exigia para consolidar esse desiderato.

A proposta do Governo para rever o IMT até 2017 para "agilizar o mercado fundiário e promover a gestão florestal efectiva", propondo uma discriminação positiva deste imposto, bem como do imposto de selo, quando a transacção dos terrenos visa aumentar a área florestal dos produtores e nos casos em que os terrenos estão inseridos em Zonas de Intervenção Florestal (ZIF), também é uma boa notícia e um reconhecimento do papel ativo que as ZIF podem desempenhar no terreno, na dinamização da gestão dos ativos florestais.

O Governo pretende ainda rever o IMI com o objectivo de penalizar o abandono (uma ideia antiga) e beneficiar quem gere ou disponibiliza terrenos na Bolsa de Terras, uma medida que está associada a uma actualização do valor matricial dos prédios rústicos e a avaliação dos terrenos em função do seu potencial produtivo.

Feitas as contas, o Governo apresentou um conjunto de medidas de política fiscal ambiciosas e relevantes, que pretende definir ainda este ano para entrarem em vigor em 2016/2017. Na minha perspectiva, e sem colocar em causa a bondade (e pertinência) das medidas apresentadas, será interessante acompanhar a evolução destas propostas no quadro parlamentar, pois trata-se de uma iniciativa legislativa governamental que deve merecer uma discussão ampla no setor e um consenso alargado na Assembleia da República.

Outro dos objectivos inscritos na nova Estratégia Nacional para as Florestas que merece uma referência especial prende-se com a afirmação das indústrias de base florestal no mercado global, o que passará por uma melhoria da competitividade do setor e pelo aprofundamento da fileira florestal. Como afirmou o economista João Ferreira do Amaral em 2011, no âmago da crise económica, “o sector florestal é dos que mais pode contribuir para o futuro do País”. Esta visão do presidente da Associação das Industrias da Fileira Florestal expressa, de forma inequívoca, a atenção que a acção governativa deve centrar na dinamização do setor florestal produtivo e no segmento da transformação e comercialização, para que Portugal possa aumentar a sua capacidade exportadora e de geração de riqueza.


Termino esta breve análise com outra citação do Presidente da AIFF, que espelha bem a oportunidade que encerra a nova Estratégia Nacional para as Florestas: “tem havido uma enorme dificuldade, nas últimas décadas, em definir uma política para o sector florestal”. Por isso, à questão se vamos assistir ao início da uma nova etapa na floresta portuguesa, a minha resposta é afirmativa. Espero que a adopção desta visão actualizada da Estratégia Nacional para as Florestas e das medidas que nela estão inscritas possam constituir um marco no desenvolvimento sustentável da floresta portuguesa.

Miguel Galante (12.2.2015)
(Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 241 (Fev. 2015)