Foi nesses termos que o Primeiro-Ministro António Costa se
dirigiu à comunicação social no passado domingo, na cerimónia de entrega de 44
viaturas ao abrigo do programa de reequipamento de equipas de sapadores
florestais. «Os sapadores florestais são um elemento essencial para aproximar a
prevenção do combate aos incêndios florestais», disse António Costa nessa
ocasião, salientando que fazem «um trabalho absolutamente fundamental». António
Costa reafirmou, ainda, a aposta do Governo nos Sapadores Florestais, tendo
deixado a promessa do Governo criar mais 200 equipas até 2020, ao mesmo tempo
que irá ser promovido o reequipamento das equipas mais antigas.
O Primeiro-Ministro António Costa na cerimónia de entrega das novas viaturas aos Sapadores Florestais |
Dessa intervenção, importa reter uma outra mensagem, do “tempo
de longo prazo”, que valoriza a dimensão estratégica da intervenção das
políticas públicas, nomeadamente “na capacidade de revitalizar economicamente o
interior, condição essencial para a criação de emprego, que fixe e atraia
populações”. De acordo com o Primeiro-Ministro é nesta dimensão que entra a
“Reforma da Floresta”, que tem como objecto principal “dotar a nossa floresta
de uma capacidade de viabilidade económica que permita fazer uma gestão que
seja uma fonte riqueza para as populações”.
No meu ponto de vista, António Costa abordou, de uma forma
clara, o aspeto crítico para vencermos a “Guerra do Fogo” - a dimensão social
dos incêndios florestais. Num debate recente na SIC Notícias, por ocasião da
passagem de seis meses sobre a tragédia de Pedrogão Grande, o Prof. Xavier
Viegas, investigador da Universidade de Coimbra, questionava, com grande
sentido de oportunidade, Tiago Oliveira, o presidente da Estrutura de Missão
para a Instalação do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais, sobre a forma
como a população será envolvida no desenho do novo modelo, pois esse
envolvimento é fundamental para o sucesso da desejada mudança do atual
paradigma.
Num Pais com mais 15 mil ignições por ano (“um recorde em
relação a outros países com clima semelhante”, segundo o Prof. Filipe Duarte
Santos) e cujas causas são de origem humana em 99% das situações é fácil
perceber por onde se deve abordar o problema dos incêndios florestais – na
redução do número absurdo de ignições. Os acontecimentos de 15 e 16 de Outubro
são uma evidência expressiva do muito trabalho que ainda há a fazer nesse
domínio.
Aliás, era previsível que este ano podia correr mal. Em
Abril, a Ministra da Administração Interna alertava que os incêndios que
estavam a ocorrer “eram preocupantes porque neste primeiro trimestre tivemos um
número anormalmente elevado de ignições”. No entanto, e face à situação de seca
que o Pais atravessou, nem a Protecção Civil, nem o ICNF ou a GNR, tiveram a
capacidade de agir em antecipação na mitigação do problema. O que sucedeu no fatídico
domingo de 15 de Outubro foi o resultado da inação do Sistema de DFCI face ao agravamento
do risco meteorológico de incêndio que a passagem do furacão Ofélia
antecipava...
O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) avisou, com 72
horas de antecedência, a Proteção Civil que aquele seria o dia mais perigoso do
ano.
Depois, temos a falta de uma política consistente e
integrada de protecção das casas e dos aglomerados populacionais no espaço
rural e peri-urbano. Também neste domínio central, aquilo que temos verificado,
ano após ano, é a inexistência de uma política realista, mobilizadora da
população, que permita transpor para o terreno, de uma forma efectiva, as
disposições inscritas na legislação vigente – Decreto-lei n.º 124/2006, de 28
de junho.
António Costa anunciou, no Congresso da Associação Nacional
dos Municípios Portugueses, uma linha de crédito de 50 milhões de euros para os
Municípios promoverem a gestão
de faixas de proteção às vias e às localidades, podendo o Estado substituir-se
aos proprietários que não cumpram. No entanto, não só se revela uma
verba limitada face à dimensão do problema, como falta uma linha programática de
acção que lhe dê suporte e permita estabelecer prioridades para a intervenção no
território e, consequentemente, para a assertiva alocação dos fundos públicos e
uma ação eficaz na proteção das aldeias.
O inicio de um novo ciclo autárquico, decorrente das
eleições de Outubro, somado com a dimensão de intervenção supramunicipal das
CIM, que o Secretário de Estado das Florestas tem estado empenhado em
valorizar, constituem duas boas condições de partida para alicerçar uma
política nacional efetiva nesse domínio central de intervenção, conforme
evidenciaram os incêndios florestais deste ano que destruíram milhares de casas
e empresas – só no incêndio de Pedrogão Grande cerca de meio milhar de casas
foram, total ou parcialmente, destruídas pelas chamas.
De facto, foi a dimensão social que transportou os
acontecimentos vivenciados este ano para um novo patamar, para uma “nova
geração de fogo”, conforme caracterizou Mark Beighley, o especialista
norte-americano que escreveu num relatório de 2009 que Portugal poderia viver
uma tragédia sem precedentes, com uma área ardida superior a 500 mil hectares,
conforme veio a suceder.
A abordagem da dimensão social para responder a esta “nova
geração de fogo” implica uma maior responsabilização colectiva dos agentes da
Proteção Civil, quer em termos da Administração Central, quer na dimensão
municipal, da intervenção direta das autarquias. Como tem afirmado o Prof.
Xavier Viegas, a população deve torna-se o quarto pilar do Sistema Nacional de
Defesa da Floresta Contra Incêndios.
Num momento em que a floresta regressa à agenda política, é
preciso agir para que o próximo ano não repita as tragédias que o Pais viveu em
2017. No entanto, “para aprender não
basta só ouvir por fora, é necessário entender por dentro.”, escreveu o
Padre António Vieira no Séc. XVII e é esta mensagem intemporal que deixo ao
Governo para reflexão, em jeito de “fecho de contas” de um ano que poderá ter
sido saboroso na Economia, mas que deixou muitos amargos de boca no que aos
incêndios florestais diz respeito.
Veremos no trabalho da Estrutura de Missão para a Instalação
do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais se o Governo aprendeu as lições
de 2017 e “entendeu por dentro o problema”. Despeço-me com os votos de um Santo
Natal e de um Bom Ano Novo, que endosso em especial para todos aqueles que mais
sofreram (e ainda sofrem) com os incêndios florestais, na expetativa da
recuperação do tempo perdido, com esperança na resolução dos problemas
estruturais que Portugal enfrenta na floresta e também no sistema de Proteção
Civil.
Miguel Galante (Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 307 (18.12.2017)