quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Pagamento dos serviços ambientais, para quando este novo instrumento de financiamento da floresta em Portugal?


Terminou, recentemente, mais uma “Cimeira do Clima” das Nações Unidas. Mais uma vez, foram apresentados vários estudos e relatórios técnicos que evidenciam a mudança em curso do clima à escala global e os impactes negativos socio-económicos e ambientais que lhe estão associados.

A ronda de Doha saldou-se por resultado “magro” conseguido através da extensão do Protocolo de Quioto até 2020 para um conjunto de países que representa cerca de 15% das emissões globais de CO2. Embora seja um resultado positivo e que tem a marca da União Europeia, persiste uma preocupante interrogação quanto ao futuro. Se por um lado parece existir vontade em colocar o tema das Alterações Climáticas na agenda política (o discurso do Presidente Obama na noite eleitoral é disso demonstrativo), por outro lado a crise económica mundial (sobretudo, a crise do mundo ocidental) e a pouca disponibilidade dos grandes emissores mundiais (China, EUA, Canadá) para assumirem compromissos e metas concretas para reduzir as emissões de CO2, condicionam o empenho que a União Europeia tem colocado neste dossier.

As áreas protegidas nos espaços de montanha (Serra da Estrela) constituem um território de grande potencial para a valorização dos serviços ambientais dos ecossistemas florestais


No plano europeu, existe uma preocupação efectiva em promover o crescimento a partir de uma economia de baixo teor de carbono, um desígnio para o qual o sector florestal detém um papel importante. A concretização da estratégia europeia de crescimento económico “Europa 2020”, assente numa gestão mais eficiente dos recursos, promotora da competitividade e que valoriza a bioeconomia (Economia Verde), tem no sector florestal um importante pilar no desenvolvimento rural e regional, nomeadamente ao nível da criação de emprego e no fornecimento de vários serviços indispensáveis ao bem-estar das populações rurais e urbanas.

A floresta assume, portanto, um papel central nas estratégias de mitigação das Alterações Climáticas. Todavia, no cenário do aumento da frequência e severidade das secas em consequência do aquecimento global, as florestas na região mediterrânica tenderão a passar de sumidouros para emissores de CO2 e as perdas de produtividade e de biodiversidade serão muito elevadas. Como, oportunamente, lembrou Filipe Duarte Santos, investigador da Faculdade de Ciências que estuda as alterações climáticas e os seus impactos em Portugal, esta situação terá contornos dramáticos, dada a vulnerabilidade das nossas florestas às secas e aos fogos.

Estima-se que a floresta portuguesa garante o sequestro de cerca de 280 milhões de toneladas de CO2, segundo os dados do 5.º Inventário Florestal Nacional (2005/06). Trata-se de um registo importante, que assegura o cumprimento por Portugal dos compromissos assumidos no Protocolo de Quioto. Todavia, este serviço ambiental das florestas não é remunerado aos seus proprietários.

O pagamento dos serviços ambientais é um assunto que tem merecido uma atenção crescente nos debates nacionais e internacionais sobre política florestal. Em Novembro último, na Conferência Internacional “Floresta e Sociedade”, organizada pela FORESTIS, foi várias vezes sublinhado que o pagamento dos serviços ambientais prestado pelas florestas, nomeadamente no sequestro do CO2, deverá constituir, no futuro, uma importante mais-valia para os proprietários florestais (sobretudo, se estiver associado a uma gestão florestal profissional e sustentável).

Assim, numa perspectiva de valorização da “Economia Verde”, uma visão de futuro que releva o papel multifuncional das florestas, nomeadamente dos serviços públicos prestados pelos ecossistemas florestais na preservação do solo, na retenção do carbono, na regularização do regime hidrológico e da qualidade da água, na conservação da biodiversidade e na promoção e salvaguarda das paisagens naturais/rurais, o debate em torno do papel da floresta na transição para uma Economia Verde deverá contemplar necessariamente a reflexão sobre o desenvolvimento de mecanismos de remuneração dos serviços do ecossistema.

A valorização do papel da floresta nesse prisma deve, assim, constituir um dos pilares da Estratégia Nacional para as Florestas e uma das “ideias de força” na preparação do próximo período de programação financeira comunitária. Também, importará avaliar a forma como o pagamento dos serviços dos ecossistemas florestais se pode enquadrar nos fundos públicos nacionais, quer no Fundo Florestal Permanente, quer nos Fundos do Carbono, da Biodiversidade e da protecção dos recursos hídricos.

E, nessa perspectiva, estou convicto que o pagamento das externalidades positivas das florestas aos seus proprietários irá constituir uma oportunidade para a captação de investimento (público e privado), com o objectivo de intervir nos espaços florestais quer ao nível da gestão/manutenção quer ao nível da recuperação dos ecossistemas florestais. Como salienta a FAO, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, o investimento na florestação e na manutenção dos serviços do ecossistema deve ser uma das linhas estratégicas para um futuro mais sustentável.

Miguel Galante
(Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 192 (14.12.2012)