sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Portugal pela Floresta

No passado dia 14 de Janeiro a Fundação Calouste Gulbenkian acolheu a sessão de lançamento da iniciativa governamental “Portugal pela Floresta”. Conforme foi anunciado na ocasião pela Ministra da Agricultura, Assunção Cristas, esta iniciativa vai desenvolver um conjunto de acções ao longo de 2014 que têm como objectivo colocar a floresta na agenda dos portugueses, através da realização de várias acções de reflexão e de sensibilização para promover e valorizar a floresta portuguesa.

De facto, a floresta portuguesa tem valor e a sua importância deve ser do conhecimento dos Portugueses. O valor acrescentado deste sector representa 2% do Produto Interno Bruto nacional e contribui para cerca de 10% das exportações de bens. Em 2011, de acordo com as estatísticas do INE, a fileira florestal apresentou um saldo fortemente positivo na balança comercial externa, na ordem dos 1.892 milhões de Euros. Do ponto de vista social, o sector florestal também tem um peso relevante, sendo responsável por cerca de 100.000 postos de trabalho, muitos localizados em territórios deprimidos do interior do País.

Painel de oradores na sessão de lançamento da iniciativa governamental "Portugal pela Floresta"
De facto, são muitas as iniciativas governamentais para o sector florestal inscritas nas Grandes Opções do Plano. Segundo o Governo, será “dado particular empenho na consolidação do contributo do sector florestal no crescimento económico nacional e na sustentabilidade dos territórios”. Passemos às intenções…

O Governo enfatiza que será reforçada a coerência entre os diversos instrumentos de planeamento, face às exigências do novo ciclo de programação 2014-2020. Esta é uma matéria crítica para um bom aproveitamento dos fundos financeiros que serão disponibilizados para o sector e nesse sentido, o Ministério da Agricultura prevê a actualização da Estratégia Nacional para as Florestas, do Plano Nacional de Acção de Combate à Desertificação e do Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios.

Também em 2014, o Ministério de Assunção Cristas irá proceder à simplificação dos instrumentos operacionais e do quadro jurídico e regulamentar do sector florestal, o que traduzir-se-á na revisão dos Planos Regionais de Ordenamento Florestal, do Programa de Sapadores Florestais, estando também prevista a revisão de outros regimes jurídicos (Zonas de Intervenção Florestal, Caça e Recursos Cinegéticos, e Pesca e Aquicultura das Águas Interiores). Portanto, se o Governo conseguir concretizar tudo isto a que se propõe em 2014, será o “ano das florestas” em Portugal. Mas…o importante será concretizar essas intenções…

Mais, o Governo prevê ainda a implementação do Programa Operacional de Sanidade Florestal, onde será reforçada a prioridade na erradicação e controlo de pragas e doenças que mais severamente afectam os ecossistemas florestais, sendo que no quadro específico do Plano de Acção Nacional para o Controlo do Nemátodo da Madeira do Pinheiro, com a adopção de um novo modelo de intervenção na zona tampão. Muito bem! É uma medida acertada e necessária para o país, dada a área significativa de floresta que está afectada pela acção dos agentes bióticos nocivos. Todavia, este novo programa operacional já foi anunciado pelos responsáveis do ICNF há mais de um ano.

Curiosamente, as Grande Opções do Plano são omissas quanto à intervenção na Defesa da Floresta Contra Incêndios. Para além de uma breve referência quanto à necessidade de redefinição do modelo de utilização de meios aéreos de combate a incêndios florestais (em sequência da extinção da Empresa de Meios Aéreos, SA), nada é referido sobre a intervenção do Governo em matéria da prevenção dos incêndios florestais, como se este problema não constituísse a principal ameaça à sustentabilidade da floresta portuguesa e a principal preocupação da Protecção Civil em Portugal, com os riscos conhecidos associados à protecção de pessoas e bens. Também o investimento na gestão e rentabilização das florestas de gestão pública é omisso nas Grandes Opções do Plano para 2014, como se Portugal pudesse dar ao luxo de desperdiçar os seus recursos próprios….

Mas, gostaria de voltar ao tema desta crónica – a iniciativa governamental “Portugal pela Floresta”. Pois bem, em contraponto à propaganda governativa que representou o acto inicial desta iniciativa do Ministério da Agricultura, aqui ao lado, em Espanha, foi apresentado pelo Ministro da Agricultura o “Plano de Activação Socio-economica do Sector Florestal”, destinado a orientar a acção e os fundos públicos para o período 2014–2020 e que me parece constituir uma iniciativa governamental objectivamente mais útil para o desenvolvimento do sector florestal.

Este plano de acção sectorial, alicerçado num conjunto de linhas de actuação de responsabilidade institucional (Governo e sector público) e de iniciativa privada, dos agentes e organizações do sector, tem como objectivo aproveitar a capacidade do sector florestal para alavancar a economia e contribuir para o desenvolvimento e emprego no mundo rural e para a melhoria das qualificações e competências dos profissionais da floresta.

O plano preconiza ainda a melhoria da gestão e o aumento do valor económico dos activos florestais e da competitividade das empresas do sector. De facto, esta iniciativa do Governo espanhol parece-me ser bastante mais meritória e amplamente justificadora de uma abordagem semelhante por terras lusas.

Portugal e o sector florestal necessitam urgentemente duma visão estratégica enquadradora, que estabeleça as grandes linhas de actuação nos vários domínios de intervenção e, ancorados numa Estratégia Nacional para as Florestas devidamente revista, se possam estabelecer as principais metas do crescimento e, desse modo, orientar a programação e as regras de acesso aos fundos comunitários que serão disponibilizados para o apoio ao sector florestal no período 2014 – 2020, tanto do FEADER como nos outros fundos e regulamentos europeus – FEDER, FSE, Fundo de Coesão, LIFE, etc.

Num País em que os espaços florestais correspondem a cerca de 2/3 do território nacional e representam um recurso importante para o desenvolvimento dos territórios de baixa densidade do interior, o Governo e as organizações representativas do sector têm obrigação de fazer muito mais e melhor.

A floresta deve ser encarada como um recurso prioritário para o desenvolvimento do País. Já é tempo de passar do diagnóstico à estratégia, da intenção à acção concreta, e, de preferência, de uma forma participada. “Portugal pela Floresta” deve ser sinónimo de concretização e esta “mudança do chip” não parece ser difícil, basta olhar para o outro lado da fronteira…

Miguel Galante
(Eng. Florestal)

Gazeta Rural, edição n.º 217 (31.01.2014)

Um balanço pouco positivo para 2013 na floresta portuguesa

Em resposta ao desafio lançado pelo editor da Gazeta Rural para reflectir um balanço do ano que agora finda, começo por recordar que na primeira edição de 2013 escrevi neste espaço de opinião que este ano seria o “ano de todos os desafios”. Desafios internos, na estabilização instituicional do ICNF e na conclusão da revisão dos PROF e desafios externos, com destaque evidente para a programação dos fundos comunitários de apoio ao sector florestal no contexto do Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020.

No entanto, numa leitura critica e atenta dos acontecimentos que marcaram este ano – o pior registo de incêndios florestais desde 2005, a (óbvia) separação dos Ministérios da Agricultura e do Ambiente com a originalidade do ICNF ficar com a dupla tutela de uma Secretaria de Estado de cada um dos dois Ministérios (…) e um PDR ainda por aprovar, são factores negativos que pesam de sobremaneira no cômputo desse balanço.

O sector florestal nacional ainda tem um longo caminho a percorrer
Nos incêndios florestais, já correu muita tinta e continua a correr face às conclusões preliminares apuradas no relatório que analisou o acidente mortal no Caramulo e que identificou falhas humanas na sua origem. Apesar do agravamento dos incêndios florestais terem merecido uma justa preocupação da parte da sociedade civil, o Governo não deu sinais de reagir com a premência que o problema exige. O balanço do desempenho do DECIF em Novembro continuou a não evidenciar quaisquer sinais de uma acção estruturada e integrada entre os três pilares do Sistema Nacional de DFCI para mitigar os problemas que se têm vindo a agravar nos últimos anos e que estão vincados nos grandes incêndios florestais.

É urgente avaliar de forma pragmática, séria e sem tabus, os acontecimentos registados nos últimos dois anos, rever o Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios e voltar a mobilizar os agentes de protecção civil na estruturação de um compromisso responsável e de longo prazo em torno deste desígnio nacional que é a mitigação do flagelo dos incêndios florestais – sempre que arde um hectare de floresta, o país fica mais pobre!

Sobre a dupla tutela a que o ICNF está actualmente sujeito, não disponho de informação concreta que permita uma análise profunda sobre a eficácia seu funcionamento. Mas, numa leitura de leigo, diria que não é uma solução estável nem viável no longo prazo, sobretudo, num sector que carece de estabilidade e que todos os anos é surpreendido com novidades. Aliás, somente há dias foi publicado em Diário da República o despacho que determina a conclusão do processo de extinção, por fusão, do ICNB e da AFN e respectiva integração no Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I. P.

E sobre a conclusão da revisão dos PROF, não há resultados à vista. A resposta do Governo foi prolongar em Fevereiro a conclusão desse processo pelo prazo de mais dois anos. Talvez se esteja a aguardar pela informação actualizada do Inventário Florestal Nacional…

Na minha perspectiva, o processo concursal do trabalho de campo para a realização do Inventário Florestal Nacional acabou por constituir a principal marca positiva de 2013. O Inventário Florestal Nacional é uma ferramenta fundamental para se conhecer com profundidade a realidade da floresta, a forma como tem evoluído e, com base nesses elementos, formular a política que melhor se adequa ao desenvolvimento do sector, nomeadamente no segmento produtivo.

Nesse prisma, o Inventário Florestal Nacional, constitui também uma peça importante para a revisão da Estratégia Nacional para as Florestas. Durante o meses de Maio e Junho decorreram várias sessões publicas de apresentação do estudo que procedeu à sua avaliação e, do qual, resultou um conjunto sólido de propostas de revisão. Se bem percebi nas palavras do Secretário de Estado das Florestas, esta é (e bem) uma prioridade da acção governativa cujo desfecho não tem ainda um prazo efectivo à vista.

Registam-se também atrasos na publicação da legislação nacional que enquadra a aplicação do Regulamento Comunitário de Comércio da Madeira e que entrou em vigor em Março de 2013. Tal como o novo regulamento do comércio de pinhas ainda está por publicar, apesar do seu anuncio já ter sido feito há mais de um ano. Enfim, feitas as contas, o balanço de 2013 é marcado pelos atrasos e sucessivos anúncios inconsequentes da parte dos representantes do Governo e, por isso, pouco positivo.

A continuação do bom desempenho do comércio externo de produtos florestais é um aspecto positivo, mas decorre sobretudo da iniciativa do sector privado do que propriamente de estímulos ou politicas com origem na acção do Governo, como sucede na Finlândia ou no Canadá, países em que a floresta e o sector florestal são, de facto, prioridades da acção governativa.

O arranque do novo PDR em 2014 deve constituir uma boa oportunidade para um novo estimulo ao desenvolvimento do sector florestal, complementado com uma nova Estratégia Florestal Nacional, com os PROF revistos, com o PDR aprovado e com um novo corpo gerente do ICNF, 2014 reune as condições para mobilizar os agentes do sector e inaugurar um novo ciclo para a floresta portuguesa.

Miguel Galante(Eng. Florestal)

Gazeta Rural, edição n.º 215 (15.12.2013)

PS: Errare humanum est... Por lapso, não mencionei a 5 de junho, foi publicado o Decreto-Lei n.º 76/2013 que cria o Registo de Operador de Madeira e de Produtos Derivados e estabelece o regime sancionatório aplicável às infrações ao Regulamento (UE) n.º 995/2010