terça-feira, 5 de agosto de 2014

O sector florestal - passado, presente e futuro

Há dez anos, o Pais ainda fazia o rescaldo de um verão singular de incêndios florestais, que trouxe para a Sociedade Civil o debate sobre a floresta portuguesa e os problemas que a afetam. Sucederam-se mesas redondas, seminários e colóquios que procuraram encontrar explicações e apontar soluções para debelar o flagelo dos incêndios florestais, de longe a principal ameaça à sustentabilidade da nossa floresta.

O drama dos incêndios florestais, que desde 2003 afectou mais de 15 por cento do território de Portugal continental, constitui um dos aspetos marcantes do balanço da última década.  O aumento da incidência dos problemas fitossanitários, com destaque para o Nemátodo da Madeira do Pinheiro, constitui um outro aspeto que marcou o sector florestal.

No meu ponto de vista, os últimos dez anos têm no ano de 2006 uma importante referência, com a aprovação em sede de Conselho de Ministros do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios e da Estratégia Nacional para as Florestas, a qual viria a influenciar a preparação das medidas florestais inscritas no Plano de Desenvolvimento Rural – ProDeR 2007-2013. Com a publicação entre 2006 e 2007 dos Planos Regionais de Ordenamento Florestal, foram criadas as bases para “reformar” a floresta portuguesa.


Neste período também importa sinalizar a publicação do diploma habilitante das ZIF – Zonas de Intervenção Florestais em Agosto de 2005, cuja primeira ZIF viria a ser formalmente constituída pela CAULE no final de 2006, abrindo caminho para um processo que no final de 2013 contabilizava mais de 800 mil hectares.


Não obstante a abordagem preconizada para o desenvolvimento do sector florestal, o desenho desajustado das medidas florestais do ProDeR e o seu arranque tardio, comprometeram irremediavelmente a capacidade de mobilização dos recursos financeiros pelos agentes do sector. De uma verba inicialmente orçamentada de 441milhões de euros de despesa pública, no final do primeiro semestre deste ano estavam contabilizados 212 milhões de euros de execução financeira. E, neste balanço, importa, sobretudo, sinalizar as dificuldades encontradas pelas ZIF para acederem aos fundos comunitários para projetos de investimento produtivo – melhoria dos ativos florestais e novas arborizações, condicionando aquele que era um dos principais objetivos da política florestal – a agilização da gestão integrada e com escala da pequena propriedade florestal através das ZIF.

Mas, no balanço dos últimos dez anos importa, sobretudo, sinalizar a instabilidade institucional que afetou a concretização da linha de rumo preconizada para o fomento de uma política florestal sustentável. Neste período foram várias as estruturações e reestruturações a que os Serviços Florestais foram sujeitos, e que viriam a culminar com a sua extinção administrativa na fusão com o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade determinada pelo actual Governo. Enfim, um processo de liquidação da Administração Florestal do Estado que viria a culminar na originalidade da criação de um departamento governamental que obedece a uma “Tutela bicéfala” de dois Ministérios – Agricultura e Ambiente…

Um processo análogo de liquidação sucedeu com a ex-Estação Florestal Nacional, o principal laboratório de investigação florestal do Estado, que tem vindo a definhar ano após ano, cada vez mais descapitalizado de recursos humanos e de capacidade de investigar os problemas que afetam a floresta portuguesa.

A concluir este balanço, importa, no entanto, deixar uma nota positiva para o investimento realizado no planeamento florestal, com a aprovação dos Planos Regionais de Ordenamento Florestal e dos planos de gestão florestal e também para a certificação florestal, que no final de 2013 compreendia mais de 300 mil hectares de povoamentos florestais com gestão certificada. Num país que deve ter na valorização dos recursos endógenos a sua principal âncora para o desenvolvimento económico e para a coesão territorial, o sector florestal deve assumir um papel central. E, é nesse prisma que encaro o futuro deste sector com optimismo moderado.

Apesar dos sinais positivos evidenciados pela industria transformadora de base florestal, materializados no crescimento das exportações de produtos florestais, nomeadamente no segmento da industria papeleira onde a entrada em funcionamento em 2009 da nova fábrica do Grupo Portucel-Soporcel constitui uma importante alavanca, a produção florestal continua assente num reticulado de centenas de milhares de nano, mini e micro proprietários florestais que não conseguem garantir o nível de sustentabilidade de abastecimento de matéria-prima à industria que é necessário (e exigido) para afirmar Portugal e o sector florestal na economia global, mesmo tendo em consideração o esforço significativo e meritório que foi feito nos últimos dez anos para a certificação da gestão florestal.

Assim, ao perspectivar o futuro vejo, como preocupação primordial, o desafio de assegurar a rentabilidade do investimento na floresta. Mesmo no caso do eucalipto, uma cultura de ciclo curto, em que cada rotação ocorre em 10 a 12 anos, o retorno do investimento não está garantido!

Mas, há que encarar o futuro com algum optimismo. Em 2015 teremos um novo Programa de Desenvolvimento Rural e uma nova Estratégia Nacional para as Florestas. Conforme foi recentemente anunciado pela Tutela, o sector florestal irá dispor até 2020 de mais 540 milhões de euros de fundos públicos. Este é um dado relevante para encarar o desenvolvimento do sector florestal. Todavia, persiste uma dúvida fundadora – a capacidade das ZIF concretizarem o objectivo da gestão agrupada e com escala da pequena propriedade florestal e, desse modo, inverter o ciclo de desinvestimento florestal.

Sem essa capacidade de intervenção das ZIF e sem uma política florestal estável, integradora e com objectivos concretos, a cultura do pinho continuará o processo de marginalização a que tem sido votada nas ultimas duas décadas (a valorização económica da resina e da biomassa florestal poderá constituir uma solução regeneradora, mas são intermitentes os sinais que o Governo dá nesse sentido). No mesmo sentido, o sobreiro e a azinheira prosseguirão o caminho do declínio e do consequente abandono e desertificação do território.

O eucalipto, por seu turno, irá consolidar (e até reforçar) o seu papel de principal espécie do coberto florestal nacional, dado o risco menor de perda do investimento pelos incêndios e a crescente procura de matéria-prima pela industria papeleira. O pinheiro manso, e nalguns territórios, também o castanheiro, irão aumentar a sua área em resultado da valorização do fruto, embora sem o mesmo ímpeto a que se assistiu nos anos mais recentes em resultado da aplicação das politicas comunitárias de florestação de terras agrícolas.

Em suma, sem a mitigação dos riscos que incidem sobre a floresta portuguesa, sem a consolidação do movimento associativo florestal no terreno, sem um regime fiscal ajustado à realidade da produção florestal (e dos proprietários florestais), sem a valorização dos serviços prestados pelos espaços florestais e, sobretudo, sem uma política florestal estável e uma Administração Florestal forte e bem implantada no território, a perspectiva de uma evolução positiva e sustentável do sector florestal nacional na próxima década será uma projecção de realidade virtual.

Miguel Galante (Eng. Florestal)

Gazeta Rural, edição n.º 229 (25.07.2014)
Edição especial 10 anos

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