terça-feira, 5 de agosto de 2014

Uma nova estratégia para o sector florestal nacional (s)em debate

A floresta portuguesa ocupa 40 por cento do território nacional e está na base de um sector industrial forte e dinâmico, que é responsável por 15% das exportações nacionais. Este é um cenário possível da evolução, ainda que simplista, do sector florestal nacional no médio prazo.

Todavia, a sua materialização carece de uma política florestal objectiva, alicerçada numa estratégia coerente e num programa de acção robusto que a concretize. Escrevo estas linhas num momento em que já terminou o processo de auscultação pública da “Atualização da Estratégia Nacional para as Florestas”, desenvolvido pelo ICNF durante o mês de Maio.

A proposta de actualização da Estratégia Nacional para as Florestas colocada pelo ICNF em “auscultação publica” procedeu a uma actualização da informação de enquadramento, tendo adotado, de um modo geral, as recomendações de revisão apresentadas pela Equipa Técnica do Estudo de Avaliação da ENF. Nesse estudo, a Equipa Técnica propunha a manutenção da arquitectura de base da ENF, assente em seis eixos estratégicos de intervenção, sugerindo uma profunda revisão dos objectivos operacionais e estratégicos que os concretizam, tendo presente as linhas de tendência de evolução do sector florestal nacional, europeu e mundial, bem como dos impactos resultantes das alterações climáticas.


Não obstante, impõe-se uma crítica ao modo “meramente” digital da solução adoptada pelo ICNF proceder à consulta pública de um documento que deve constituir-se como a “trave-mestra” da política florestal em Portugal. De igual modo, o tempo limitado (apenas um mês) e “fora de tempo” em que esta consulta ocorreu também merece uma leitura crítica. A nova ENF (actualizada) surgirá desfasada da preparação das medidas de apoio comunitário do próximo ciclo de políticas públicas 2014-2020.

A forma e o timing desta consulta pública evidencia que para o actual Governo a floresta e o sector florestal não passam de uma campanha de marketing político, destinada a criar alguns tempos de antena junto da comunicação social, em vez de encarar a floresta como um recurso endógeno estratégico para a economia e para o desenvolvimento do mundo rural.

Ou seja, a actualização da Estratégia Nacional para as Florestas está longe de concretizar um sinal político da mesma intensidade que foi dado em 2006, sobre a importância estratégica da floresta para o país e, também, para a acção governativa, tendo-se verificado uma forte influência das linhas orientadoras da Estratégia Nacional para as Florestas na preparação das Medidas Florestais inscritas no ProDeR 2007-2013. E para fundamentar essa ideia, sublinho desde logo a ausência de uma visão política para a “renovada” Estratégia Nacional para as Florestas. Parece-me lógico e óbvio que um documento desta natureza – estratégico – deva apresentar aquela que é a visão que irá nortear a sustentabilidade do desenvolvimento do sector florestal no curto, no médio e no longo prazo. No entanto, o documento colocado à “auscultação pública” nada arrisca nessa visão de futuro…

Aliás, uma das principais lacunas desta versão “actualizada” da ENF prende-se com a falta de estabelecimento de metas quantificadas para o desenvolvimento do sector. A meta avançada de 450.000 ha área florestal certificada até 2020 constitui uma excepção num dos aspectos centrais para o delineamento da estratégia de evolução de um sector que se caracteriza por longos ciclos de retorno do investimento.

Não obstante essa importante lacuna, verifico com satisfação a manutenção da arquitectura de objetivos estratégicos que estava presente no documento adoptado em sede de Conselho de Ministros em Agosto de 2006; a proposta de actualização da ENF compreende 6 objetivos estratégicos, que são concretizados em 38 objectivos estratégicos. Uma arquitectura que reconhece a importância crescente da industria de base florestal e no potencial de internacionalização dos produtos florestais portugueses, geradores de um importante input para a economia nacional pelo Valor Acrescentado Nacional que gera.

A arquitectura de eixos também identifica, e bem, a importância da redução dos riscos percebidos como uma prioridade nacional, sobretudo quando os cenários das alterações climáticas, os cenários das alterações climáticas prevêem um agravamento das condições meteorológicas de risco de incêndio e de propagação de pragas e doenças no Sul da Europa e que constitui, a par da potencial perda de produtividade da produção florestal primária, aspectos que certamente irão nortear a evolução do sector em Portugal. No entanto, o papel da valorização económica e energética da biomassa florestal, que constitui um subsector em afirmação na produção florestal é tratada de forma marginal.

Provavelmente, tal deve-se à pressa do Governo em aprovar esta actualização da ENF, uma presa que já era invocada pelo actual titular da Pasta das Florestas no Governo (Francisco Gomes da Silva) numa entrevista ao Jornal Económico em Novembro 2013, onde afirmou que “gostaria muito de arrancar o ano de 2014 já com a ENF aprovada ou pronta para a aprovar”. Dai, a forma apressada como foi realizada a consulta pública minimalista e digital que o ICNF promoveu no seu sítio digital na Internet.
Por tudo isto, saúda-se a iniciativa desenvolvida pelo Deputado Miguel Freitas, coordenador para a agricultura e florestas do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que promoveu a realização de uma audição pública com os vários agentes do sector sobre a proposta de revisão da ENF. Enfim… era uma iniciativa deste género que seria desejável que o ICNF ou o próprio Ministério tivesse realizado em prol do debate sério sobre o futuro do sector.

O ideal seria uma jornada de trabalho como sucedeu nos idos de 1997 em torno da regulamentação da Lei de Bases da Politica Florestal. No entanto, uma reunião do Conselho Consultivo Florestal do ICNF já seria um avanço interessante na promoção do debate de ideias sobre o documento que deverá nortear o desenvolvimento do sector florestal no médio e no longo prazo. Mas, criar essa plataforma sólida de diálogo estratégico com o sector é, seguramente, pedir muito a uma casa que ainda anda à procura da sua própria identidade…

Miguel Galante(Eng. Florestal)

Gazeta Rural, edição n.º 226 (15.06.2014)

Nota: o autor destas linhas integrou a Equipa Técnica do IESE – Instituto de Estudos Sociais e Económicos que, sob a coordenação do Dr. Oliveira das Neves, produziu o “Estudo de Avaliação da implementação da Estratégia Nacional para as Florestas”, entregue ao ICNF em Setembro de 2012 e que seria objecto de discussão pública precisamente em Maio de 2013.

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