Em resposta ao desafio lançado pelo editor da Gazeta Rural
para reflectir um balanço do ano que agora finda, começo por recordar que na primeira
edição de 2013 escrevi neste espaço de opinião que este ano seria o “ano de
todos os desafios”. Desafios internos, na estabilização instituicional do ICNF e
na conclusão da revisão dos PROF e desafios externos, com destaque evidente
para a programação dos fundos comunitários de apoio ao sector florestal no
contexto do Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020.
No entanto, numa leitura critica e atenta dos acontecimentos
que marcaram este ano – o pior registo de incêndios florestais desde 2005, a
(óbvia) separação dos Ministérios da Agricultura e do Ambiente com a originalidade
do ICNF ficar com a dupla tutela de uma Secretaria de Estado de cada um dos
dois Ministérios (…) e um PDR ainda por aprovar, são factores negativos que
pesam de sobremaneira no cômputo desse balanço.
O sector florestal nacional ainda tem um longo caminho a percorrer |
Nos incêndios florestais, já correu muita tinta e continua a
correr face às conclusões preliminares apuradas no relatório que analisou o
acidente mortal no Caramulo e que identificou falhas humanas na sua origem. Apesar
do agravamento dos incêndios florestais terem merecido uma justa preocupação da
parte da sociedade civil, o Governo não deu sinais de reagir com a premência que
o problema exige. O balanço do desempenho do DECIF em Novembro continuou a não
evidenciar quaisquer sinais de uma acção estruturada e integrada entre os três
pilares do Sistema Nacional de DFCI para mitigar os problemas que se têm vindo
a agravar nos últimos anos e que estão vincados nos grandes incêndios
florestais.
É urgente avaliar de forma pragmática, séria e sem tabus, os
acontecimentos registados nos últimos dois anos, rever o Plano Nacional de
Defesa da Floresta Contra Incêndios e voltar a mobilizar os agentes de
protecção civil na estruturação de um compromisso responsável e de longo prazo
em torno deste desígnio nacional que é a mitigação do flagelo dos incêndios
florestais – sempre que arde um hectare de floresta, o país fica mais pobre!
Sobre a dupla tutela a que o ICNF está actualmente sujeito,
não disponho de informação concreta que permita uma análise profunda sobre a
eficácia seu funcionamento. Mas, numa leitura de leigo, diria que não é uma solução
estável nem viável no longo prazo, sobretudo, num sector que carece de
estabilidade e que todos os anos é surpreendido com novidades. Aliás, somente
há dias foi publicado em Diário da República o despacho que determina a conclusão
do processo de extinção, por fusão, do ICNB e da AFN e respectiva integração no
Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I. P.
E sobre a conclusão da revisão dos PROF, não há resultados à
vista. A resposta do Governo foi prolongar em Fevereiro a conclusão desse processo
pelo prazo de mais dois anos. Talvez se esteja a aguardar pela informação
actualizada do Inventário Florestal Nacional…
Na minha perspectiva, o processo concursal do trabalho de
campo para a realização do Inventário Florestal Nacional acabou por constituir
a principal marca positiva de 2013. O Inventário Florestal Nacional é uma
ferramenta fundamental para se conhecer com profundidade a realidade da
floresta, a forma como tem evoluído e, com base nesses elementos, formular a
política que melhor se adequa ao desenvolvimento do sector, nomeadamente no
segmento produtivo.
Nesse prisma, o Inventário Florestal Nacional, constitui
também uma peça importante para a revisão da Estratégia Nacional para as
Florestas. Durante o meses de Maio e Junho decorreram várias sessões publicas
de apresentação do estudo que procedeu à sua avaliação e, do qual, resultou um
conjunto sólido de propostas de revisão. Se bem percebi nas palavras do
Secretário de Estado das Florestas, esta é (e bem) uma prioridade da acção
governativa cujo desfecho não tem ainda um prazo efectivo à vista.
Registam-se também atrasos na publicação da legislação
nacional que enquadra a aplicação do Regulamento Comunitário de Comércio da
Madeira e que entrou em vigor em Março de 2013. Tal como o novo regulamento do
comércio de pinhas ainda está por publicar, apesar do seu anuncio já ter sido
feito há mais de um ano. Enfim, feitas as contas, o balanço de 2013 é marcado
pelos atrasos e sucessivos anúncios inconsequentes da parte dos representantes
do Governo e, por isso, pouco positivo.
A continuação do bom desempenho do comércio externo de
produtos florestais é um aspecto positivo, mas decorre sobretudo da iniciativa
do sector privado do que propriamente de estímulos ou politicas com origem na
acção do Governo, como sucede na Finlândia ou no Canadá, países em que a
floresta e o sector florestal são, de facto, prioridades da acção governativa.
O arranque do novo PDR em 2014 deve constituir uma boa oportunidade
para um novo estimulo ao desenvolvimento do sector florestal, complementado com
uma nova Estratégia Florestal Nacional, com os PROF revistos, com o PDR
aprovado e com um novo corpo gerente do ICNF, 2014 reune as condições para mobilizar
os agentes do sector e inaugurar um novo ciclo para a floresta portuguesa.
Miguel Galante(Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 215 (15.12.2013)
PS: Errare humanum est... Por lapso, não mencionei a 5 de junho, foi publicado o Decreto-Lei n.º 76/2013 que cria o Registo de Operador de Madeira e de Produtos Derivados e estabelece o regime sancionatório aplicável às infrações ao Regulamento (UE) n.º 995/2010
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