sábado, 2 de dezembro de 2017

A Guerra do Fogo

A “Guerra do Fogo” foi o mote do debate realizado no Pavilhão do Conhecimento em Lisboa e replicado por todo o Pais nos Centros de Ciência Viva. Tendo como pano de fundo o cenário negro pintado pelos devastadores incêndios florestais que assolaram o País, este também foi o mote de um artigo de opinião da lavra do Prof. Viriato Soromenho-Marques, no rescaldo dos trágicos incêndios florestais de 15 de outubro e serve de inspiração para este texto.

De facto, foi isso que assistimos este ano - uma guerra me várias frentes contra os incêndios florestais, uma guerra em que o País foi derrotado em toda a linha – desde a prevenção ao combate e à protecção das populações. Perderam a vida mais de 100 pessoas e arderam mais de 500 mil hectares expondo a nu as fragilidades de um País cada vez mais desigual e de um sistema de defesa da floresta contra incêndios que faliu.

O fogo entrou pelas aldeias serranas a dentro, onde espalhou o pânico e a morte
A grande lição que se retira destes fogos é que o sistema criado em 2006 está falido e não foi capaz de responder aos desafios que se colocavam de tornar o território menos vulnerável e de responder a incêndios cada vez maiores, mais severos e devastadores – os números falam por si: Feitas as contas, Portugal respondeu por quase 2/3 da área ardida no sul da Europa!

Os problemas não são de agora, nem têm uma resposta milagrosa. Desde o desmantelamento e descapitalização progressivo das estruturas regionais e locais do Ministério da Agricultura, à falta de políticas consistentes e persistentes de desenvolvimento rural, somado com o despovoamento do interior, são fatores que têm contribuído para um abandono constante do “Portugal Interior”, do país rural distante dos centros de decisão.

O saldo desta Guerra do Fogo é, pois, claramente negativo para o País. Perderam-se vidas humanas, destruíram-se famílias, perdeu-se floresta, milhares e milhares de hectares de recursos naturais, de material lenhoso, de biodiversidade e de identidade!

O Governo agiu face ao desastre. Após os incêndios de 15 de outubro, foram adotadas, em Conselho de Ministros, um vasto conjunto de medidas que apontam os caminhos para o futuro, que procuram dar uma resposta integrada e multifacetada a um problema que deve mobilizar todo o Pais – os incêndios florestais.

Reconhecido há muito pelos Portugueses como o principal problema ambiental do Pais, para vencer esta “guerra do fogo” exige que se vá ao cerne do problema e que, a meu ver, compreende três grandes valências: (1) Uma nova cultura de protecção civil, com um envolvimento efectivo das autarquias e das populações na protecção das habitações e das aldeias, (2) a especialização do combate aos grandes incêndios florestais, com a incorporação do muito conhecimento técnico e científico já produzido e (3) a valorização dos recursos naturais do interior do País, com base em políticas públicas ajustadas à realidade regional.

Apesar das dificuldades do caminho, é preciso procurar as oportunidades. E nesse aspeto, Coimbra volta a ser uma lição! O manifesto emanado da conferência “Incêndios, territórios e fragilidade económica e social: Pensar o país inteiro” realizada, no início de Novembro, na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra aborda as questões relacionadas com o território, a floresta, a pequena agricultura familiar, o desenvolvimento dos espaços rurais e o papel da administração pública e da responsabilidade social e política.

É esta visão de conjunto que deveria nortear a intervenção da Unidade de Missão para a Valorização do Interior. As condições de vida precárias que os Portugueses puderam ver nas reportagens televisivas dos dramas dos incêndios florestais evidenciam que existem por esse Pais fora aldeias inteiras de portugueses que vivem em inaceitáveis condições de precaridade, uma realidade inadmissível no século XXI, num Estado Democrático de Direito, integrante da União Europeia!

Por outro lado, é, também, urgente reformar e evoluir o sistema de gestão e combate aos incêndios florestais, mas per si será insuficiente face à dimensão global da demanda. É preciso ter a coragem de ir mais além! Sem pessoas, sem criar condições de suporte para a fixação da população no interior do Pais, nas serranias do norte e centro, sem criar mecanismos de valorização económica dos recursos, sem combater o abandono da floresta, a Guerra do Fogo será perdida! Sem nada mudar, a tragédia de 2017 será, necessariamente, novamente repetida!

Como afirmava o Prof. Viriato Soromenho Marques, “a guerra do fogo será lenta e dolorosa”. O Pais tem de se preparar para isso, com a adoção de uma estratégia pensada no longo prazo e com políticas públicas realistas para o desenvolvimento do interior. Este deveria ser um desígnio prioritário na acção do Governo para a segunda metade do mandato.


Tal, implica um amplo debate público e um “pacto de regime” parlamentar que permita a necessária estabilidade das políticas públicas, nomeadamente na negociação dos fundos comunitários com Bruxelas. Este é o momento para lançar esse caminho, de diálogo franco com o país real. Caso contrário, daqui por 20 anos, muito provavelmente, estaremos a fazer o mesmo lamento que fazemos hoje perante a oportunidade perdida de reformar a floresta portuguesa que emergiu da Lei de Bases da Política Florestal de 1996.

Miguel Galante (Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 306 (30.11.2017)

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