quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Recuperar o tempo perdido

Foi nesses termos que o Primeiro-Ministro António Costa se dirigiu à comunicação social no passado domingo, na cerimónia de entrega de 44 viaturas ao abrigo do programa de reequipamento de equipas de sapadores florestais. «Os sapadores florestais são um elemento essencial para aproximar a prevenção do combate aos incêndios florestais», disse António Costa nessa ocasião, salientando que fazem «um trabalho absolutamente fundamental». António Costa reafirmou, ainda, a aposta do Governo nos Sapadores Florestais, tendo deixado a promessa do Governo criar mais 200 equipas até 2020, ao mesmo tempo que irá ser promovido o reequipamento das equipas mais antigas.

O Primeiro-Ministro António Costa na cerimónia de entrega das novas viaturas aos Sapadores Florestais

Dessa intervenção, importa reter uma outra mensagem, do “tempo de longo prazo”, que valoriza a dimensão estratégica da intervenção das políticas públicas, nomeadamente “na capacidade de revitalizar economicamente o interior, condição essencial para a criação de emprego, que fixe e atraia populações”. De acordo com o Primeiro-Ministro é nesta dimensão que entra a “Reforma da Floresta”, que tem como objecto principal “dotar a nossa floresta de uma capacidade de viabilidade económica que permita fazer uma gestão que seja uma fonte riqueza para as populações”.

No meu ponto de vista, António Costa abordou, de uma forma clara, o aspeto crítico para vencermos a “Guerra do Fogo” - a dimensão social dos incêndios florestais. Num debate recente na SIC Notícias, por ocasião da passagem de seis meses sobre a tragédia de Pedrogão Grande, o Prof. Xavier Viegas, investigador da Universidade de Coimbra, questionava, com grande sentido de oportunidade, Tiago Oliveira, o presidente da Estrutura de Missão para a Instalação do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais, sobre a forma como a população será envolvida no desenho do novo modelo, pois esse envolvimento é fundamental para o sucesso da desejada mudança do atual paradigma.

Num Pais com mais 15 mil ignições por ano (“um recorde em relação a outros países com clima semelhante”, segundo o Prof. Filipe Duarte Santos) e cujas causas são de origem humana em 99% das situações é fácil perceber por onde se deve abordar o problema dos incêndios florestais – na redução do número absurdo de ignições. Os acontecimentos de 15 e 16 de Outubro são uma evidência expressiva do muito trabalho que ainda há a fazer nesse domínio.

Aliás, era previsível que este ano podia correr mal. Em Abril, a Ministra da Administração Interna alertava que os incêndios que estavam a ocorrer “eram preocupantes porque neste primeiro trimestre tivemos um número anormalmente elevado de ignições”. No entanto, e face à situação de seca que o Pais atravessou, nem a Protecção Civil, nem o ICNF ou a GNR, tiveram a capacidade de agir em antecipação na mitigação do problema. O que sucedeu no fatídico domingo de 15 de Outubro foi o resultado da inação do Sistema de DFCI face ao agravamento do risco meteorológico de incêndio que a passagem do furacão Ofélia antecipava...

O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) avisou, com 72 horas de antecedência, a Proteção Civil que aquele seria o dia mais perigoso do ano.
Depois, temos a falta de uma política consistente e integrada de protecção das casas e dos aglomerados populacionais no espaço rural e peri-urbano. Também neste domínio central, aquilo que temos verificado, ano após ano, é a inexistência de uma política realista, mobilizadora da população, que permita transpor para o terreno, de uma forma efectiva, as disposições inscritas na legislação vigente – Decreto-lei n.º 124/2006, de 28 de junho.

António Costa anunciou, no Congresso da Associação Nacional dos Municípios Portugueses, uma linha de crédito de 50 milhões de euros para os Municípios promoverem a gestão de faixas de proteção às vias e às localidades, podendo o Estado substituir-se aos proprietários que não cumpram. No entanto, não só se revela uma verba limitada face à dimensão do problema, como falta uma linha programática de acção que lhe dê suporte e permita estabelecer prioridades para a intervenção no território e, consequentemente, para a assertiva alocação dos fundos públicos e uma ação eficaz na proteção das aldeias.

O inicio de um novo ciclo autárquico, decorrente das eleições de Outubro, somado com a dimensão de intervenção supramunicipal das CIM, que o Secretário de Estado das Florestas tem estado empenhado em valorizar, constituem duas boas condições de partida para alicerçar uma política nacional efetiva nesse domínio central de intervenção, conforme evidenciaram os incêndios florestais deste ano que destruíram milhares de casas e empresas – só no incêndio de Pedrogão Grande cerca de meio milhar de casas foram, total ou parcialmente, destruídas pelas chamas.

De facto, foi a dimensão social que transportou os acontecimentos vivenciados este ano para um novo patamar, para uma “nova geração de fogo”, conforme caracterizou Mark Beighley, o especialista norte-americano que escreveu num relatório de 2009 que Portugal poderia viver uma tragédia sem precedentes, com uma área ardida superior a 500 mil hectares, conforme veio a suceder.

A abordagem da dimensão social para responder a esta “nova geração de fogo” implica uma maior responsabilização colectiva dos agentes da Proteção Civil, quer em termos da Administração Central, quer na dimensão municipal, da intervenção direta das autarquias. Como tem afirmado o Prof. Xavier Viegas, a população deve torna-se o quarto pilar do Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios.

Num momento em que a floresta regressa à agenda política, é preciso agir para que o próximo ano não repita as tragédias que o Pais viveu em 2017. No entanto, “para aprender não basta só ouvir por fora, é necessário entender por dentro.”, escreveu o Padre António Vieira no Séc. XVII e é esta mensagem intemporal que deixo ao Governo para reflexão, em jeito de “fecho de contas” de um ano que poderá ter sido saboroso na Economia, mas que deixou muitos amargos de boca no que aos incêndios florestais diz respeito.

Veremos no trabalho da Estrutura de Missão para a Instalação do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais se o Governo aprendeu as lições de 2017 e “entendeu por dentro o problema”. Despeço-me com os votos de um Santo Natal e de um Bom Ano Novo, que endosso em especial para todos aqueles que mais sofreram (e ainda sofrem) com os incêndios florestais, na expetativa da recuperação do tempo perdido, com esperança na resolução dos problemas estruturais que Portugal enfrenta na floresta e também no sistema de Proteção Civil.

Miguel Galante (Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 307 (18.12.2017)

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