Há um ano escrevi, neste espaço de
opinião, que Portugal teria que parar para olhar para aquela tragédia e tirar
lições para que não se voltasse a repetir. Na verdade, porém, em Outubro, sob a
influência das condições meteorológicas excepcionais resultantes da passagem do
furacão Ophelia, o País viria a viver um novo inferno, ainda que com contornos
bastante diferentes daqueles que foram vivenciados no dia 17 de junho de 2017.
Passado um ano dos acontecimento de
Pedrogão Grande importa fazer um balanço das respostas do Pais aos incêndios
florestais e, desse ponto de vista, o Conselho de Ministros Extraordinário de
21 de Outubro e as medidas que dai emanaram, na concretização das recomendações
tecidas pela Comissão Técnica Independente, constitui o ponto de viragem no que
respeita à política governamental nessa matéria.
Um outro sinal importante a reter prende-se
com a atitude da Sociedade Civil, a onda de solidariedade nacional que se gerou
na resposta voluntária dos portugueses em auxílio daquelas pessoas que tudo
perderam nos incêndios florestais. Tem sido notável a forma como os portugueses
se têm mobilizado nessa causa! A pronta resposta do Governo na mitigação dos
danos causados pelos incêndios nas casas de primeira habitação e na recuperação
das empresas e das infra-estruturas também foi notável.
No que respeita às respostas do Governo,
importa também assinalar as mudanças operadas no elenco governativo e que
tiveram lugar em dois momentos distintos – em meados de julho com a entrada em
cena de Miguel Freitas, um político experiente e conhecedor da realidade dos
incêndios por via do trabalho parlamentar e que introduziu uma outra dinâmica e
visão na Secretaria de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural e, mais
tarde, (por ventura, demasiado tarde…), em Outubro, após o desastre negligente
dos incêndios de 15 de Outubro com a nomeação da nova equipa do Ministério da
Administração Interna e, consequentemente, também na Autoridade Nacional da
Proteção Civil.
Neste domínio, importa, ainda, assinalar a
criação da Estrutura de Missão, liderada por Tiago Oliveira, um técnico experiente
conhecedor da área e com conhecimento dos gabinetes ministeriais. Esta estrutura
assume um importante papel estratégico de coordenação supraministerial das
políticas relacionadas com os incêndios florestais, sob a responsabilidade
direta do Primeiro-Ministro.
Sem dúvida que se tratam de sinais
políticos relevantes, que indiciam uma vontade de mudar o paradigma, numa
evolução no sentido de uma maior profissionalização do sistema (o reforço dos
meios dos GIPS da GNR são uma evidência dessa aposta), com a introdução de
conhecimento e este será, por ventura, o maior desafio que assiste à futura
AGIF – Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, que irá entrar em
plenas funções em janeiro de 2019.
Não obstante, todo o empenho político
constatam-se as fragilidades da estrutura do ICNF para responder, de forma
capaz, às exigências que lhe são colocadas. Deixo um exemplo - o programa
nacional de redução de ignições, que foi apresentado com toda a pompa e
circunstância em maio na presença do Primeiro-Ministro acabou por não passar de
mais um “power point”, mas sem o estabelecimento de metas, nem indicadores de
progresso, em suma, sem atribuir responsabilidades e sem qualquer eficácia
real. Aliás, a morte de 11 pessoas durante a Primavera, quando realizavam
queimas dos cortes de vegetação que escaparam ao controlo, evidenciam que esta iniciativa
surge fora de horas e, mais uma vez, distante da realidade do terreno. Por
outro lado, já o “Programa Aldeia Segura, Pessoas Seguras”, conduzido pela
Proteção Civil, parece apresentar uma abordagem mais integrada e aponta no bom
caminho no que respeita ao objectivo da protecção de pessoas e bens.
No entanto, num olhar mais aprofundado,
verificamos, sem surpresa de maior, que apesar de todo o aparato mediático que
foi colocado na questão da “limpeza”, ou seja, a gestão dos combustíveis, aquilo
que verificamos é que todo o esforço que foi realizado em março já necessita de
uma “segunda demão”, devido à instabilidade verificada nas condições climáticas
e sem ter obedecido a uma lógica de prioridades de intervenção, nomeadamente
naquilo que respeita ao exemplo que deveria ter partido dos organismos
públicos. A multa recentemente aplicada (e bem) pela GNR às Infraestruturas de
Portugal pela falta de cumprimento da Lei em torno do IP3 é disso um exemplo
flagrante, da enorme distância que vai do discurso político à realidade do
terreno.
Todos temos a noção que a tarefa que o
Pais tem pela frente é enorme e que demorará décadas para ser bem sucedida.
Mas, para conseguir alcançar esse objectivo de longo prazo é necessário
estratégia e profissionalismo. E, convenhamos, mesmo com toda a originalidade
que reveste o programa da “cabras sapadoras” é demasiado poucochinho face à
dimensão da demanda.
Neste ponto, importa, também, deitar um
olhar crítico para a Reforma da Floresta. Criticada por muitos, esta Reforma
não passou de um pacote legislativo, de medidas mais ou menos avulso, que vão
fazendo o seu caminho sem o acompanhamento rigoroso que se exigia da parte do
Governo, conforme foi bem vincado no seminário promovido pela CAP aquando da última
Feira Nacional da Agricultura. Em bom rigor, para além de uns quantos números
redondos que são apresentados neste e naquele discurso de ocasião por membros
do Governo, pouco ou nada se conhece dos resultados das medidas constantes
dessa Reforma da Floresta, dos aspectos que estão a bem e do que está menos
conseguido…
Do meu ponto de vista, conforme já afirmei
anteriormente, Portugal precisa de uma política florestal forte, com visão de
longo prazo e com uma Administração Florestal tecnicamente forte e empenhada, que
permita agir junto dos agentes do sector e também das autarquias na concretização
dos princípios inscritos na Lei de Bases da Política Florestal e das medidas
preconizadas na Estratégia Nacional para as Florestas.
A manter-se o estado actual, pese embora
toda a determinação política que António Costa colocou na “agenda florestal”,
que até mereceu um Conselho de Ministros Extraordinário realizado na Lousã,
receio que no final da legislatura o saldo se venha a saldar por uma
oportunidade perdida para fazer a Reforma Florestal profunda que o Pais precisa
para valorizar o seu principal recurso natural. Há quase 10 anos atrás, perdeu-se
uma boa oportunidade para encetar a Reforma Florestal com aquele “Código
Florestal” apressadamente aprovado na Assembleia da República, à revelia do
Setor Florestal (e que foi revogado sem que nunca tivesse chegado a entrar em
vigor…) e, daquilo que tenho observado, parece que o Poder Político não
aprendeu com essa lição.
Gazeta Rural, edição n.º 319 (30.6.2018)
Miguel Galante (Eng. Florestal)
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