segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Pedrogão, o ano seguinte


Há um ano escrevi, neste espaço de opinião, que Portugal teria que parar para olhar para aquela tragédia e tirar lições para que não se voltasse a repetir. Na verdade, porém, em Outubro, sob a influência das condições meteorológicas excepcionais resultantes da passagem do furacão Ophelia, o País viria a viver um novo inferno, ainda que com contornos bastante diferentes daqueles que foram vivenciados no dia 17 de junho de 2017.


Passado um ano dos acontecimento de Pedrogão Grande importa fazer um balanço das respostas do Pais aos incêndios florestais e, desse ponto de vista, o Conselho de Ministros Extraordinário de 21 de Outubro e as medidas que dai emanaram, na concretização das recomendações tecidas pela Comissão Técnica Independente, constitui o ponto de viragem no que respeita à política governamental nessa matéria.

Um outro sinal importante a reter prende-se com a atitude da Sociedade Civil, a onda de solidariedade nacional que se gerou na resposta voluntária dos portugueses em auxílio daquelas pessoas que tudo perderam nos incêndios florestais. Tem sido notável a forma como os portugueses se têm mobilizado nessa causa! A pronta resposta do Governo na mitigação dos danos causados pelos incêndios nas casas de primeira habitação e na recuperação das empresas e das infra-estruturas também foi notável.

No que respeita às respostas do Governo, importa também assinalar as mudanças operadas no elenco governativo e que tiveram lugar em dois momentos distintos – em meados de julho com a entrada em cena de Miguel Freitas, um político experiente e conhecedor da realidade dos incêndios por via do trabalho parlamentar e que introduziu uma outra dinâmica e visão na Secretaria de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural e, mais tarde, (por ventura, demasiado tarde…), em Outubro, após o desastre negligente dos incêndios de 15 de Outubro com a nomeação da nova equipa do Ministério da Administração Interna e, consequentemente, também na Autoridade Nacional da Proteção Civil.

Neste domínio, importa, ainda, assinalar a criação da Estrutura de Missão, liderada por Tiago Oliveira, um técnico experiente conhecedor da área e com conhecimento dos gabinetes ministeriais. Esta estrutura assume um importante papel estratégico de coordenação supraministerial das políticas relacionadas com os incêndios florestais, sob a responsabilidade direta do Primeiro-Ministro.

Sem dúvida que se tratam de sinais políticos relevantes, que indiciam uma vontade de mudar o paradigma, numa evolução no sentido de uma maior profissionalização do sistema (o reforço dos meios dos GIPS da GNR são uma evidência dessa aposta), com a introdução de conhecimento e este será, por ventura, o maior desafio que assiste à futura AGIF – Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, que irá entrar em plenas funções em janeiro de 2019.

Não obstante, todo o empenho político constatam-se as fragilidades da estrutura do ICNF para responder, de forma capaz, às exigências que lhe são colocadas. Deixo um exemplo - o programa nacional de redução de ignições, que foi apresentado com toda a pompa e circunstância em maio na presença do Primeiro-Ministro acabou por não passar de mais um “power point”, mas sem o estabelecimento de metas, nem indicadores de progresso, em suma, sem atribuir responsabilidades e sem qualquer eficácia real. Aliás, a morte de 11 pessoas durante a Primavera, quando realizavam queimas dos cortes de vegetação que escaparam ao controlo, evidenciam que esta iniciativa surge fora de horas e, mais uma vez, distante da realidade do terreno. Por outro lado, já o “Programa Aldeia Segura, Pessoas Seguras”, conduzido pela Proteção Civil, parece apresentar uma abordagem mais integrada e aponta no bom caminho no que respeita ao objectivo da protecção de pessoas e bens.

No entanto, num olhar mais aprofundado, verificamos, sem surpresa de maior, que apesar de todo o aparato mediático que foi colocado na questão da “limpeza”, ou seja, a gestão dos combustíveis, aquilo que verificamos é que todo o esforço que foi realizado em março já necessita de uma “segunda demão”, devido à instabilidade verificada nas condições climáticas e sem ter obedecido a uma lógica de prioridades de intervenção, nomeadamente naquilo que respeita ao exemplo que deveria ter partido dos organismos públicos. A multa recentemente aplicada (e bem) pela GNR às Infraestruturas de Portugal pela falta de cumprimento da Lei em torno do IP3 é disso um exemplo flagrante, da enorme distância que vai do discurso político à realidade do terreno.

Todos temos a noção que a tarefa que o Pais tem pela frente é enorme e que demorará décadas para ser bem sucedida. Mas, para conseguir alcançar esse objectivo de longo prazo é necessário estratégia e profissionalismo. E, convenhamos, mesmo com toda a originalidade que reveste o programa da “cabras sapadoras” é demasiado poucochinho face à dimensão da demanda.

Neste ponto, importa, também, deitar um olhar crítico para a Reforma da Floresta. Criticada por muitos, esta Reforma não passou de um pacote legislativo, de medidas mais ou menos avulso, que vão fazendo o seu caminho sem o acompanhamento rigoroso que se exigia da parte do Governo, conforme foi bem vincado no seminário promovido pela CAP aquando da última Feira Nacional da Agricultura. Em bom rigor, para além de uns quantos números redondos que são apresentados neste e naquele discurso de ocasião por membros do Governo, pouco ou nada se conhece dos resultados das medidas constantes dessa Reforma da Floresta, dos aspectos que estão a bem e do que está menos conseguido…

Do meu ponto de vista, conforme já afirmei anteriormente, Portugal precisa de uma política florestal forte, com visão de longo prazo e com uma Administração Florestal tecnicamente forte e empenhada, que permita agir junto dos agentes do sector e também das autarquias na concretização dos princípios inscritos na Lei de Bases da Política Florestal e das medidas preconizadas na Estratégia Nacional para as Florestas.

A manter-se o estado actual, pese embora toda a determinação política que António Costa colocou na “agenda florestal”, que até mereceu um Conselho de Ministros Extraordinário realizado na Lousã, receio que no final da legislatura o saldo se venha a saldar por uma oportunidade perdida para fazer a Reforma Florestal profunda que o Pais precisa para valorizar o seu principal recurso natural. Há quase 10 anos atrás, perdeu-se uma boa oportunidade para encetar a Reforma Florestal com aquele “Código Florestal” apressadamente aprovado na Assembleia da República, à revelia do Setor Florestal (e que foi revogado sem que nunca tivesse chegado a entrar em vigor…) e, daquilo que tenho observado, parece que o Poder Político não aprendeu com essa lição.


Miguel Galante (Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 319 (30.6.2018)



Sem comentários:

Enviar um comentário