António Costa cumpriu com a meta
que havia anunciado – no dia 21 de março, por ocasião da celebração do Dia
Internacional das Florestas, o Conselho de Ministros reuniu novamente para
aprovar o pacote de medidas inscritas na anunciada “Reforma da Floresta”.
As expectativas eram altas e
justificadas. António Costa, no rescaldo dos devastadores incêndios florestais
do verão passado, anunciou que o Governo iria avançar, de imediato, com a
Reforma da Floresta.
António Costa assinalou o Dia Internacional da Floresta 2017 em Sintra |
Assim, as medidas agora aprovadas
pelo Governo, que foram objecto de uma ampla consulta pública nacional, “vêm
responder aos grandes desafios que hoje se colocam à floresta portuguesa”, pode
ler-se no Comunicado do Conselho de Ministros. Será?
Vejamos no que constam as medidas
aprovadas pelo Governo. A reforma proposta assenta em três áreas de
intervenção: gestão e ordenamento florestal, titularidade da propriedade e
defesa da floresta, nas vertentes de prevenção e de combate aos incêndios - três
vetores estruturais importantes para alavancar o Setor Florestal em Portugal.
O Conselho de Ministros
Extraordinário de 21 de março ainda tinha reservado uma surpresa. Tirado da
cartola, eis que surge a “Comissão para os Mercados e Produtos Florestais”, com
a missão de conciliar estratégias de regulação de mercado dos recursos
florestais. As intenções até são boas (e nobres) - a monitorização permanente
dos recursos florestais disponíveis e o acompanhamento das condições de mercado
existentes, de forma a potenciar uma maior valorização dos produtos florestais
e, consequentemente, a rentabilidade obtida com os mesmos. Resta ver, finalmente,
o Governo consegue que os mercados florestais deixem de ser uma “zona obscura”
da economia...
Apesar do empenhamento político
do Primeiro-Ministro e do Ministro Capoulas Santos, o consenso em torno desta
nova “Reforma da Floresta” está longe de ser alcançado e aqui importa reter a
posição da CAP, que em comunicado, afirmava que a Reforma da Floresta
“fragiliza a economia do sector”.
Na apreciação dessa importante Federação
do Setor Agrário, o Governo aprovou “um conjunto heterogéneo de diplomas legais
e de propostas legislativas de mérito político, consistência técnica e
resultados expectáveis muito diversos”. No mesmo comunicado pode ler-se que o
conjunto de medidas “não ataca o problema dos incêndios florestais, agrava o
desordenamento dos espaços florestais, e fragiliza a economia do sector
florestal e promove o abandono florestal”. Uma visão que é partilhada no seu
essencial pelo presidente da ANEFA. Pedro Serra Ramos, argumenta que “para ser
uma reforma, o pacote legislativo teria de incluir medidas que fossem nesse
sentido". Sem fazer juízos de valor, não deixam de constituir sinais que
devem merecer a reflexão por parte do Governo e da Assembleia da República, que
ainda se vai pronunciar sobre alguns dos diplomas agora aprovados.
As medidas aprovadas pelo
Governo, sendo úteis, surgem como peças soltas de um processo que se quer mais
aprofundado e integrado. É aqui que reside o cerne da questão - as medidas
carecem de uma integração num quadro mais amplo da operacionalização da
Estratégia Nacional para as Florestas.
A “Reforma da Floresta” surge
apressada, desenquadrada da uma politica florestal nacional robusta, que
consiga, de facto, induzir uma nova dinâmica no Setor Florestal. Continua a faltar uma estrutura
técnica e administrativa na Administração Central capaz de dinamizar a sua
concretrização no terreno da Estratégia Nacional para as Florestas, envolvendo,
de forma ativa e concreta, os demais parceiros do sector – Industria, Empresas e
Associações Florestais, Municípios, etc, etc.. De igual modo, continuam a
faltar mecanismos financeiros e fiscais que permitam tonificar a sua
concretização.
É certo que as medidas agora
aprovadas podem dar um contributo útil para melhorar alguns dos problemas
estruturais da nossa floresta, desde logo para a resolução do (eterno) problema
do cadastro da propriedade. No entanto, sem uma visão estratégica e integrada (e
com a atual formulação do ICNF) não é possível por em prática tal desiderato e
sem essa reforma profunda da máquina da administração florestal, a “Reforma da
Floresta” de António Costa corre sérios riscos de se ficar por um conjunto de boas
intenções.
Em suma, como cantava Sérgio
Godinho, “… portanto, hoje soube-me a pouco”.
Miguel Galante (Eng. Florestal)
Gazeta Rural, edição n.º 291 (13.4.2017)
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